A destruição do meio ambiente na Amazônia está vinculada historicamente à exploração econômica descontrolada da região para atender o mercado mundial, com a exploração aviltante da mão-de-obra, mínima retenção de riqueza na região e não-formação de mercado interno.

O desenvolvimento econômico e social da região amazônica se encontra obstaculizado pela concentração de renda e de riqueza; pela crescente concentração da população em poucas grandes cidades, simultânea à sua dispersão no interior em núcleos urbanos muito pequenos e ao longo dos rios, o que resulta em pequena densidade do mercado regional (exceto nos dois maiores centros urbanos); pela escassez e irregularidade de suprimento de energia elétrica; pela fragilidade, diversidade e relativo desconhecimento dos distintos ecossistemas da região; e pela exploração predatória de recursos naturais.

A destruição do meio ambiente na Amazônia está vinculada historicamente à exploração econômica descontrolada da região para atender o mercado mundial, com a exploração aviltante da mão-de-obra, mínima retenção de riqueza na região, não-formação de mercado interno e desarticulação social e miséria das populações locais. Esta situação se agravou com o progresso nos meios de transporte e com a introdução de tecnologia avançada na produção, em especial na agricultura e na pecuária extensivas.

O primeiro ciclo da borracha trouxe uma riqueza efêmera para alguns centros urbanos como Manaus, romanticamente admirada em seu Teatro, atraiu centenas de milhares de nordestinos, dizimou os indígenas na formação dos seringais, mas não gerou indústrias de processamento da borracha na região nem no Brasil. Ao serem as sementes da hevea contrabandeadas para a Malásia, a produção brasileira foi expulsa do mercado mundial e os seringueiros entregues à própria sorte nas mãos dos seringalistas proprietários das terras.

O segundo ciclo da borracha decorreu da ocupação japonesa da Malásia e da necessidade vital de abastecimento dos Estados Unidos e provocou novo ciclo de migração interna do Nordeste para a Amazônia, gerando curto período de exportação de matéria-prima não-processada que durou o período da Guerra, sem acarretar melhoria permanente das condições de vida da população, nem melhor distribuição de renda e riqueza. A exploração extrativista estagnou e recuou com a redução da demanda internacional pela borracha amazônica após a Guerra. Estes ciclos, todavia, não devastaram a Amazônia pelo desflorestamento devido a suas características extrativistas, não-predatórias.

A combinação da demanda internacional por soja, para alimentar a pecuária de corte que fornece proteínas para as populações do Primeiro Mundo, com os choques do petróleo de 1973 e 1979, as crises cambiais daí decorrentes e a necessidade de gerar superávites, com o desenvolvimento da tecnologia mecanizada agrícola e com as preocupações militares de integração do território nacional, estimuladas pelos Estados Unidos em sua luta anticubana e antiguerrilha em geral, levaram à organização de programa do Estado brasileiro de construção de rodovias associadas a projetos de colonização e à instituição de poderosos esquemas de isenções, deduções fiscais e crédito agrícola altamente subsidiado.

Daí decorreram as aquisições de enormes propriedades por empresas brasileiras e multinacionais, as transferências de colonos do sul do país e do centro-oeste, a intensificação e mecanização das derrubadas de florestas, a formação de plantações de soja e de fazendas de pecuária extensiva que muitas vezes esgotam o solo pela não-rotação de culturas, com intenso uso de agrotóxicos, e que vieram a expulsar mão-de-obra posseira e mais tarde os ex-colonos.

Os programas estatais de pesquisa agrícola no Brasil foram direcionados para a agricultura de exportação, e não para a agricultura de subsistência, e os programas de crédito financiaram a utilização intensa de agrotóxicos e a mecanização em especial da lavoura da soja e assim levaram à utilização do cerrado e de áreas da Amazônia sendo que, nesse caso, ao desflorestamento com grave prejuízo ambiental.

A mão-de-obra expulsa da agricultura foi e continua sendo atraída para os centros urbanos que incham desorganizada e velozmente, e para a garimpagem artesanal de ouro e daí para o tráfico de drogas, com todas as conseqüências para o meio-ambiente e para as populações indígenas e caboclas devido à derrubada da floresta, à poluição dos rios e do pescado pelo mercúrio, às crateras abandonadas pelo garimpo, que se tornam focos de irradiação de doenças, à prostituição juvenil e até infantil como meio de sobrevivência.

Mais uma vez a demanda e o mercado internacional conduziram o processo de destruição do meio-ambiente e de desarticulação social das populações da Amazônia, agora agravadas pelas facilidades de transporte de mercadorias de alto valor e baixo peso por via aérea, como são o ouro, as pedras preciosas e as drogas.

As tentativas de planejar o desenvolvimento da região através da Sudam, de ocupar o território através do Projeto Calha Norte, de defendê-lo através do Sivam, de proteger as populações originais através da demarcação de reservas indígenas e extrativistas esbarram em circunstâncias externas à região, geradas na economia internacional e na situação de crescente vulnerabilidade econômica e ideológica da sociedade brasileira.

De um lado, a ideologia neoliberal internacional consagrou a estabilidade absoluta da moeda, a abertura e a desregulamentação dos mercados de bens, serviços e capitais, a não-intervenção do Estado na economia, o equilíbrio orçamentário, a especialização produtiva não-industrial dos Estados da periferia, a prioridade absoluta ao pagamento de compromissos financeiros com credores internos e externos.

Essa ideologia acentuou as vulnerabilidades externa e interna da economia brasileira, que se expressam nos índices de crescimento acelerado da dívida interna e externa, da crescente participação das dotações para pagamento de juros e amortizações no orçamento, na elevada taxa de juros, na escassez de recursos do Estado para fins sociais e para a expansão da infra-estrutura, com resultados graves como a crise de energia em 2001 revelou.

Assim, hoje de um lado a Amazônia tem sido vítima da escassez e do desvio de recursos públicos que seriam necessários aos investimentos e à fiscalização de atividades econômicas, e de outro lado, de escassez de recursos ideológicos, pois não se reconhece, no centro nacional de decisões econômicas, a necessidade de intervir para reduzir as disparidades regionais e se considera que a empresa privada não deve ter sua atuação orientada e limitada, em especial nos frágeis ecossistemas amazônicos.

Quando isto se reconhece retoricamente, na prática não se fiscaliza, muito em especial quando se trata de empresa estrangeira pois esta, segundo seus apologistas, pode, teoricamente aportar divisas, pelas inversões ou exportações, para enfrentar o sumidouro dos compromissos externos. Assim, com a omissão do Estado as populações, sejam elas indígenas, caboclas, palafitas, pobres, colonos da Amazônia, ficam entregues a si mesmas, e à exploração voluntarista e predatória tanto do capital legal quanto do capital ilegal investido na produção e comércio de drogas, ouro, diamantes e pedras preciosas para um mercado internacional de consumidores de além-mar que os desejam a baixo preço.

Somente a ação organizada do Estado pode enfrentar de forma eficiente e urgente os obstáculos ao desenvolvimento sustentável da Amazônia e conter e reverter processos de desertificação e suas conseqüências em certas regiões da Amazônia. A livre iniciativa nacional, e ainda menos a estrangeira, com seu natural objetivo de maximização de lucros, com sua atitude individualista de necessária irresponsabilidade social, e com sua inevitável tendência a contornar leis e regulamentos considerados embaraçosos à sua eficiência, não pode enfrentá-los mas pode, isto sim, agravar sua ação.

Organizações não-governamentais, ainda quando não estejam vinculadas a interesses de Estados estrangeiros, não detêm o poder de mando ou de sanção necessários para executar políticas de grande alcance, podendo minorar situações específicas isoladas e diminutas mas não resolver o conjunto dos desafios amazônicos. As agências internacionais não dispõem de recursos, ou de força efetiva, como aliás demonstram os escassos recursos e modestos resultados do PPG-7 (Programa Piloto para a Proteção de Florestas Tropicais do Brasil) e do GEF (Fundo Mundial para o Meio Ambiente).

Some-se a isso a recusa de certos Estados desenvolvidos de adotarem políticas de cumprimento das metas de redução de emissão de gases de efeito estufa, definidas e por eles aceitas no Protocolo de Quioto à Convenção Quadro sobre Mudança do Clima. Grandes Potências, como os Estados Unidos, tem reduzido os recursos alocados a seus programas nacionais de ajuda externa, e esposam filosofia neoliberal de ação, incapaz de enfrentar e resolver os desafios amazônicos.

A população total da Amazônia brasileira é de 21 milhões de habitantes, encontrando-se relativamente concentrada em grandes e médios centros urbanos (68% da população é urbana) e ao mesmo tempo dispersa pelo interior, em geral às margens dos rios navegáveis, o que dificulta a execução de políticas públicas na região. Dos 21 milhões de habitantes da Amazônia, cerca de 220 mil são indígenas aldeados e cerca de 100 mil são indígenas não-aldeados, que vivem na periferia de centros urbanos, em diversos graus de aculturação.

Noventa e cinco por cento das terras indígenas estão na Amazônia e 60% da população indígena do Brasil se encontra na Amazônia. Portanto, os interesses do Brasil, como sociedade multirracial, na Amazônia, não podem ser vistos exclusivamente à luz dos interesses das populações indígenas que representam menos de 2% da população total da região.

Todavia, as violações de direitos que as populações indígenas têm histórica e continuamente sofrido; sua fragilidade, inclusive biológica, diante do contato com populações brancas (e mestiças) civilizadas; suas características socioculturais e suas funções como preservadoras eficazes dos ecossistemas amazônicos fazem imprescindível que o Estado as proteja de forma eficiente, e não apenas retórica, de forma suficiente e não excessiva.

As tentativas da Igreja de integrar os indígenas à sociedade capitalista ocidental rompe o equilíbrio entre os indígenas e o meio ambiente e resultam na desintegração de sua sociedade tradicional, de seus costumes, do vínculo religioso com suas terras, com terríveis efeitos psíquicos e, ao invés de assimilá-los de forma produtiva e digna, levam muitas vezes à sua marginalização social.

A política de retirar os indígenas de suas terras tradicionais e de agrupá-los em aldeamentos para facilitar a quebra dos valores espirituais tradicionais e a catequização, com a premissa inevitável de que a religião e os valores culturais do branco são superiores, os remove de seus territórios ancestrais que, por sua vez, ficam abertos à penetração predatória de brancos isolados ou de empresas.

Gerou-se assim significativa população de origem indígena nas periferias das cidades, que apresenta elevados índices de alcoolismo, prostituição e desemprego, e que está sujeita ao aliciamento por narcotraficantes, situação à qual está igualmente sujeita a população cabocla posseira mais antiga, expulsa de suas terras pela grilagem.

A catequização por certas seitas parece estar em muitos casos associada à biopirataria e às atividades ilegais de pesquisadores disfarçados de missionários, à procura do conhecimento tradicional dos indígenas em relação às propriedades terapêuticas da flora da região. Este conhecimento tradicional da utilização da flora pode reduzir em mais de 50% os custos de pesquisa para identificação e sintetização de elementos básicos de medicamentos.

As violações de direitos das populações indígenas são utilizadas freqüentemente pelas organizações não-governamentais para justificar iniciativas de internacionalização parcial (através de reivindicação de autonomia para territórios dos povos indígenas) ou geral da Amazônia (como suposta área comum da humanidade), aliadas a argumentos de defesa do meio ambiente na região que procuram apresentá-la como sendo o pulmão do mundo e maior sumidouro de carbono, tese de pequena credibilidade científica porém ainda popular.

Todavia, apesar de não ser o pulmão do mundo, tal fato não deve prejudicar a urgente necessidade de proteção ambiental rigorosa na Amazônia pois a contínua devastação da floresta tropical trará alterações climáticas profundas senão para o mundo certamente para o Brasil e para a América do Sul.

A efetiva demarcação das terras indígenas, a regulamentação da exploração econômica de recursos, em especial minerais, a compensação pelas infrações históricas de direitos indígenas através do pagamento de royalties e a constituição de fundos para combater as violações de territórios indígenas são ações necessárias para desinflar a campanha pela internacionalização da Amazônia feita por, bem ou mal intencionadas, organizações privadas e públicas.

Ainda que a Amazônia seja uma região pouco conhecida quanto a seus recursos minerais, nela já foram descobertos depósitos extraordinários, em volume e qualidade, de ferro, bauxita, cobre e cassiterita, e foram identificados importantes jazidas de ouro, prata, diamantes, caolim, nióbio, manganês e gás. Esses depósitos minerais se encontram em distintas áreas da região, de acordo com sua formação geológica, porém ocorre uma concentração importante na Província Mineral de Carajás.

As características de Carajás são tão extraordinárias que a tornam comparável somente a Witwateysrand, na África do Sul, e a Abitibi, no Canadá, com a vantagem de que enquanto essas últimas duas áreas são completamente conhecidas do ponto de vista geológico por terem sido descobertas há mais de cem anos, a prospecção em Carajás começou há cerca de 30 anos e seu potencial mineral e econômico ainda é em grande medida desconhecido. Em Carajás se encontram as maiores reservas mundiais de ferro de alto teor; a segunda maior área potencial de produção de cobre do mundo; a maior mina de ouro do Brasil; e importantes depósitos de manganês, níquel e prata.

A descoberta de depósitos superficiais de cassiterita na década de 60 e de ouro na década de 70 atraiu mais de um milhão de garimpeiros, ou originários das periferias das cidades de todo o país ou que haviam sido expulsos pela agricultura e a pecuária extensiva, com a leniência inicial do Governo.

Este via essa migração como forma de aliviar a tensão social no campo e na cidade mas, posteriormente, procurou coibi-la por razões ambientais e devido à invasão de reservas e de conflitos com indígenas. As práticas predatórias da garimpagem selvagem deixaram um rastro de crateras, levou à poluição de rios causada pelo uso de mercúrio para aglomerar o ouro de aluvião no leito dos rios, e disseminou doenças pela região devido à vida nômade dos garimpeiros.

A Amazônia, em sistema de mineração industrial, exporta dezenas de milhões de toneladas de ferro, de bauxita e de cassiterita. A transformação industrial da bauxita se verifica em Barcarena, São Luis e tornou necessária à construção da gigantesca usina hidroelétrica de Tucuruí com 5 milhões MW/h, para abastecer, a tarifas subsidiadas, energia para as usinas de alumina da ALBRAS e da ALUMAR.

A exportação e a transformação de minério de ferro de Carajás levou à construção da estrada de ferro de Marabá a São Luis e à construção de 16 usinas de ferro gusa que produzem cerca de 1.500.000 toneladas/ano e que consomem mais de quatro milhões de metros cúbicos de carvão vegetal por ano.

O garimpo artesanal de ouro atraiu e atrai milhares de indivíduos, da Amazônia e de todo o país, desempregados pela agropecuária extensiva ou subempregados nas cidades. Os garimpeiros, seduzidos pela miragem do enriquecimento súbito, são explorados pelos proprietários das jazidas e dos equipamentos e pelos intermediários que adquirem o resultado de seu trabalho. A utilização do mercúrio para concentrar o minério contamina numerosos rios, atingindo o pescado de consumo local e através dele a saúde da população.

Esse mercúrio é introduzido na região pelas mesmas redes de contrabando de drogas, de agentes químicos e de ouro. A política de concessão de licenças para prospecção e exploração de jazidas minerais e os demorados procedimentos burocráticos favorecem, por elevarem o custo de obtenção, os grandes proprietários de terras enquanto as tentativas de organizar os garimpeiros em cooperativas e introduzir técnicas não-predatórias de garimpagem têm tido sucesso limitado.

As atividades na província mineral de Carajás sugerem a possibilidade de exploração em grande escala de recursos minerais com razoável preservação do meio ambiente. Ora, é conhecida a existência de jazidas minerais importantes localizadas em reservas indígenas. Seria necessário conhecer melhor a dimensão e o valor estratégico dessas jazidas e definir formas de explorá-las sem atentar contra os direitos indígenas e, em caso de exploração, fazê-los beneficiários de seus resultados.

A política de criar e demarcar reservas indígenas em territórios onde podem se encontrar depósitos minerais importantes decorreu em parte de forte pressão externa, sob pretexto humanitário mas talvez vinculada à estratégia de criar reservas de matéria-prima para atender às necessidades do mundo desenvolvido e a serem exploradas, caso necessário no futuro, através de eventual concessão de autonomia às nações indígenas, facilitada, inclusive, pelo crescimento dessas populações nessas áreas.

A Amazônia exporta para o mercado mundial grande parte de sua produção mineral de baixo valor agregado, sujeita à flutuação e queda de preços devido a excesso de oferta, gerando pequeno número de empregos na região.

Os investimentos para agregar valor e diversificar a estrutura produtiva do setor encontram, de um lado, dificuldades de suprimento de energia elétrica e as soluções aplicadas encontram resistências ambientais, que decorrem de pressões domésticas e externas e de perda econômica (madeira, pescado, biodiversidade) decorrente da construção de grandes reservatórios, ou de desflorestamento e emissão de gases, no caso do ferro gusa a partir de carvão vegetal, sempre com repercussão sobre eventuais reservas indígenas.

A fragilidade e o relativo desconhecimento dos ecossistemas amazônicos e as conseqüências climáticas, econômicas e sociais de sua exploração desordenada justificam a formulação e a execução de políticas públicas que disciplinem os direitos privados de exploração de recursos naturais. A natureza na Amazônia é soberana, e determina a forma de ocupação humana de modo mais intenso e estrito do que em outras regiões do país; porém a Amazônia não é única, sendo vários e distintos os ecossistemas, cuja evolução e geomorfologia resultaram em tipos de solo com capacidade de suporte distinta, aos quais deve corresponder uma ocupação humana compatível.

Esta não ocorre naturalmente, a não ser em relação aos habitantes históricos da região tais como indígenas, extrativistas e quilombolas, que prestam serviços ambientais de preservação de grande importância, ao deter conhecimentos tradicionais, e ao depender da floresta para seu sustento, sem atividade predatória.

A biodiversidade, em especial vegetal, é importante pois ao fazer parte integrante do ciclo de vida dos ecossistemas amazônicos, dela depende a possibilidade de renovação das linhagens genéticas de vegetais em que há produção agrícola em larga escala no Brasil e em outros países, para permitir seu fortalecimento e assim defendê-la de pestes e pragas. Finalmente, ela permite, devido aos conhecimentos tradicionais indígenas, grande economia de custos e de tempo na pesquisa de princípios ativos para a produção de novas drogas farmacêuticas.

A utilização dos recursos biológicos e genéticos está intimamente associada ao emprego dos conhecimentos tradicionais. A proteção desses conhecimentos detidos por comunidades indígenas e caboclas na Amazônia é um desafio para a doutrina jurídica e para os legisladores, pois o direito patentário não oferece proteção adequada àquelas comunidades quanto ao uso de seu conhecimento no desenvolvimento de produtos e processos industriais.

O acesso aos recursos genéticos requer legislação que promova o uso sustentável da biodiversidade, e ao mesmo tempo facilite a inovação científica e a agregação de valor ao patrimônio existente na Amazônia.

A biodiversidade vegetal está estreitamente ligada à biodiversidade animal, em especial de insetos, os quais impedem a homogeneidade das formações florestais e contribuem para a degradação da biomassa e a formação do solo superficial, e que, assim, por sua vez afetam o clima tropical e o regime de águas, em seus ciclos de precipitação e evaporação.

Os solos da Amazônia são em geral de baixa fertilidade, podendo se degradar rapidamente, com a derrubada da cobertura florestal e a lavagem do solo, sem ocorrer a sua renovação, e em certas áreas levando à desertificação.

As culturas de numerosos produtos como a batata, o café, o açúcar e o arroz, têm sua origem nas florestas tropicais. A cultura dessas plantas, quando domesticadas e efetuada em grande escala e de forma isolada, as torna especialmente sujeitas à ação de pragas e pestes. A possibilidade de combate a essas pragas com agrotóxicos é limitada pelos seus efeitos sobre a saúde humana e se torna importante a introdução de gens de espécies em estado selvagem, através de hibridagem, para torná-las resistentes.

A biotecnologia, através do desenvolvimento de produtos transgênicos, sofre forte oposição de movimentos sociais e de certos Estados devido à incerteza sobre seus efeitos sobre a agricultura, o meio ambiente e a saúde humana, o que torna mais importante a renovação das linhagens por meios naturais.

A exploração predatória mais significativa de recursos naturais decorre das atividades de grandes empresas agropecuárias. As atividades das grandes empresas pode ser desestimulada através de impostos para a preservação do meio ambiente, por sistemas de crédito de reflorestamento e pela publicação e divulgação periódica e obrigatória de dados sobre a devastação florestal causada pelo desmatamento, indicando nominalmente as principais propriedades e seus proprietários.

As atividades de empresas madeireiras nacionais, ou estrangeiras em geral, podem ser orientadas para formas sustentáveis e mais benéficas econômica e socialmente para a região pela exigência de processamento industrial das madeiras, pela imposição de quotas para exportação de toras, pela fiscalização de suas atividades e pela imposição de multas capazes de dissuadir práticas predatórias.

As práticas predatórias de lavradores e garimpeiros é questão bem mais complexa pela dispersão de agentes mas menos agressiva ao meio ambiente no caso de pequenos lavradores. Exige programas de pesquisa e a difusão de práticas de exploração agrícola sustentável e de práticas de garimpagem não-predatória. A situação e a ação de lavradores e pequenos posseiros somente podem ser modificadas caso sejam implementados programas de titulação fundiária e programas de acesso ágil ao crédito bancário.

A maior parte do território amazônico está ocupada por grandes propriedades que correspondem a importantes empresas nacionais e estrangeiras que adquiriram extensas glebas de terra na região, induzidas e favorecidas por fortes incentivos fiscais à pecuária e pela concessão de créditos oficiais a juros negativos, enquanto que outro fator de concentração de propriedade rural foi a grilagem de terras públicas.

Os indicadores sobre a propriedade rural na Amazônia revelam importante concentração de riqueza e renda. A concentração de renda e de riqueza na Amazônia pode ser avaliada pelos índices de concentração da propriedade rural, que é a maior do país, sendo que 45% do território total da Amazônia corresponde a imóveis improdutivos e 48% dos imóveis são minifúndios. Portanto, parcela minúscula da população concentra essa forma essencial de riqueza, e em conseqüência, o poder político na região.

O fato de na Região Norte 90% da população não contar com esgotos sanitários; da maioria da população não ter acesso à energia elétrica; de 60% da população não ter acesso a água potável e de 20% da população com mais de 15 anos ser analfabeta indicam que a situação social e de renda da população da região Norte, e portanto da Amazônia, é inferior à das demais regiões do Brasil, revelando um quadro de pobreza real aguda.

Uma das possíveis estratégias para a desconcentração de renda e de riqueza na região é enfrentá-la em sua raiz e causa, que é a propriedade da terra, através da tributação e da eventual desapropriação, em especial em caso de exploração predatória com forte impacto negativo sobre o meio ambiente.

Os sistemas de auto-avaliação das terras como base para a imposição fiscal, com o direito do Estado de aquisição preferencial a percentual significativo acima do preço declarado de venda, ou de desapropriação pelo valor declarado para fins de imposto territorial ou de imposto de renda pelo proprietário do imóvel são mecanismos adotados em países desenvolvidos e capitalistas e, portanto, não podem ser considerados como sistemas atrasados ou socialistas.

A recuperação da propriedade de terras pelo Estado poderia facilitar a instalação de projetos de agricultura cooperativa ou de extrativismo sustentável e manejo florestal e a formação de reservas indígenas, sem a necessidade de recursos financeiros vultosos.

A participação da indústria na economia de transformação na Amazônia é relativamente pequena e as unidades industriais se concentram em Manaus e Belém. A Zona Franca de Manaus conseguiu criar uma indústria de produção, e não apenas de montagem, mas teve como um de seus efeitos principais retardar ou dificultar o surgimento de uma indústria eletrônica no Brasil com maior grau de nacionalização de seus componentes, como foi possível estimular, no passado, a ocorrer na formação da indústria automobilística.

A Zona Franca contribuiu para atrair a população da agricultura e do extrativismo, sem gerar, devido às tecnologias adotadas, o número de empregos necessários para absorver tal população. O objetivo original da Zona Franca, que era criar uma plataforma de exportação, não foi na prática alcançado pois a Zona Franca se transformou em plataforma de importação para o mercado brasileiro em geral. Não seria possível politicamente nem recomendável economicamente acabar com a Zona Franca.

Todavia, é necessário criar mecanismos fiscais e de crédito que induzam à maior agregação local de valor, a maior emprego de mão-de-obra, à exportação efetiva pelas empresas que se beneficiam de isenções e à fiscalização da aplicação de recursos resultantes de deduções de imposto de renda.

A Zona Franca foi fator importante para a conservação da cobertura florestal no Estado do Amazonas, onde se encontram um terço (150 milhões de hectares) das florestas brasileiras, ao desestimular atividades predatórias como a extração intensiva de madeira ou a criação extensiva de gado, contribuindo assim para que o Estado do Amazonas tenha ainda cerca de 98% de sua floresta original. As regiões de campos naturais e várzeas podem servir para dar novo impulso à Zona Franca, caso sejam implementadas políticas de estímulo a indústrias que aproveitem o capital natural da Amazônia, especialmente o potencial pesqueiro, a aqüicultura e o uso sustentável dos recursos genéticos.

A disponibilidade de energia elétrica barata é indispensável tanto para a diversificação da atividade econômica como para a melhoria das condições de vida da população amazônica. A escassez de energia elétrica na região não pode ser resolvida pela construção de grandes usinas, com vastíssimos reservatórios de retenção, como no caso de Tucuruí, e inundações conseqüentes para sua formação, mas sim pela implantação de pequenas termoelétricas com a utilização de gás natural, que se encontra abundante em locais como Urucu.

Apesar do enorme potencial hidroelétrico da Amazônia, seu aproveitamento, indispensável à industrialização de recursos, agregação de valor e geração de empregos encontra diversos obstáculos tais como os efeitos ambientais decorrentes da inundação causada pela formação de grandes reservatórios que afetam o regime hidrológico, causam desflorestamento e perda de biodiversidade, inundam terras indígenas e acarretam conseqüentes reações internacionais.

O alto custo financeiro devido à existência de alguns poucos grandes núcleos urbanos e à dispersão das populações em núcleos diminutos ao longo dos rios, em uma miríade de pequenos povoados, tornam difícil e antieconômico o abastecimento de energia. O uso de unidades diesel para gerar eletricidade depende do regime dos rios, pois o óleo é transportado por via fluvial, sua manutenção é precária e o custo médio é cerca de três vezes o da energia hidroelétrica.

Assim, a dispersão espacial da população, que torna pouco econômica a construção de linhas de transmissão; o alto custo financeiro e ambiental; e o alto custo político, devido às repercussões internacionais, tornam necessário desenvolver a utilização de fontes de energia como o gás, a partir das reservas de Juruá e Urucu ou de óleo de palma e de métodos de produção alternativos de energia, através da biomassa e da energia solar.

A estratégia

Uma estratégia de desenvolvimento da Amazônia a ser implementada pelo Governo federal e agências locais com vistas ao fortalecimento das atividades produtivas, à maior agregação de valor, à incorporação da mão-de-obra e à redução das desigualdades sociais, e portanto de resposta eficaz aos argumentos de internacionalização, deveria:
 realizar o zoneamento ecológico-econômico gradual da região e taxar diferencialmente as empresas que atuarem em áreas ainda não-submetidas ao zoneamento;
 desenvolver técnicas sustentáveis de produção agrícola, em especial de subsistência;
 desenvolver métodos de garimpagem não-predatória;
 estimular a industrialização de produtos da agricultura local e do extrativismo, integrar cadeias de produção e de comercialização e fortalecer as empresas locais;
 promover o conhecimento sistemático da biodiversidade, levantar conhecimentos tradicionais e promover o registro e a proteção desse conhecimento;
 identificar pontos de estrangulamento da economia local e promover sua remoção através da execução de programas de substituição de importações, com aproveitamento dos recursos regionais e da execução de obras de infra-estrutura ambientalmente sustentadas;
 fortalecer as instituições orientadas para a elaboração e execução de políticas públicas na Amazônia e as instituições científicas existentes, com a fixação de pesquisadores na região.

A estratégia de ação do Estado brasileiro na Amazônia deve ter como objetivo prioritário a defesa da integridade das fronteiras, o não-envolvimento em conflitos internos de países vizinhos, em continuidade à posição tradicional de não-intervenção, a defesa do meio ambiente da região amazônica, tanto em relação a ações de natureza militar como à atividade predatória empresarial ou individual, a execução de programas de desenvolvimento sustentável com recursos nacionais e de programas de combate ao narcotráfico, evitada a interferência estrangeira, sempre ilusória, pois acena com grandes volumes de fundos de que realiza pequena parcela, e inoportuna por levar à alienação a baixo preço da capacidade de definir as estratégias de desenvolvimento da região.

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As reflexões sobre a macroestrutura hegemônica de poder; sobre as características dos mercados de trabalho; sobre as origens dos principais males que afetam diretamente a população, quais sejam as violações de seus direitos; sobre a natureza da tecnologia no subdesenvolvimento; sobre o problema central do capital e da ampliação da capacidade produtiva; e sobre o território, suscitam a indagação sobre as causas intelectuais das dificuldades em superar obstáculos à execução de uma estratégia de desenvolvimento e a busca de resposta a essa indagação leva necessariamente à análise da hegemonia cultural e da vulnerabilidade ideológica.