O curioso é que horas antes, à entrada de Jerusalém, a multidão havia aclamado Jesus: "Bendito o filho da Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor" (Lucas 19,38).
Jesus Barrabás (sim, assim se chamava) era discípulo de Judas, o Galileu, líder do partido dos sicários que, acusado de promover uma rebelião contra os impostos cobrados por Roma, morreu crucificado quando Jesus se encontrava na adolescência. Sobre Barrabás pesava a acusação de ter matado um soldado romano no outono anterior, o que lhe angariava simpatias aos olhos dos judeus contrários à ocupação romana.

Teria a multidão sido tão volúvel? Por que entregar agora à condenação aquele que saudara ao vê-lo entrar no Templo pela Ponte de Xisto, montado num jumento? Tudo faz supor que a turba que acolheu Jesus como sucessor do rei Davi, hasteando palmas, não era a mesma que se encontrava na Fortaleza Antônia, onde ele foi julgado por Pilatos. Faz sentido. Em via pública, junta-se qualquer um. Nas dependências de um edifício que servia de palácio ao governador romano só ingressavam os credenciados, os "amigos da casa". E com certeza não eram pessoas dispostas a contrariar as autoridades.

Jesus nos intriga. Ele é o anti-herói. Jamais escreveu um livro, atuou em apenas três anos, entrou na história pela porta dos fundos, desafiou as autoridades de seu tempo. Se os homens sonham em ser reis e os reis gostariam de ser deuses, em Jesus Deus se fez homem. Ninguém marca tão profundamente a cultura ocidental quanto o Nazareno. "Ainda que me provassem que a Jesus não estava com a verdade, eu ficaria com Jesus", declarou Dostoievski.

A existência do filho de Maria e José dá asas à imaginação. Não só agora com "O Código da Vinci", de Dan Brown, um Harry Potter para adultos. Já nos primeiros séculos de nossa era uma centena de evangelhos foi publicada, atribuídos a Pedro, Tomé, Filipe, Matias, Barnabé, Maria Madalena etc. Agora vem a público um de suposta autoria de Judas, cujo autor procura salvar a sua má fama, tentando justificar que o apóstolo-tesoureiro teria agido de comum acordo com Jesus. O bispo Gelásio, falecido em 496, publicou um texto conhecido por Decreto Gelasiano, no qual condena ao menos 60 textos considerados apócrifos. Na lista não aparece o Evangelho de Judas, sinal de que não devia ser muito popular.

Não duvido que surja amanhã o Evangelho de Jesus Barrabás. O agitador teria deixado um relato no qual afirma que sua prisão fora uma farsa montada para apressar a condenação de Jesus. Ou que seu indulto foi comprado a peso de ouro por seus companheiros sicários, pago a um Caifás corrupto, o mesmo que repassou as trinta moedas a Judas, e que teria insuflado a turba contra Jesus.

Acho curioso constatar que muitos indagam "quem foi Jesus?" e "quem matou Jesus?", quando as perguntas pertinentes são "o que fez Jesus?" e "por que condenaram Jesus?" Dessas interrogações muitos fogem como o diabo da cruz. Sabem que as atitudes de Jesus nos interpelam, questionam e incomodam. Sua opção pelos pobres, a crítica à ganância dos ricos, a exigência de amar os inimigos, são no mínimo desconfortáveis para uma sociedade centrada no sonho da opulência, canonizadora da apropriação privada da riqueza e prenhe de ódio frente aos adversários.

Jesus foi assassinado como prisioneiro político, não por ter sido traído ou porque Deus, Pai sanguinário (na versão de Mel Gibson), quis se comprazer ao ver o Filho contorcer-se na cruz. A pena de morte adotada pelos romanos, a crucificação, o atingiu porque sua militância ameaçou a estabilidade do regime político e econômico vigente na Palestina. "Não compreendeis que é melhor que só um homem morra pelo povo a perecer toda a nação?", indagou o Sumo Sacerdote (João 11, 50).

Somos cúmplices de Barrabás quando acorrentamos o Jesus que nos habita, os valores evangélicos paradigmáticos de uma ética fundada no respeito à sacralidade do próximo e da natureza, e preferimos a competitividade à solidariedade, a vingança à compaixão, o ódio ao amor. Eis uma maneira muito em voga de escrever o Evangelho segundo Barrabás.

Fonte
Adital (Brasil)
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