AP : Muito obrigado por nos ter recebido em sua casa e, por aceder responder ás perguntas para o público da Associated Press, já que dentro em pouco vai-se realizar a cimeira do G20 e esta entrevista é muito importante. Queria começar pela Síria. O presidente Obama diz agora que está à espera da aprovação do Congresso para começar a operação na Síria. Qual é a sua opinião quanto ao ataque químico e que medidas devem ser tomadas ?

Vladimir Putin : Não temos informação exacta do que ocorreu. Cremos que, pelo menos, se devia esperar pelos resultados da investigação que ali realizou a comissão de inspectores da ONU. Mas não temos confirmação que estas substâncias químicas (a propósito, entretanto nem se sabe se foram armas químicas ou só substâncias nocivas) tenham sido utilizadas, de facto, pelo exército oficial do governo da Síria. Além disso, já que falou disto, na nossa opinião, parece totalmente absurdo, que as forças armadas regulares, que na realidade estão actualmente na ofensiva, tendo em alguns sítios cercado os chamados rebeldes e os destruído completamente, que em tais condições começassem a usar armas químicas proibidas, sabendo perfeitamente que isto pode ser um pretexto para sofrer sanções, inclusivé o uso da força. É ridículo, não tem nenhuma lógica, isto em primeiro lugar.

Em segundo lugar, partimos do facto de que se alguém tem informação sobre a utilização de armas químicas por parte do exército regular, tem que entregar essas evidências ao Conselho de Segurança da ONU, aos inspectores e ao Conselho de Segurança. E deverão ser contundentes. Não devem basear-se em rumores, ou em informações recebidas por serviços secretos, resultantes de escutas clandestinas de algumas conversas, etc. Até nos Estados Unidos há peritos que creem que as provas apresentadas pela administração não são convincentes, e não excluem a possibilidade da oposição ter realizado uma ação provocatória, programada de antemão, para dar aos seus protectores um pretexto para um ataque armado.

AP : Temos visto vídeos com imagens de crianças envenenadas. Também viu esses vídeos ? O que pensa sobre isso ?

Vladimir Putin : No que se refere ao que acaba de mencionar, as imagens de crianças assassinadas, supostamente em resultado de tal ataque químico, são imagens horríveis. A única pergunta é, o que é que se passou e quem é responsável ? As imagens não dão resposta a estas perguntas. E existe a opinião que é uma compilação dos próprios mercenários, que, como bem sabemos e a administração dos Estados Unidos também o reconhece, estão ligados à Al-Qaeda, e que sempre se distinguiram pela sua crueldade.

Ao mesmo tempo queria chamar a sua atenção sobre o facto que, se observou atentamente essas imagens, nelas não se vêm nem pais, nem mulheres, nem pessoal médico. Quem são estas pessoas e o que é que realmente se passou ali ? Não temos resposta para essa pergunta. Tais fotografias, à partida, são horríveis, mas não provam a culpabilidade de ninguém. Evidentemente, há que investigar e seria bom saber quem cometeu essas atrocidades.

AP : Qual será a posição da Rússia se se apresentarem provas claras que tais ataques foram realizados pelo governo da Síria ? Estaria de acordo com a nossa operação militar ?

Vladimir Putin : Não descarto essa possibilidade. Mas quero que preste atenção a uma circunstância de suma importância. Segundo o direito internacional vigente só o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas pode autorizar o uso da força contra um Estado soberano. Qualquer outro motivo que se invoque, para justificar o uso da força contra um país independente e soberano, é inadmissível, e não se pode qualificar de outra maneira que não seja de agressão.

AP : Entendo os seus argumentos e é importante o facto que até agora não se sabe quem cometeu esses crimes. Mas o que fará a Rússia, afastar-se-á do governo sírio, cessará o fornecimento de armas, etc.?

Vladimir Putin : Se tivermos informação objetiva, e precisa, sobre quem cometeu esses delitos, haverá uma reacção correspondente. Supor agora, e dizer de antemão, que vamos fazer isto ou aquilo é absolutamente errado, não é assim que se deve agir em política. Mas asseguro-lhe que tomaremos uma posição firme. Quero dizer que a firmeza dos princípios desta posição radica no facto do uso de armas de destruição massiva ser um crime.

Mas surge-nos outra pergunta. Se se der o caso de terem sido os mercenários que utilizaram as armas de destruição maciça, o que farão os Estados Unidos com eles ?O Que vão fazer os padrinhos com os seus mercenários ? Parariam os fornecimentos de armas ? Desencadeariam uma operação militar contra eles ?

AP : Parece-me, seguindo John Kerry, que todos sabemos que foram cometidos estes delitos e que somos obrigados a responder perante a historia. E que, a Rússia, tal como os Estados Unidos, também poderia ver-se nesta situação. Não receia que agora o possam qualificar como uma pessoa que apoia o regime que comete crimes contra o seu próprio povo ? Não corre o perigo que o considerem defensor deste governo ?

Vladimir Putin : Não defendemos este governo. Defendemos coisas completamente diferentes : defendemos normas e princípios do direito internacional, defendemos a ordem mundial actual, defendemos que se discuta, mesmo que seja só a possibilidade do uso da força, exclusivamente, no quadro da actual ordem internacional, das regras internacionais e do direito internacional. É isso o que defendemos, esse é um valor absoluto. Quando as questões de uso da força se resolvem fora da ONU, ou do Conselho de Segurança, surge o perigo que tais decisões ilegais se tomem contra qualquer país, e sob qualquer pretexto.

Ora, você acaba de afirmar que o senhor Kerry crê que foi o exército de Assad o que utilizou as armas químicas. Mas foi exactamente dessa mesma maneira que outro secretário de Estado, na administração Bush, convenceu toda a comunidade internacional que o Iraque possuía armas químicas e até chegou a mostrar-nos uma ampola com uma substância branca. Tudo isso provou ser uma argumentação inconsistente. Apesar disso, utilizando tal argumento, realizou-se uma operação militar que muita gente nos Estados Unidos agora considera ter sido errada. Por acaso já o esquecemos ? Ou supõe-se que se pode, facilmente, evitar novos erros ? Garantolhe que não. Todos se lembram, o têm presente e o levam em conta ao tomar decisões.

AP : Segundo me parece, não aceitará as provas apresentadas até agora. Então o que o convencerá ?

Vladimir Putin : Só uma investigação aprofundada, e objetiva, e a apresentação de provas irrefutaveis, que demonstrem claramente quem o fez, e que armas se utilizaram, nos convencerá. Depois disso estaremos dispostos a agir da maneira decisiva mais séria.

Pervy Kanal : Senhor presidente, a Rússia continua a manter os contratos de fornecimento e manutenção do armamento sírio ?

Vladimir Putin : Sim, claro. Mantemos, baseando-nos no principio que colaboramos com um governo legítimo e não infringimos nenhuma das normas do direito internacional, nem as nossas obrigações. Não há nenhuma restrição da ONU ao comércio de armas com a Síria. E, lamentamos que o fornecimento de armas aos mercenários se realize a todo vapor desde o início deste conflito armado, ainda que, pelas normas do direito internacional, a venda de armas a uma das partes em conflito seja inaceitável.

Pervy Kanal : Apesar disso, permita-me aclarar a questão acerca dos mais modernos sistemas S-300.

Vladimir Putin : Passemos adiante.

Pervy Kanal : Há muitos rumores acerca disto, se a Rússia forneceu estes sistemas à Síria ou não.

Vladimir Putin : O S-300 não é o sistema mais moderno. Creio que no seus parâmetros será um pouco melhor que o Patriot, mas já temos o S-400 e estamos a ponto de terminar o S-500. Á partida, é um armamento muito eficaz. Temos um contrato de fornecimento de S-300 e já entregamos alguns componentes, mas não terminamos o envio. Suspendemo-lo. Mas, se constatarmos que se estão a tomar medidas que violam as normas internacionais pensaremos melhor, em como actuar no futuro, inclusive no que se refere ao fornecimento de armamento tão sofisticado a outras regiões do mundo.

Pervy Kanal : Líderes de muitos países declararam que não se envolveriam de forma alguma no conflito. O que nos pode dizer a propósito ?

Vladimir Putin : Queria que notasse o facto que a Federação da Rússia, actualmente, não tem unidades no estrangeiro, à excepção de duas bases em território da antiga União Soviética, e da participação das nossas tropas em operações no âmbito dos mandatos da ONU. E está bem, estamos muito satisfeitos assim. Nós, claro, não temos nenhuma intenção de participar em qualquer conflito.

No que se refere à decisão de alguns países de não participar na operação militar, francamente, surpreendeu-me muito, porque pensava que na comunidade ocidental tudo se fazia segundo os princípios de certa uniformidade, como as decisões que se adoptavam nos Congressos do Partido Comunista na União Soviética. Mas, acontece que afinal não se passa assim, que ainda há pessoas que consideram muito a sua soberania, analisam a situação e têm força para tomar decisões que correspondem aos interesses do seus próprios países, que defendem o seu ponto de vista. E isso está certo, evidencia que o mundo realmente se fortalece na multipolaridade.

Pervy Kanal : Senhor presidente, na sua opinião, que lugar ocupará o problema sírio na agenda da cimeira do G20 ? Estamos a ter esta entrevista, justamente, na véspera dessa grande reunião em São Petersburgo.

Vladimir Putin : Antes de mais quero dizer-lhe que a agenda do G20 foi estabelecida com muita antecedência, e foi aprovada por todos os seus membros. Não consideramos que tenhamos direito a violar esses acordos. A cimeira do G20 está dedicada em primeiro lugar à discussão de assuntos económicos, de problemas económicos do mundo, dedicada aos problemas do crescimento, à luta contra o desemprego, contra a corrupção, os delitos fiscais, a administração. Mas, claro, considerando que a situação em torno à Síria é um conflito grave, e que não fomos capazes de pôr-mo-nos de acordo neste tema tão importante, pode-se aproveitar o facto de os líderes das 20 principais economias do mundo estarem reunidos em São Petersburgo e, evidentemente, dedicar algum tempo a discutir este tema. Mas não vamos impô-lo. Podemos sugerir sair do âmbito dos debates previstos e dedicar algum tempo ao problema sírio.

Gostava de sublinhar uma vez mais que somos os anfitriões da cimeira e que esta tem certas regras, há uma agenda aprovada e não achamos ter o direito a mudá-la. No entanto proporei aos meus colegas discutir esse assunto, e espero que não se recusem.

Pervy Kanal : O que será para si uma cimeira com êxito ?

Vladimir Putin : O êxito da cimeira será uma discussão aberta e positiva orientada para a aprovação final das decisões pré-agendadas. Que decisões são ? Uma série de medidas para estimular o crescimento da economia mundial, a criação de novos postos de trabalho. Essas são as duas directivas principais. Ao fazê-lo, partimos da premissa que para garantir a solução desses desafios devemos resolver várias subtarefas, por exemplo, a promoção do investimento, a criação de uma economia mundial mais aberta, e o trabalho sobre, como já disse, da administração tributária, o sistema bancário, etc.

Por certo que, quanto à administração fiscal e ao aperfeiçoamento do sistema fiscal, o problema da evasão de impostos é parte da luta contra a corrupção. O que conseguimos, segundo me parece, acordar (ainda que não o tenhamos feito sozinhos, mas sim em cooperação com os nossos parceiros e colegas sob o auspício da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico) foram os princípios básicos de avanço do sistema fiscal no mundo. Ninguém o fez nos últimos 100 anos. É uma parte muito importante do nosso trabalho.

Está pronto o chamado « Plano de São Petersburgo » para o desenvolvimento da economia mundial e a criação de novos postos de trabalho. Chegamos a acordo numa série de outros problemas ligados à luta contra a corrupção, pusemo-nos de acordo acerca do que deve ser feito com a actividade « offshore ». É toda uma série, uma grande série de medidas. Se, à partida, vamos discutir os problemas do comércio mundial, das finanças internacionais, então chegaremos à conclusão que a cimeira será um êxito se se adoptarem todos os documentos preparados e acordados de antemão.

Pervy Kanal : Se entendi bem, além de lançar os temas, a Rússia tem algo mais a propor aos seus hóspedes para solucionar certos problemas como mencionou ?

Vladimir Putin : Como já sabe, nós presidimos o Grupo este ano, a cimeira do G20 é como uma espécie de quinta-essência, a finalização de todo este trabalho colectivo durante o ano a nível de ministros, peritos, etc. E assim, no decorrer destas discussões conjuntas, claro, nós sugerimos algumas coisas e a nós também nos são feitas sugestões. É um trabalho conjunto, compartilhado, no qual se prepara um documento único para todos os líderes do G20, que agora deverão assinar este documento final.

AP : Senhor presidente, vamos voltar ás relações entre os Estados Unidos e a Rússia. Mas permita-me fazer-lhe uma pergunta mais acerca da Síria. Suponhamos que o presidente Obama recebe o apoio do Congresso para o uso da força. Que fará a Rússia nesse caso ? Apoiará a Síria ou romperá as suas relações com esse país ? Que fará nesse caso ?

Vladimir Putin : Você trabalha para um meio de comunicação ou para a CIA ? Fazme perguntas que me deveriam ser feitas por colegas de outras organizações… Esses são planos da Rússia segundo o desenrolar da situação, em relação a um primeiro, segundo ou terceiro guião. Temos as nossas próprias ideias acerca do que fazer, e como vamos reagir em caso de uma situação com uso de armas, ou sem elas. Temos os nossos próprios planos, mas é demasiado cedo para falar deles.

AP : Bem. Agora gostava de colocar uma pergunta acerca da visita do presidente Obama. Na verdade, agora, deveríamos estar a falar dos resultados da cimeira que devia estar a decorrer neste momento, estou a falar da cimeira com o presidente Obama. Sente-se decepcionado pelo cancelamento da visita ?

Vladimir Putin : Sim, claro. Gostava que o presidente dos Estados Unidos visitasse Moscovo para ter a possibilidade de conversar com ele, de discutir problemas pendentes. Mas não creio que seja uma grande catástrofe. Porque os contactos entre os nossos sectores administrativos, entre os ministros, entre ministros de várias áreas não pararam. Recentemente teve lugar a visita a Washington do ministro da Defesa da Federação da Rússia e do ministro das Relações Exteriores ( Negócios Estrangeiros- Pt/Lu). Há contactos entre os nossos parlamentos. Quer dizer o trabalho continua, não pára. Entendemos que a posição da Rússia sobre alguns temas irrita, em certa medida, a administração americana. Mas nada podemos fazer. Creio que seria melhor não cair em irritação, mas sim armar-se de paciência e procurar soluções de conjunto.

No âmbito da cimeira do G20, em San Petersburgo, espero ter a possibilidade de conversar com o meu colega norte-americano. Todos os nossos encontros anteriores foram muito construtivos. O presidente Obama é um interlocutor muito interessante e uma pessoa realista e pragmática. Estou seguro que ainda que o nosso encontro tenha lugar durante o decorrer dos trabalhos do G20, durante a cimeira, de todo o modo será muito proveitoso. Em todo o caso temos muitas questões em que estamos empenhados e na solução das quais estamos interessados. É a agenda do desarmamento, os problemas de desenvolvimento da economia mundial, as questões acerca da Coreia do Norte, os problemas acerca do Irão. E muitos outros em cuja solução estamos tão interessados como os Estados Unidos. Por exemplo, a luta contra o terrorismo. Há pouco os americanos viveram outra tragédia, refiro-me às explosões num evento desportivo. E as nossas autoridades policiais e serviços especiais cooperaram muito activamente e continuam a fazê-lo. E esta cooperação serve claramente os interesses tanto do povo americano como do povo russo. Esta colaboração não parou e estou certo que vai avançar.

AP : Algumas pessoas falam sobre as suas relações pessoais com o presidente Obama, sobre as suas relações de amizade. Muitos comentam sobre a sua linguagem corporal, que muitas vezes parece indicar que se aborrece durante as conversações com ele. O que pensa destes comentários ? Têem razão de ser ? O que lhe parece ?

Vladimir Putin : Creio que cada um está no seu lugar, estou a falar de pessoas que estão implicadas na política, na economia, na segurança e que difundem a informação. Cada um trata de mostrar as suas melhores qualidades, incluindo os observadores de que você está falando. As vezes surpreende-me muito ler sobre a linguagem corporal, de que nos aborrecemos ou nos comportamos de qualquer outra maneira. Quem pode dizer, aparte de nós mesmos, o que temos em mente e no coração ? Há alguns gestos que, evidentemente, podem ler-se claramente. Mas nenhum desses gestos se viu, nem da parte de Obama nem da minha, e espero que nunca se vejam. Tudo o mais é ficção.

Repito uma vez mais que as nossas conversações sempre têem um carácter muito construtivo, substancial e bastante franco. Nesse sentido, o presidente dos Estados Unidos é interlocutor muito bom, é fácil falar com ele, porque é claro no que pretende, tem posições claras, ele escuta a posição do seu oponente, reage a essa posição. É interessante trabalhar com ele.

AP : Crê que as relações entre a Rússia e os Estados Unidos ainda são marcadas por factos da Guerra Fria ? Como podemos superar isso ?

Vladimir Putin : Em parte ainda é assim. Mas isso refere-se antes de mais a um nível intermédio da cooperação em quase todos os campos e esferas. Muitas pessoas, especialmente nos organismos de segurança, que durante anos trabalharam nos Estados Unidos contra a União Soviética e na União Soviética contra os Estados Unidos, ainda se mantêm nesse sistema de referência e dentro daquele modo de actuação. Mas gostaria de pensar que isso não afecta, de forma nenhuma , os altos escalões políticos. As nossas polémicas actuais não provêm disso, mas sim mais de um diferente entendimento dos problemas que enfrentamos, de diferentes vias que elegemos para alcançar objetivos comuns, e quero sublinhar que são comuns, e talvez da capacidade ou da falta de capacidade de procurar compromissos e de respeitar a opinião dos seus parceiros.

AP : Quando você se voltou a candidatar à presidência muitos disseram que as detenções que se faziam naquela altura eram destinadas a debilitar os rivais. Crê que os americanos estão envolvidos nos últimos acontecimentos que têm lugar na sociedade civil ?

Vladimir Putin : Não me lembro bem de que detenções fala que pudessem ter influído na campanha pré-eleitoral. Que detenções houve na Rússia que tenham podido influir na campanha pré-eleitoral ? Ficava muito agradecido se mo explicasse. Não tenho conhecimento de uma única detenção que possa ter afectado a campanha pré-eleitoral na Rússia, não se viu tal tipo de detenções. Se as forças da ordem por alguma razão prendem alguém, gritar « Socorro ! É uma detenção política ! » é um bom modo de defender-se. E eu não vi tal tipo de detenções. De que fala ?

AP : Creio que muitas vezes se considera que o Departamento de Estado dos Estados Unidos está interessado em debilitar o seu adversário e gerar uma comoção na Rússia.

Vladimir Putin : Por vezes surgem esses sentimentos, digo-o francamente, tal como o disse aos meus parceiros americanos. Não sei se será muito apropriado comentá-lo nos meios de informação mas, em geral, é bastante claro, por isso vou pronunciar-me. Custa-me a imaginar o embaixador da Federação da Rússia em Washington colaborando intensamente com os representantes do movimento Ocuppy Wall Street. Simplesmente não consigo imaginar tal coisa, porque o papel de embaixador consiste melhorar as relações internacionais. É um labor delicado. Com a quantidade de problemas complicados existentes, tem que existir uma pessoa ou pessoas de ambos os lados, capazes de evitar os escolhos, de procurar compromissos, de conseguir acordos. Mas os funcionários da sua embaixada portaram-se de forma muito diferente. É o mesmo, repito, que imaginar-mo-nos trabalhando com os representantes de Ocuppy Wall Street. Nós não o fazemos, mas alguns funcionários da embaixada dos Estados Unidos consideram-no normal. Creio que isso não corresponde à prática diplomática. Nós não quisemos armar nenhum escândalo a respeito. Simplesmente observamo-lo e pensamos : « Bem, se esta é a sua maneira de fazer as coisas, seja ». Assim isso não levou a consequências negativas nas nossas relações. Creio, no entanto, que essa prática não é correcta e é daninha. Mas parece que se trata do estilo de acção de alguns dirigentes de uma certa instituição. As pessoas vão e vêem, mas os interesses de países tão grandes como a Rússia e os Estados Unidos permanecem, e é preciso continuar a cooperar.

AP : E quanto à colaboração entre os serviços de inteligência, está a desenvolver-se ao mesmo nível apesar de uma certa tensão nas relações ?

Vladimir Putin : Não, nos serviços de inteligência também existem falhas quando, por exemplo, oferecemos alguns dados e nos dizem « Pois, mas resolveremos sem a vossa ajuda » e os nossos dizem, « Ah, então, viva ». Mas, em geral, a colaboração vaise desenvolvendo com êxito e é proveitosa. Estou certo que ajuda a proteger a vida dos nossos cidadãos. Isso é o mais importante, e é o fruto principal do nosso trabalho comum nesta direção. Quero mais uma vez expressar a esperança que logremos continuar a aprofundar e a fomentar essa colaboração.

Pervy Kanal : Senhor Presidente, resumindo este tema das relações entre a Rússia e os Estados Unidos, como as caracterizaria na actualidade ? Estará ciente que hoje foi anunciada a agenda do presidente Obama na Rússia. Após aterrar (aterrissar- Br), ele reunirá com os defensores dos direitos humanos e os representantes das minorias sexuais. Já surgiram comentários que isto indica o real nível das nossas relações actuais.

Vladimir Putin : É uma prática da diplomacia americana, mostrar o seu apoio à sociedade civil. Não vejo nada de mal nisso. Pelo contrário, damos-lhe as boas-vindas para que haja uma clara imagem e uma compreensão do que se passa na nossa sociedade. Seria melhor se o serviço diplomático, a embaixada, e os serviços especiais, que existem para isso, dessem um retrato pleno e objetivo do estado da sociedade russa e não uma imagem unilateral. Além de que, também, é importante ver como estão organizadas e como funcionam as pessoas que se dedicam à defesa dos direitos humanos.

Pervy Kanal : Mas em qualquer caso como classificaria estas relações ? Tivemos o reinício e agora é o gelo ou o esfriamento ?

Vladimir Putin : Não, é só relacionamento corrente, a protecção dos interesses, a maneira de solucionar os assuntos internacionais e bilaterais. É uma difícil e tensa jornada comum. Nem tudo é um mar de rosas. É um trabalho difícil e muitas vezes duro, mas não é nada de extraordinário. O presidente Obama não foi eleito pelo povo americano para ser agradável com a Rússia, nem tão pouco este humilde servidor foi eleito pelo povo da Rússia para ser agradável com outros. Estamos trabalhando, discutindo, somos humanos e por vezes podemos aborrecer-nos. Mas, repito, creio que os interesses mútuos globais são um bom fundamento para buscar soluções conjuntas.

AP : Quanto a assuntos jurídicos… o caso de Edward Snowden despertou um certo descontentamento e desilusão nos Estados Unidos. Como ex-operacional dos serviços especiais de que forma reagiria ante a conduta de uma pessoa como Snowden que permitiu a fuga de informação secreta ?

Vladimir Putin : Sim na verdade trata-se de informação secreta e, se essa personagem na realidade nos houvesse causado dano, de imediato procuraria que fosse responsabilizado e que fosse penalizado de acordo com a legislação russa.

AP : Em relação a isto acha que a administração norte-americana tem razão ao solicitar a extradição de Snowden e o reenvio para os Estados Unidos ?

Vladimir Putin : Possivelmente sim. Sabe, o problema radica noutra coisa. O problema consiste em que não sabemos se a administração tem razão ou não. E a questão não consiste em defendermos Snowden. Não o defendemos. O problema é que não temos com os Estados Unidos um acordo de extradição de delinquentes. Em várias ocasiões propusemos aos Estados Unidos negociar esse tipo de acordo, mas sempre o recusaram.

A nível mundial, existem determinadas regras e procedimentos segundo os quais um delinquente pode e deve ser extraditado para a outra parte, se existir um acordo válido no qual estejam indicadas as condições, e certas garantias. Os Estados Unidos negaram-se a assinar connosco um acordo desse tipo. Tão pouco querem extraditar os nossos delinquentes, cujos delitos não foram revelar segredos, mas sim terem as suas mãos cheias de sangue, já que mataram pessoas e praticaram tráfico e escravatura humanas, e os nossos parceiros americanos estão ao corrente disso. Não podemos avaliar se Snowden cometeu algum crime nos Estados Unidos ou não. Não temos possibilidade de o fazer. Nós como país soberano, e sem que exista um tal acordo com os Estados Unidos, nada mais podemos fazer que permitir-lhe residir aqui.

Agora vou-lhes dizer directamente algo que nunca disse antes, sugeri-o, mas não o disse. O senhor Snowden reuniu-se pela primeira vez com os nossos representantes diplomáticos em Hong Kong. Informaram-me que havia um funcionário dos serviços especiais. Perguntei « E que quer ? » « Ele luta pelos direitos humanos, pela liberdade de informação, contra as violações dos direitos humanos neste âmbito e contra as infrações da legislação dos próprios Estados Unidos e das normas do direito internacional ». Disse-lhes : « E quê ? Se quer ficar pela Rússia, pode fazê-lo. Mas nesse caso tem que terminar toda a actividade que possa afectar as relações entre a Rússia e os Estados Unidos ». Explicaram-lho. Ele respondeu : « Não. Eu luto pelos direitos humanos e apelo a que lutem comigo ». Disse : « Não, não vamos lutar juntos a ele, ele que lute só ». Ele saiu.

Aí começou a sua viagem para a América Latina de avião. Disseram-me que o senhor Snowden vinha para Moscovo, duas horas antes da sua aterragem(aterrissagem-Br). E o que é que se passou depois ? Houve uma fuga de informação. Os representantes dos serviços especiais americanos, que não se ofendam comigo, mas poderiam actuar com maior profissionalismo. E os diplomáticos, por certo, também. Ao inteirarem-se que ele se estava dirigindo para a Rússia, e que tinha que fazer aqui uma escala, pressionaram todos os países aonde poderia dirigir-se, incluindo países latinoamericanos e europeus. Eles teriam permitido que saísse para algum país onde pudesse ser facilmente detido, ou detê-lo no caminho como fizeram, como se sabe, com o avião do presidente de um país latino-americano, algo que, na minha opinião, é absolutamente inadmissível, grosseiro, e não é digno dos Estados Unidos nem dos seus parceiros europeus. É simplesmente humilhante. Poderiam tê-lo feito com Snowden. O que os impediu de o fazer ? Não, assustaram toda a gente e ele automaticamente teve que ficar no nosso aeroporto. E o que é que podíamos fazer depois ? Entregá-lo ? Neste caso têm que negociar um acordo connosco. Se não o querem fazer, óptimo. Entreguem os nossos delinquentes. Se não o querem fazer, adiante. E, porquê então nos pedem a nós para o extraditar unilateralmente ? Porquê este snobismo (esnobismo-Br) ? Há que ter em conta os interesses mútuos, trabalhar e procurar soluções profissionais.

Portanto não estamos defendendo Snowden, mas sim certas normas de relações entre os estados. Tenho muita esperança que num futuro próximo consigamos acordos de interesse com os Estados Unidos, e validados sob a forma de documentos legais.

AP : Edward Snowden ofereceu à Rússia alguma informação secreta ou confidencial ?

Vladimir Putin : Não, não nos ofereceu nada, não recebemos nada dele e nem sequer nos interessa. Também somos especialistas na matéria e partimos do princípio que os nossos parceiros dos serviços especiais americanos estão inteirados de tudo o que ele poderia ter dito, de que já se asseguraram neste sentido, mudaram e apagaram tudo o que era necessário. Que proveito podemos tirar dele ? Não queríamos nem sequer intrometer-mo-nos nisso tudo, compreende ? Ele é uma pessoa totalmente estranha a esse mundo, mas pode ser apresentado de diferentes formas. Percebo que para os Estados Unidos seja vantajoso apresentá-lo como um traidor, mas é uma pessoa de um carácter totalmente diferente. Ele acha-se um lutador pelos direitos humanos. Pode-se ou não reconhece-lo como tal, mas no fim é uma coisa que depende dos que o avaliam. Enquanto ele se posicionar precisamente dessa forma, e se comportar assim, connosco vai bem. Não nos interessa convidá-lo para qualquer colaboração, nem sacar dele nenhuma informação. Nunca tentou oferecer-nos nada e nós não tentamos obter nada dele.

AP : Quer dizer, teoricamente poderia envelhecer na Rússia ?

Vladimir Putin : Sabe, as vezes cheguei a meditar sobre ele. É um tipo estranho. É jovem, tem pouco mais de 30 anos. Não consigo imaginar no que está cogitando, nem como pensa construir o seu futuro. Em princípio condenou-se a si próprio a ter uma vida muito difícil. Nem sequer imagino o que vá poder fazer. Mas fica claro que não o vamos entregar e que pode sentir-se seguro aqui. Mas, depois o quê ? Talvez, dentro de algum tempo, Washington se dê conta que não é nem traidor nem um espião, mas sim uma pessoa que tem as suas convicções que podem ser apreciadas de diferentes formas. E, talvez surja algum tipo de compromisso. Não sei, a vida é dele, escolheu-a e fê-lo com independência. Ele acredita que age nobremente, de forma justificada, e que os sacrifícios são necessários para isso. É a sua escolha.

AP : Os Jogos Olímpicos decorrerão muito em breve e parece que todas as instalações estarão construidas a tempo. Mas há pouco saiu a sonante noticia sobre a aprovação da lei contra os homossexuais. Crê que pode ter repercussão na celebração das Olimpíadas ?

Vladimir Putin : Espero que não repercuta negativamente, além disso, não temos leis que vão contra pessoas de orientação sexual não tradicional. Pelo que acaba de dizer parece que quer que milhões de espectadores pensem que temos essas leis, mas não as temos. Aprovamos uma lei que proíbe a propaganda a favor da orientação sexual não tradicional entre menores de idade e, para começar, isso é algo muito diferente.

Em segundo lugar, vemos que tratam de desacreditar a realização das futuras Olimpíadas utilizando essas leis como desculpa. Infelizmente, vemos que essas atitudes aparecem também da parte dos Estados Unidos. O que quero dizer com isto ? Em primeiro lugar, os homossexuais no nosso país não são reprimidos nem na esfera profissional, nem salarial, tão pouco quando alcançam grandes feitos na sua vida criativa ou no trabalho. Não são reprimidos no sentido em que o governo reconhece os seus méritos, são condecorados com ordens e medalhas. São cidadãos da Federação da Rússia com os mesmos direitos que os demais.

No entanto, aqueles que pretendem dar-nos lições, incluindo alguns colegas e amigos americanos, deveriam saber que os homossexuais têm muitos problemas nos Estados Unidos. Sabem que em alguns Estados a homossexualidade é considerada um crime ? Em particular no Oklahoma e no Texas, segundo me disseram. Pode ser que esteja equivocado, mas comprovem. Se está certo, essas pessoas que pretendem indicar-nos o que fazer não serão exemplos a seguir. E segundo as estatísticas, realizadas por algumas organizações não governamentais – não digo que esteja correcto mas é o que dizem as sondagens – em algumas empresas norte-americanas os homossexuais são discriminados incluso em relação aos salários. Não sei se está certo, há que comprovar. Mas há muito tempo que nós erradicamos o atavismo que a homossexualidade é um crime. Creio que o artigo 120 do Código Penal da República Soviética da Rússia penalizava a orientação sexual não tradicional. Mas há muito que foi abolido. Apesar de tudo, em alguns países isso ainda vigora. Considero que é melhor que não discutamos, que não tentemos demonstrar que uns países são civilizados e outros selvagens. Temos que tratar os assuntos relacionados com o respeito pelos direitos humanos de forma séria, como parceiros, e não tentar andar ás cotoveladas, mas sim procurar uma visão objetiva da situação e buscar soluções em conjunto.

AP : Se dizemos que a propaganda da homossexualidade é um crime, o que será o facto de levar símbolos distintivos da homossexualidade ? Refiro-me a sinais, como o arco-íris.

Vladimir Putin : Não, não será. As pessoas que foram as promotoras dessas leis – e eu não fui uma delas – e os que as aprovaram partiam do facto que os casamentos entre homossexuais não geram filhos. A Rússia está a atravessar tempos difíceis na esfera da demografia. Estamos interessados em que as famílias sejam tradicionais, que tenham mais filhos. E não é o principal em todo o sistema de medidas orientadas para o desenvolvimento dos processos demográficos. Creio que os autores destas leis partiam da necessidade de solucionar os problemas demográficos e de nenhuma maneira tinham a intenção de reprimir os direitos de ninguém. Podemos estar completamente seguros de que na hora de celebrar os Jogos Olímpicos, e outros eventos desportivos, a Rússia respeitará os princípios fundamentais do Olimpismo, que não permitem que as pessoas sejam discriminadas pela sua nacionalidade, sexo ou, como disse, pela sua orientação sexual.

AP : Há pouco foi referido que o presidente Obama queria reunir-se com representantes de LGBT. Faria o mesmo com vistas às Olimpíadas, ou em geral ?

Vladimir Putin : Se alguns deles se quiserem reunir comigo, não há qualquer problema, no entanto não expressaram tal iniciativa. Temos muitos grupos e organizações e costumo receber todos os que solicitam um encontro para discutir algum problema que consideram importante. Mas, não recebi nenhuma proposta. E, aliás porque não ? Asseguro-lhe que trabalho com pessoas homossexuais e as condecoro com medalhas e distinções pelos seus êxitos nas distintas esferas. Temos boas relações e não vejo nada de estranho nisso. Dizem que Tchaikovski era homossexual, e admiramo-lo porque foi um grande compositor, todos admiramos a sua música. E, depois ? Não vamos arranjar problemas onde não existem, no nosso país não se passa nada de grave.

AP : Devido à realização das Olimpíadas muitos estão preocupados com o tema da segurança. Sabemos que alguns grupos terroristas já expressaram ameaças a respeito. Que medidas adicionais há que prever, tendo em conta os incidentes em Boston, para garantir a segurança nos eventos desportivos ?

Vladimir Putin : Os terroristas estão sempre a lançar ameaças. Se mostrarmos medo, isso significa que eles vencem. Mas isso não quer dizer que devamos ser omissos às suas ameaças. Temos que fazer todo o possível para o evitar, não lhes dar a menor oportunidade de pôr em prática a sua política de ódio e barbárie. Claro que adoptamos todo um conjunto de medidas para garantir a segurança nos Jogos Olímpicos. E estou certo que os nossos órgãos de segurança vão conseguir um bom desempenho. Que mais poderemos fazer ? Neste caso é sumamente importante a colaboração na rede profissional dos serviços de segurança. Temos acordos com os nossos parceiros americanos, tanto com o FBI como com outras organizações, e com os nossos parceiros europeus. Todos eles estão conscientes da sua responsabilidade ante os desportistas, aficionados do desporto (esporte-Br) e ante os espectadores. Espero que o seu trabalho conjunto seja eficaz e garanta a total segurança do decorrer dos Jogos Olímpicos em Sochi.

AP : Uma pergunta mais sobre as Olimpíadas. Ouvi dizer que se gastaram 50 ou 60.000 milhões de dólares para os organizar, para construir as instalações, a infraestrutura, as estradas. Pode dizer-nos se acha justificado este nível de investimento para o seu país ? Porque creio que investiram mais do que qualquer outro Estado na organização dos Jogos Olímpicos, até agora .

Vladimir Putin : É possível que o nosso país tenha investido mais dinheiro para preparar os Jogos em geral, mas não investimos mais que outros para construir as instalações olímpicas de per si. No total gastaram-se 214.000 milhões de rublos. Podemos calcular facilmente a quantidade em dólares, hoje o dólar vale 33 rublos. Dessa quantia, 100.000 milhões é financiamento governamental, e os 114.000 milhões restantes provêm de outros investidores. Investimos até um pouco mais nas infraestruturas. Fizemo-lo de propósito, para que o sul da Rússia – e a Rússia é um país bastante nortenho – seja atractivo e cómodo, não só para celebrar os Jogos Olímpicos, mas também para que o seja por dezenas de anos a seguir. Para que os nossos cidadãos não saiam de férias para a Turquia, a Europa, a Itália, etc., mas para que gastem o seu dinheiro aqui. Para que esta nossa região, com as suas boas condições climáticas, lhes dê a oportunidade de passar aqui as férias, ao longo de todo o ano. Claro que seriamos capazes de o realizar mesmo sem as Olimpíadas. Mas creio que me faço entender, é muito difícil consegui-lo, em condições, com um orçamento limitado. Ora, tratando-se dos Jogos Olímpicos, somos obrigados a realizar muitas coisas diferentes.

E o quê em concreto ? Construimos dezenas de quilómetros de estradas, dezenas de pontes e túneis. Construimos duas estradas novas, uma foi reconstruida e ficou praticamente como nova, e outra foi construida do zero. São estradas que vão desde a beira-mar até às montanhas. Também fizemos ligações por via ferroviária. Fizemos dois gasodutos mais para abastecer a região de energia. Construimos uma central eléctrica e 17 subestações. Criamos um novo centro médico, 43 hotéis com capacidade para dezenas de milhares de hóspedes em modernas edifícios. Espero que tudo isto possa continuar a ser utilizado pelas pessoas durante dezenas de anos. Vale a pena investir assim, porque esse dinheiro serve para que os cidadãos da Federação da Rússia possam aproveitar esses serviços, como já disse, durante muitos anos. Tudo isso se fez para o público em geral, e não apenas por causa da realização dos eventos desportivos. Claro que é muito interessante e prestigioso, mas não é o principal para nós.

Há outro aspecto que, do meu ponto de vista, é uma razão de peso – a difusão do desporto e de um modo de vida saudável. Quando no país acontecem eventos desportivos maciços, a quantidade de pessoas que praticam desporto aumenta em relação aos períodos em que não se celebra nada. Esta é a razão principal porque assumimos tantos gastos. E em que havemos de gastar, se não for no interesse da população ? É ver que temos rendimentos provenientes do sector do gás e do petróleo. Além do mais, entre os anos de 2008 e de 2010, tempo de forte crise, a construção das instalações olímpicas foi uma medida anti-crise muito eficaz, porque criamos milhares de postos de trabalho, vieram especialistas de toda a Rússia para as obras. Construimos cidades inteiras. Isso melhora a qualidade e sobe o nível das nossas empresas de construção, facilita a cooperação internacional já que havia certas questões difíceis de resolver. Espero que as equipas de trabalho que se formaram lá, ou pelo menos uma parte delas, continue laborando nas distintas regiões do país, incluindo no sul, continuando na construção de instalações de infraestrutura.

AP : Pode-nos, agora, predizer o resultado do jogo da selecção russa de hóquei ?

Vladimir Putin : Claro que posso.

AP : Bem, vejamos então.

Vladimir Putin : E vai ver o quê ? Ainda não lhe disse o meu prognóstico.

AP : Pensei que ia predizer a vitória da Rússia. Sabemos que nevará muito.

Vladimir Putin : Espero que neve muito, espero que todos os que vierem às Olimpíadas, os desportistas, os treinadores, os especialistas, os espectadores, os jornalistas, encontrem um ambiente festivo. E conseguiremos esse ambiente de festa, saberemos ser bons anfitriões, saberemos celebrar os Jogos Olímpicos ao mais alto nível.

AP : Acha que os partidos da oposição na Rússia são realmente independentes ou alguns deles vêm-se obrigados, de alguma forma, a trabalhar com o Kremlin para poder ter um lugar no sistema actual ?

Vladimir Putin : Creio que todo o mundo trabalha assim, o mesmo ocorre nos Estados Unidos e em qualquer outro país. Claro que existem situações e grupos políticos que preferem não ter nenhum tipo de contacto. Mas é um caminho que não leva a nada, é um caminho para a confrontação e a desordem. Mas o facto é que, desde que adoptamos a lei de liberalização da actividade dos partidos políticos aumentou o número de partidos que se apresentam a às eleições a diferentes niveis, municipais, regionais. É um facto, o seu número aumentou consideravelmente. Se são independentes ? Claro. Totalmente. De forma independente, os partidos políticos que tratam de estabelecer uma boa relação com o governo, tentam fazê-lo da forma mais construtiva, tratam de contribuir para mudanças positivas no trabalho dos orgãos do poder executivo. Há outros que apenas criticam e não trazem, como eles creêm, possíveis soluções mais eficientes, relacionadas com uma região ou com o país inteiro. Mas o facto de que são independentes é inegável. Você acaba de mencionar alguns dos nossos opositores. São dependentes ? Suspeita que possam sê-lo ?

AP : Julgo que existe uma oposição mais domesticada e outra mais dura. Muitas vezes o grau da sua independência vai variando. Por exemplo, Navalni critica consideravelmente o sistema. O que é que é preciso para triunfar neste sistema ?

Vladimir Putin : Esse senhor conseguiu agarrar um tema muito popular, que é a luta contra a corrupção. Volto a repetir, para lutar contra a corrupção, para começar qualquer um deverá ser absolutamente transparente. Mas logo aí há problemas. Quanto a isto, infelizmente tenho suspeitas que se trata, simplesmente de uma forma de ganhar pontos e não de um verdadeiro desejo de resolver problemas. Mas não interessa, você poderia ouvir o que dizem os presidentes de outros partidos, por exemplo os comunistas, presentes no parlamento, como criticam o poder, com que dureza. O senhor Jirinovski por exemplo, que, por vezes, mostra uma oposição tão feroz em relação ao governo federal, por vezes ao regional, que é como se diz do tipo salve-se quem poder. E, os poderes que não estão representados no parlamento contam-se por dezenas. Chega até a ser difícil dizer o que é que criticam, e como agem em relação ao governo actual, cada um deles. Não é que eu prefira que haja menos crítica, mas sim que tenha uma forma mais formal. É esta a nossa cultura política. Acredito que pouco a pouco também haverá mudanças positivas neste ponto.

AP : Falando de filosofia política, posso dizer que a sua filosofia política é um mistério. Gostaria de lhe perguntar, é um conservador, um marxista, um liberal, um pragmático ? O que é, e qual é a sua filosofia política ?

Vladimir Putin : Penso que poderá dizer-se que sou um pragmático com tendência conservadora. Se calhar até me será, inclusive, difícil explicar isto, mas sempre parto da realidade de hoje, do que sucedeu num passado distante e não tão distante, trato de projectar esses acontecimentos, essa experiência para um futuro próximo, numa perspectiva a médio e longo prazo. Se é um ponto de vista pragmático ou conservador, deixo à sua consideração.

AP : Creio que muitas pessoas se tornam conservadores com a idade.

Vladimir Putin : Talvez tenha razão. Mas mesmo assim penso que é a melhor escolha. O conservadorismo não significa estagnação. O conservadorismo significa apoiar-se nos valores tradicionais mas com um elemento focado(focalizado-Br) no desenvolvimento. Creio que isso é algo de fundamental. E, normalmente, a nível mundial, em quase todos os países, a situação evolui de tal forma tal que os conservadores acumulam os recursos, acumulam fundos, bases para o crescimento económico. Aí chegam os revolucionários e repartem tudo rápidamente, de um modo ou outro. Mas os revolucionários, de grandes teorias, tanto podem ser os representantes dos movimentos da esquerda como pessoas verdadeiramente radicais, repartem tudo rápidamente. E toda a gente gosta disto. Segue-se um período de desencanto, acontece que foi tudo devorado e estropiado, e há que recomeçar. As pessoas sabem disto e chamam de novo os conservadores. De novo impõem os sacrifícios, começam a trabalhar e aí de novo dizem já está, acumulamos o suficiente, chegou a hora de repartir. Este ciclo repete-se continuamente na política.

Tradução
Alva