Não poderia ser outro o tema da Campanha da Fraternidade deste ano. Uma vez mais, a Conferência Nacional dos bispos do Brasil mobiliza toda a Igreja do país a fim de concentrar-se em torno de um tema “Solidariedade e paz” e de um lema: Felizes os que promovem a paz.

Em um momento histórico onde a paz se tornou artigo raro, dificilmente encontrável e em que a humanidade parece permanentemente incendiada pelo estopim da violência e da guerra, é bom que as igrejas e as religiões assumam a frente da cena e procurem chegar ao imaginário coletivo com palavras de ordem e eloqüentes cargas simbólicas que mostrem a necessidade e a urgência de uma paz sustentável e duradoura.

A Campanha deste ano, além disso, é ecumênica. A Igreja Católica não entra e não convoca sozinha para o esforço coletivo de mobilização pela paz. Mas entra com as outras igrejas cristãs, em comunhão ecumênica, o que dá mais força ainda ao tema e ao lema escolhido para este ano.

A origem do lema é bem evidente. Trata-se do Sermão da Montanha, Carta Magna do Reino de Deus apresentada por Jesus de Nazaré nos primeiros tempos de seu ministério público. Os evangelistas Mateus e Lucas, respectivamente nos capítulos 5 e 6 de seus evangelhos, nos apresentam a proposta de Jesus quando, do alto da montanha, fala às multidões, apresentando-lhes a nova Lei. E dentro do discurso que dirige aos seus ouvintes, o Rabi de Nazaré apresenta sete frases que começam com a palavra “makarios” - que, em grego, que quer dizer “felizes”. Mais que felizes: “bem-aventurados”, plenamente felizes, de uma felicidade feita do gozo da presença de Deus, felicidade que nunca acabará.

Aqueles que são assim proclamados “felizes” estão do lado contrário daquilo que o mundo entende por felicidade. Segundo Jesus, felizes são os pobres, os mansos, os humildes. São felizes os que têm fome e sede de justiça, os que choram, e mesmo os que são perseguidos por sua fidelidade a Jesus e ao projeto de seu Reino.

Entre estes proclamados felizes, estão aqueles que constroem a paz. Aqueles que têm como objetivo de sua vida “reconciliar os que estão em discórdia”, “pacificar os conflitos”, “restabelecer a paz ali onde esta foi ferida e onde estão tentando matá-la.”

No século que deixamos para trás, podemos encontrar vários paradigmas de homens e mulheres que lutaram e mesmo deram suas vidas pela paz. Entre os cristãos a figura de Martin Luther King se impõe por sua grandeza e seu vigor. Mas não se pode tampouco deixar de lado o grande Mahatma Gandhi, que era profundamente religioso e apreciava o Evangelho e a figura de Jesus, embora fizesse pertinentes críticas a nós, cristãos. Entre as mulheres não podemos deixar de citar Simone Weil, filósofa francesa e mística ardente que elaborou um projeto chamado “As enfermeiras de primeira linha”, o qual pretendia reunir um grupo de mulheres dispostas a sacrificar a vida na Segunda Guerra mundial para, na linha do “front”, cuidar dos feridos de ambos os lados, dando-lhes conforto e carinho. E também a instigante Dorothy Day, militante católica norte-americana, que foi para a prisão muitíssimas vezes juntamente com seus companheiros por sua ação continuada contra todo tipo de violência e em favor da paz.

Olhando a vida e o destino destes e destas, vemos que a violência que combateram terminou voltando-se sobre eles e elas. Martin Luther King foi assassinado, assim como Gandhi. Simone Weil teve
seu projeto rejeitado pela direção da resistência francesa e morreu de tristeza e fraqueza na Inglaterra, sem poder entrar na França ocupada. Dorothy Day não teve de forma alguma uma vida fácil e conheceu a violência das prisões, dos interrogatórios e da força policial.

Onde a felicidade, então? Onde a bem-aventurança? Por que Jesus insiste em dizer que é de felicidade plena esse caminho que parece tão duro, semeado de tantos fracassos e sacrifícios, tão nas antípodas da felicidade que o mundo deseja e persegue?

A Campanha da Fraternidade nos dirá que a bem-aventurança está justamente na luta diuturna para promover a paz. Aquele ou aquela que a assume em sua vida conhece um outro tipo de alegria, de plenitude proveniente da solidariedade criada, das vidas preservadas, dos avanços que a humanidade, por sua mediação, consegue dar em direção a uma vida mais plena. Aos que promovem a paz, por isso, a Igreja os chama de felizes, porque encontraram o caminho da verdadeira felicidade, que ninguém nem nada lhes poderá nunca arrancar.