Ministro Jesús Arnaldo Pérz

Em reunião com líderes da Via Campesina, Pérez discutiu a possibilidade de fortalecer o trabalho do movimento camponês na Venezuela para efetivar a construção de uma escola de formação, nos moldes da elaborada pelo Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Além disso, o trabalho de resgate e preservação das sementes crioulas, realizado por agricultores de todo o mundo, poderia ser canalizado em um banco de sementes na Venezuela. “Na semana que vem, haverá uma reunião entre a comissão venezuelana e dirigentes da Via Campesina em Caracas para discutir o projeto”, afirma Maximilien Arvelaiz, assessor de Relações Internacionais da Presidência.

Para a Via Campesina, o apoio de um governo nacional na luta contra os transgênicos é um reforço fundamental às pressões do interior das instituições multilaterais, as quais têm profundo interesse em dominar a biodiversidade dos países do sul do hemisfério.

“É certo que vemos a Venezuela e ainda o Brasil como parceiros potenciais na luta contra os OGMs. As negociações com os governos também fazem parte das nossas estratégias, e nisso já temos 22 estados em países europeus que se declararam livres de transgênicos”, afirma o dirigente da organização na Europa Paul Nicholson.

Se efetivado o intercambio entre os agricultores brasileiros e venezuelanos os riscos de introdução de sementes transgênicas nas lavouras da Venezuela pode ser minimizado, já que têm a favor o presidente da República, Hugo Chávez, que em abril proibiu o cultivo de transgênicos no país. O veto por enquanto é verbal. O ministério de Ciência e Tecnologia ainda trabalha um projeto de lei para regulamentar a proibição.

No caso da contaminação de parte da soja do Brasil, o governo Federal do então presidente Fernando Henrique Cardoso, sucumbiu aos interesses das transnacionais e não impediu o cultivo das sementes modificadas. Com um discurso de que a soja transgênica era mais produtiva e mais rentável, os agricultores brasileiros do Estado do Rio Grande do Sul cultivaram a soja transgênica contrabandeada da Argentina e em menos de duas safras já estão comprovando o que a propaganda do agronegócio não contempla: pagamento de royalties, rechaço do mercado mundial com o veto da China às importações de soja e contaminação do meio ambiente com a aplicação do agrotóxico à base de glifosato.

Via campesina x FAO

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) por sua vez caminha na contramão no que se refere à proteção da agricultura familiar e dos camponeses. Em seu último relatório sobre a fome no mundo, a FAO defendeu a proteção dos organismos geneticamente modificados como mecanismo de desenvolvimento da agricultura mundial.

De acordo com dados da própria FAO a fome no mundo não é provocada pela escassez de alimentos, se não pela falta de acesso à eles. Em todo o mundo, diariamente se produz mais de dois quilos de alimento por pessoa, no entanto, mais da metade do planeta sofre com problemas como a fome e a desnutrição.

“A FAO afirma em sua carta de fundação que, entre as suas funções, está o incentivo da pequena agricultura e do combate à fome. Nos últimos cinco anos, o número de famintos passou de 800 milhões para mais de 1 bilhão. Quando passou a aceitar os organismos geneticamente modificados como instrumento de combate à fome, passou para a condição de adversária em nossas lutas, assim como a OMC”, diz Rafael Alegria, secretário geral da Via Campesina.

Para Paul Nicholson, desde a criação das Nações Unidas, “que prometiam resolver as mazelas do planeta", como pobreza e desigualdade, as condições de vida da população mundial piorou, inclusive, porque "a ONU se transformou num organismo de defesa do grande capital", critica.

Por canalizar a resistência dos movimentos camponeses ao neoliberalismo e suas vertentes no campo, a Via Campesina nunca formalizou relações institucionais com ONU justamente por não considerá-la independente. “O que existe é uma certa simpatia em relação à constituição e ao papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT, que conta com a participação dos sindicatos de trabalhadores) e um estreito trabalho com a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas na denúncia da repressão e da criminalização sofrida pelos movimentos camponeses”, explica Nicholson.

A relação da Via Campesina com a ONU e suas instituições deve considerar que "as Nações Unidas são governo e que simplesmente deve ser negado à ONU o direito de falar em nome dos povos" adverte João Pedro Stédile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Sobretudo, diz Stédile, não se pode permitir que a organização convide algumas organizações não-governamentais para o debate e dizer que estão conversando com a sociedade civil.

Declaração de IV Conferencia Internacional de Via Campesina - 19 de junho 2004

Itaici, São Paulo, 14 a 19 de junho de 2004

Nós, Via Campesina, um movimento mundial de organizações de mulheres rurais, camponeses, camponesas, pequenos agricultores e agricultoras, trabalhadorese trabalhadoras do campo, povos indígenas e afrodescendentes, da Ásia, Europa, América e África, nos reunimos em Itaici, São Paulo, Brasil, de 14 a 19 de junho de 2004, em nossa IV Conferência Internacional. Fomos recebidos/as de maneira calorosa, fraternal e combativa por nossas anfitriãs, as organizações membros da Via Campesina no Brasil.

Nós nos reunimos para reafirmar nossa determinação de defender nossas
culturas e nosso direito a continuar existindo como camponeses e povos com identidade própria. Somos mais de 400 delegados e delegadas de 76 países, representando milhões de famílias camponesas. Tivemos a alegria de acolher a Segunda Assembléia Mundial de Mulheres e a Primeira Assembléia Mundial de Jovens da Via Campesina, o que ressalta nosso compromisso de continuar nossas lutas através das gerações que hão de vir. Contamos também com a presença de mais de 40 organizações camponesas que se incorporaram à Via Campesina nesta Conferência, e de mais de 80 organizações amigas da sociedade civil.

A IV Conferência Internacional fez uma revisão de nossa história, desde
nossas primeiras intenções de organização, até a atualidade. Ficou claro
que, por princípio, estamos em oposição total ao modelo neoliberal, que mata e destrói culturas, povos e famílias camponesas no mundo todo. Vimos como nossas organizações e nosso movimento cresceu, se fortaleceu e tem conseguido pôr o movimento camponês no centro das lutas populares. A Via Campesina foi a protagonista principal das mobilizações populares em Cancun, onde uma semana contínua de protestos e o sacrifício do companheiro da Coréia, Lee Kyuong-Hae, que ofereceu sua vida aos camponeses do mundo para manter viva a decisão de luta e de rechaço da OMC, provocou uma grande derrota da OMC.

Junto com nossas lutas e o fortalecimento de nosso movimento, também vimos como o modelo econômico que sofremos continua sendo imposto sem escrúpulo algum. Desde nossa ultima Conferência, podemos constatar:

 Que as famílias camponesas continuam desaparecendo de maneira alarmante. A cada minuto que passa, as políticas agrícolas e o modelo de agricultura industrial determinam o desaparecimento de uma propriedade camponesa na Uniao Europeia ampliada ; a situação é igualmente dramática no Canadá e nos Estados Unidos. Na África, Ásia, Caribe e América Latina são causas adicionais da destruição de camponeses : a repressão, os deslocamentos massivos e forçados, assim como as guerras abertas ou encobertas. Em algumas
regiões, o suicídio de camponeses é uma tragédia que vem aumentando.

 Que vêm se intensificando de maneira dramática as migrações forçadas pela guerra e as provocadas pela miséria, a concentração da terra e a destruição de famílias camponesas.

 Que o papel de guardiões do capital que, desde o início, o FMI, o BM e a OMC cumprem, está sendo igualmente assumido por organismos das Nações Unidas, como a UNCTAD e a FAO.

 Que os Tratados de Livre Comércio se têm multiplicado e, junto com outros acordos internacionais, estão impondo aparatos jurídicos que destroem princípios básicos de proteção aos direitos humanos e sociais, e que somente asseguram as condições para maximizar os lucros das empresas transnacionais.

 Que é extremamente alarmante como tem aumentado as violações sistemáticas dos direitos humanos, se tem legalizado a guerra contra os povos, como se tem criminalizado o protesto e a mobilização social e se procura impor a criminalização da Via Campesina e dos povos indígenas, assim como o uso da repressão preventiva

 Que as mulheres e os jovens continuam sendo marginalizados entre os
marginalizados, e que estão cada vez mais sujeitos a condições de violência genocida. Que também elas e eles são as vítimas principais dos processos de privatização dos serviços básicos, da concentração da terra e da destruição das formas locais de alimentação, de agricultura e do mercado local, assim como da exploração e do trabalho escravo que as transnacionais impõem.

Reafirmamos que a permanência da agricultura camponesa é fundamental para a eliminação da pobreza, da fome, do desemprego e da marginalização. Estamos convencidos de que a agricultura camponesa é peça fundamental para a soberania alimentar, e a soberania alimentar é um processo imprescindível para a existência da agricultura camponesa. E não haverá autonomia nem agricultura camponesa se não mantivermos nossas próprias sementes.

Daremos especial prioridade ao direito dos camponeses do mundo inteiro de exigir políticas públicas a serviço de uma agricultura camponesa
sustentável. Continuaremos nossa luta por uma autentica Reforma Agrária,
pela defesa de nossas sementes e da soberania alimentar.

Nos opomos totalmente aos cultivos transgênicos e os combateremos em cada lugar. Denunciamos e repudiamos o recente informe da FAO : "Biotecnologia, resposta às necessidades dos pobres ?", que somente busca legitimar a imposição de cultivos transgênicos e a utilização da tecnologia da morte -sementes Terminator ou sementes estéreis- com o único fim de garantir os lucros das grandes transnacionais da agricultura.

Reafirmamos nossa total oposição ao neoliberalismo e às políticas da OMC, BM e FMI. Rechaçamos totalmente sua ferramenta mais ativa nos últimos tempos: os tratados bilaterais de livre comércio. Repudiamos o uso do bloqueio como arma econômica e política e chamamos a lutar pela paz em todos os países.

Nós nos comprometemos a lutar contra o sistema patriarcal que somente
acentua as aberrações do capitalismo. Dentro da Via Campesina, trabalharemos duramente para tornar a paridade de gênero, que já conseguimos, em uma autentica mudança de relações de poder entre homens e mulheres. Assumimos o novo compromisso de impulsionar a luta pelos Direitos Humanos dos Camponeses. Construiremos, a partir das organizações camponesas, uma Carta Internacional dos Direitos Campesinos.

É também um novo compromisso lutar contra as causas da migração e seus
efeitos destrutivos. Exigiremos o melhoramento e cumprimento estrito dos
tratados da OIT em relação aos trabalhadores agrícolas. Desenvolveremos um esforço coletivo de educação política em todos os níveis.
Chamamos todos os movimentos sociais a unirem-se às ações mais imediatas
decididas por esta conferência : de 19 a 24 de julho de 2004 desenvolveremos uma Semana de Luta contra a OMC e as Transnacionais. Estabelecemos o dia 10 de setembro como o dia das lutas contra a OMC. Neste ano, nos comprometemos a levar o povo às ruas, especialmente em Seul, para prestar homenagem ao companheiro Lee numa jornada de mobilização pela soberania alimentar. Em 25 de novembro, dia internacional de luta contra a violência às mulheres, impulsionaremos um conjunto de ações interligadas. De 4 a 8 de dezembro de
2004, faremos nossa conferência pela Reforma Agrária. Chamamos as
organizações sociais a manterem se mobilizadas para impedir a reuniao
ministerial da OMC em Hong Kong no Julho 2005.

Todos os participantes desta IV Conferência da Via Campesina, nos
comprometemos a seguir lutando pelo bem estar e pela dignidade dos nossos povos. Articularemos todas as lutas, desde o nível local até o global, criando novas formas de alianças que nos dêem maior força para exigir novamente o respeito e proteção de nossos direitos e culturas.

(com informações da Agência Carta Maior)