O governo venezuelano será submetido a um referendo revogatório baseado em fraudes. Essa é a avaliação do primeiro reitor do Conselho Nacional Eleitoral, Oscar Bataglini, único dos cinco fiscais eleitorais que não votou a favor da realização do referendo após serem divulgados os resultados dos chamados reparos.
"Esse resultado é espúrio e ilegal", disse o reitor que criou uma comissão para apurar as fraudes cometidas na base de dados órgão eleitoral. Depois da jornada de coleta de assinaturas realizada pela oposição em dezembro de 2003, o CNE anulou mais de 370 mil assinaturas de falecidos e menores de idade e submeteu à ratificação 1.192,914 milhão de assinaturas consideradas irregulares. Apesar das fraudes denunciadas pelo CNE, 733.755 mil assinaturas foram validadas na jornada de reparos, de 28 a 30 de maio, que levará a referendo o presidente da República, Hugo Chávez.
Em entrevista exclusiva à Alia2, Bataglini denuncia a intervenção da empresa Súmate na base de dados do CNE, a quem atribuiu as irregularidades, e admite que não há garantias de que a consulta popular de 15 de agosto esteja livre de fraudes. "Súmate se tornou um CNE paralelo. Não há garantias".
A atuação dos observadores internacionais da Organização dos Estados Americanos e Centro Carter também poderá ser limitada durante o referendo. Para Bataglini, os observadores exerceram uma ingerência "perturbadora e inconveniente", que a seu ver não corresponde à atuação de observadores, que devem ser imparciais e afirma: "Nós não estamos obrigados a permitir a observação nem da OEA nem do Centro Carter, muito menos do Centro Carter, que é apenas uma organização não- governamental e deve ter o status de qualquer Ong".
O voto "salvo" de Bataglini é público, porém, todos os grandes meios de comunicação do país, que deram inicío a uma nova campanha midiática para que o voto seja manual, calaram diante das denúncias.
-Porque o sr. retirou seu voto da ata que valida as assinaturas para levar ao referendo revocatório?
- A decisão que tomou o diretório do Conselho Nacional Eleitoral foi quatro a um. Não poderia validar com meu voto um resultado que considero espúrio e ilegal. Posso dizer de maneira categórica que poderíamos ter anulado este ato pela incidência de inúmeros delitos eleitorais. Não o fizemos porque tínhamos em conta o contexto político que se leva a cabo neste país. No momento de revisão das assinaturas se verificou uma série de irregularidades que na minha avaliação invalida esse resultado. Não pode ser possível que se tenham reunido assinaturas de um número indeterminado de falecidos. Essas irregularidades seguem aparecendo.Há casos em que as pessoas não assinaram, mas aparecem nas listas. Isso não ocorreu por azar, as coisas não acontecem sozinhas. Esse tipo de fato sucedeu porque alguém se encarregou para que sucedera, porque alguém o permitiu ou porque alguém não o evitou.
-Quem se encarregou de manejar essas informações?
- Não tenho dúvidas em afirmar que foi a empresa estrangeira Súmate financiada pelos Estados Unidos, representante de um dos setores envolvidos neste evento referendário. Isso foi feito nos laboratórios dessa empresa. Isso não ocorreu por omissão ou por erro. Foi uma coisa perfeitamente planejada e realizada para alcançar um fim: colocar mortos a assinar e reparar assinaturas. A Súmate se tornou um CNE paralelo. Eles têm todas as informações, todas as bases de dados do Registro Eleitoral Permanente e tecnologicamente têm uma infra-estrutura montada que permite uma intervenção do ponto de vista eletrônico em todos os assuntos que ocorrem no CNE.
-Por isso a oposição tinha os mesmos números do CNE quando foi anunciado em cadeia nacional que haveria o referendo?
- Esses grupos tinham os dados dos atos dos reparos, mas é muito provável que tenham conseguido com a Súmate todas as informações. Por isso, quando o presidente da Junta Nacional Eleitoral, Jorge Rodríguez, anunciava os resultados preliminares, este setor envolvido no processo já tinha as informações.
-Por que mesmo com irregularidades, a seu ver espúrias, o CNE convocou o referendo?
- Formalmente as assinaturas aparecem nas planilhas na quantidade que constitucionalmente se requer para levar ao referendo revocatório (2.452.179 assinaturas). Diante disso, o Diretório Nacional do CNE decidiu ativar o referendo. No entanto, se completou a quantidade de assinaturas para ativar o artigo 72 da Constituição de maneira fraudulenta. Não temos capacidade de mostrar a totalidade dessas irregularidades agora, mas a quantidade de indícios que existe não deixa nenhuma dúvida de que aqui mais uma vez se cometeram fraudes para ativar este referendo.
-De alguma maneira essas irregularidades alterariam o resultado?
- O que se tem determinado com precisão é a lista dos falecidos entre os listados. Até onde podemos determinar o número de falecidos não alteraria formalmente o resultado. O referendo vai acontecer porque agora não temos condiçoes de identificar a magnitude destas irregularidades para impedir este procedimento. No entanto, já começamos uma investigação e seja quando for, esta comissão vai apresentar um resultado para esclarecer à sociedade venezuelana, com toda precisão, o que realmente aconteceu.
-Há garantias de que no referendo o mesmo tipo de fraude não ocorrerá?
- Garantias absolutas não. Esta é uma instituição que também foi objeto de todo um processo de corrupção que marca a história política do país. Nesta instituição existem máfias organizadas que têm operado sistematicamente. Não podemos esquecer que nós, os atuais reitores, estamos aqui há apenas oito meses e encontramos uma instituição minada por essas máfias e por esses mecanismos que permitem a realização de fraudes. Estamos tentando minimizar até onde se pode a atuação desses grupos. Vamos fazer uma investigação e se for comprovado que houve participação de funcionários do CNE neste conjunto de irregularidades, essas pessoas serão removidas. Nosso interesse é fazer uma depuração, um saneamento desta instituição para que ao final, os resultados da realização do referendo seja o mais fidedigno possível, para que não restem dúvidas quando for anunciado o resultado do referendo.
-Isso significa que a Súmate tem condições para alterar os resultados?
- Eles têm como manipular. Se Súmate tem participado da realização de todas estas irregularidades que estamos tratando, isso significa que esta estrutura está montada eletronicamente, o que lhes permite afetar diretamente nos resultados do referendo. Nós vamos pedir às autoridades competentes, à Fiscalía, órgão responsável por fiscalizar os organismos estatais, para que tomem medidas para impedir que esta empresa estrangeira siga intervindo nos assuntos eleitorais da Venezuela. Vamos pedir segurança, esperamos que as autoridades competentes façam valer nossas exigências para desmontar esse esquema.
-Apesar das pressões da oposição, o CNE decidiu por automatizar a votação?
- Sim. Pela primeira vez na história política da Venezuela a votação será automatizada. Um dos setores envolvidos no processo deseja que retornemos ao voto manual porque sabem como manipular esse votos, fizeram isso durante 40 anos. Pela primeira vez na história política deste país o CNE tem outra natureza. É constituído por pessoas que como cidadãos têm posicionamento político, mas que internalizaram, em sua maioria, o papel que nos corresponde jogar frente a poder público como este.
-Qual avaliação que o sr. faz da atuação dos observadores internacionais representados pela Organização dos Estados Americanos e Centro Carter durante a jornada de reparos?
- É público e notório que o confronto político entre o governo venezuelano e George W. Bush conduziu para que essa observação ocorresse de maneira interessada e parcial. Nesse sentido, se explica a atuação e a opressão exercida por esses observadores que se colocaram abertamente ao lado de uma das partes envolvidas. A OEA e Centro Carter exerceram uma ingerência perturbadora e inconveniente. Nenhum observador em nenhuma parte do mundo está facultado a fazer declarações políticas para questionar decisões dos fiscais eleitorais. Eles fizeram tudo isso, e se reuniram com freqüência, pública e privadamente, com um dos atores envolvidos.
-A "visita" de Jimmy Carter e César Gavíria na sede do CNE à noite, um dia depois do fim do processo de reparos, foi um dos exemplos dessa parcialidade?
- O CNE em horas da noite foi praticamente invadido por Carter e Gavíria que diziam que suas preocupações estavam justificadas, porque na avaliação desses observadores havia um atraso na apuração das planilhas. Nessa oportunidade se apresentaram de maneira intempestiva, sem aviso prévio e fizeram um recorrido pelas instalações do CNE como se fossem atores, deliberantes e beligerantes, dos assuntos políticos que se vive neste pais. Isso é contrário a todas as regras para participação de um observador. E continuam atuando. Tivemos notícias que Carter em Atlanta e Gavíria em Quito (Equador) anunciaram que se as cifras anunciadas pelo CNE não fossem as mesmas que eles detinham, fariam uma denúncia questionando os dados do Poder Eleitoral.
-O CNE pretende impedir a presença desses observadores para o referendo?
- A maioria dos reitores do CNE é contrária a revalidar a creditação à essas duas organizações e temos elementos suficientes para isso. Nós não estamos obrigados a permitir a observação nem da OEA nem do Centro Carter, muito menos do Centro Carter, que é apenas uma organização não-governamental e tem que ter status de qualquer Ong, nada mais que isso. Em relação à OEA, se o Estado quiser convidar que o faça, mas nós não somos obrigados a convidá-los. Vamos convidar observadores internacionais de toda a América Latina para que façam uma observação efetiva no processo eleitoral venezuelano, limitados á condiñçao de observadores.
-Qual a expectativa de participação para o referendo em 15 de agosto?
- Com certeza este será um marco de participação eleitoral. O registro eleitoral deve chegar a 13 milhões de eleitores, mas antes do referendo vamos limpar os registros, retirar os nomes dos falecidos, estimados em 1 milhão. Ao mesmo tempo vamos fazer uma intensa jornada para que todos retirem suas cédulas. O indíce de abstenção que chegou a 30% nas últimas eleições tende a diminuir. Estou certo que esta será a consulta eleitoral de maior participação da história do país, tamanha a polarização que existe. Se vai cumprir o que o cantor venezuelano Ali Primera disse em uma de suas canções: "Não ficarei em casa porque ao combate eu vou". Em 15 de agosto estou certo que todos vão às ruas participar deste evento. Essa sociedade vai se mobilizar massivamente. Esperamos que o resultado, seja ele qual for, seja aceito pelas partes.
Oscar Bataglini, primeiro reitor do Conselho Nacional Eleitoral, é historiador, professor titular da Escola de Sociologia da Universidade Central da Venezuela, autor de A democracia na Venezuela: uma história de potencialidades, Betancourismo:rentismo petroleiro, populismo e golpe de Estado, entre outras obras.
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