No artigos anteriores procuramos mostrar como as esquerdas acabaram fracassando, quer porque ficaram prisioneiras do compromisso social-democrático, excessivamente parlamentarista e demasiadamente eleitoralista, quer porque subordinaram-se à tragédia do "socialismo real" e seu stalinismo, como fizeram grande parte dos partidos comunistas que seguiam a chamada "linha soviética".

Quando a URSS e o seu "bloco socialista" desmoronaram, a partir de 1989, uma parte considerável dessa esquerda tradicional migrou para o caminho social-democrata. O PC italiano, por exemplo, converteu-se majoritariamente em PDS (Partido Democrático de Esquerda), pouco democrático e nada de esquerda, como diriam seus críticos. Muitos partidos comunistas, como o francês, vivenciaram forte crise, sendo que vários desapareceram, como o Partido Comunista britânico. O PCB, majoritariamente, tornou-se PPS, que não sabe se apóia ou faz oposição ao governo Lula.

Mas vale lembrar que há respostas e ensaios que merecem nossa atenção: uma parte do PC italiano, que não foi para o PDS, organizou a Refundação Comunista e busca novos caminhos. Vários partidos de esquerda em Portugal, que recusavam a variante stalinista, fundaram o Bloco de Esquerda, visualizando novos passos contra a ordem, não acreditando nas teses apologéticas do fim da história e do fim do socialismo.

O desafio é de grande monta: como estruturar partidos e movimentos sociais e políticos que sejam, ao mesmo tempo, renovados e radicais, críticos e socialistas, de esquerda e contemporâneos, capazes de enfrentar os dilemas do Século XXI, recusando os descaminhos trilhados no século que já se foi? Que sejam capazes de enfrentar tantos embates, como a destruição da natureza, a degradação do trabalho, o flagelo do desemprego, o fetichismo desmedido das mercadorias e sua superfluidade, a financeirização destrutiva da economia, a lógica belicista imposta pelos EUA, que colocam em risco a própria humanidade?

Como estruturar partidos e movimentos sociais de massa, que encontrem ancoragem nas forças sociais do trabalho, articulando as complexas dimensões de classe, gênero, etnia, corte geracional, imprescindíveis quando se pensa num projeto societal emancipado para o século XXI? Que não aceitem nem a linha resignada dada pela política da ordem, nem as formas assumidas pela anti-política? Que recusem as formas superadas de centralismo e avancem na organização social autônoma, base da política radical?

De certo modo, foi algo parecido com isso que inspirou o PT, no início de 1980. Porém, a maré conservadora dos anos 90, presente no neoliberalismo, na financeirização da economia, na reestruturação produtiva dos capitais, na informalização e precarização do trabalho, na privatização da res publica, no receituário nefasto do FMI, acrescidos pela carência de fundo presente no PT desde sua origem e estampada em seu desprezo pela teoria, tudo isso (e algo mais ) o levou a perder-se pelo caminho, até converte-se no que é hoje, um partido da ordem em pleno descaminho, assemelhado ao velho PMDB, cada vez mais com menos vitalidade, carente de dinâmica social que lhe sobrava nos anos 80, prisioneiro do antigo clientelismo que lhe causava repulsa, hoje aliado do câncer malufista que era seu antípoda, o que dá a (des) medida das coisas dentro do PT.

Um partido que, em pouco mais de duas décadas, migrou das classes trabalhadoras, sua base original, para as classes médias e agora, depois de arrebentar os assalariados públicos e empobrecer terrivelmente as camadas médias, tenta encontrar solo para pousar nos interesses privatistas presentes nos fundos de pensão em aliança com o corrompido sindicalismo de negócios.

Estamos, portanto, desafiados a buscar alternativas de novo tipo, aprendendo com as lições e experimentos do passado e olhando para o presente e o futuro. As forças sociais que não aceitaram as máximas presentes nas teses que vaticinaram o fim da história e fim do socialismo, estão sendo novamente chamadas a reconstituir e recuperar o sentido de liberdade e emancipação presentes no melhor do ideário e da ação socialistas. Socialismo e liberdade, eis novamente o desafio, a bela divisa agora reposta também pelo PSOL, quando o PT dominante não mais a quer.

Será que a esquerda, que no século XX esteve fora do lugar, será capaz de reencontrar, neste limiar do século XXI, o seu verdadeiro lugar?