O Fórum Social Mundial de Porto Alegre começou como uma paródia birrenta
da reunião dos ricos e poderosos em Davos. Uma malcriação, uma
inconseqüência de crianças. Pelo menos foi assim que a nossa grande
imprensa o viu, no início. Lembro do próprio ombudsman da Folha de S.
Paulo estranhando o desdém com que o jornal tratava o Fórum, apesar das
questões e dos nomes importantes trazidos a Porto Alegre já nas suas
primeiras edições. O pouco espaço dado ao evento na imprensa nacional se
concentrava no folclórico e no espetaculoso - enfim, nas criancices.

A repercussão internacional do Fórum e a sua própria expansão de ano para
ano, e a crescente evidência de que a saúde e a sanidade do planeta
dependem de se encontrar alternativas para o conchavo de Davos que
certamente não sairão de Davos, acabaram aos poucos com o desprezo da
grande mídia. Que continua neol iberal de coração, mas, ultimamente,
disposta a examinar opções. Uma extensa cobertura jornalística do atual
Fórum começou antes mesmo do Fórum. Os maiores jornais nacionais estão
dedicando páginas inteiras ao Fórum, diariamente. Inclusive a Folha.
Nunca "inconseqüentes" tiveram tanta atenção.

Mas persiste a idéia de que em Davos se reúne gente grande e aqui
menores chorões. Lá pessoas sérias tratando da realidade do mundo, aqui
idealistas ingênuos e bagunceiros atrás de utopias ultrapassadas ou do
caos. Lá questões concretas, aqui abstrações sortidas levando a nada.
Mas sabe qual vai ser o assunto dominante nos escaninhos de Davos, mesmo
que não conste dos debates oficiais? O déficit americano agravado pela
guerra e o efeito arrasador do seu financiamento sobre as economias e o
equilíbrio cambial de todo o mundo. Ou sobre o futuro imediato de um
capitalismo refém da mais etérea abstração de todas, a do custo
arbitrário de um dinheiro que nunca desce à terra. Enquant o isto, em
Porto Alegre se estará discutindo, entre algumas criancices, o uso do
chão, a boa manutenção do planeta, a preservação da água e a justa
distribuição do pão. E a realidade mais concreta de todas: a vida
humana, como protegê-la e como dignificá-la. Porto Alegre, dez a zero.