O lugar parece recoberto por um manto de poeira. Belle Fontaine, no oeste do Haiti, não não tem nada a ver com a tradução de seu nome, “bela fonte” em francês. É uma das áreas mais secas do país. Nela, vivem aproximadamente cem mil pessoas, “consideradas miseráveis até mesmo pelos haitianos, que são eles mesmos pobres”, analisa Marius Saint-Pierre, camponês da região. Os rios, outrora grandes, desapareceram, resultado da devastação florestal, que teve início nos anos 60.

Para chegar a Belle Fontaine, é preciso caminhar seis horas. Carros não sobem as ladeiras. A população, isolada, olha com curiosidade todo estranho. Saúda. Oferece água. Conversa. As plantações, principal fonte de renda, e comida, são de cactus. Única vegetação que dá no solo seco da região.

Para impedir a erosão da terra, os camponeses constroem pequenos muros de pedra. Vistas de longe, as colinas, serpenteadas pelas barreiras, parecem levar a uma volta no tempo. Lembram a pré-história. Ao lado das construções, algumas cabeças de gado. Para lhes dar água, as mulheres chegam a caminhar cinco quilômetros, até o rio mais próximo.

Tradição de luta

Os camponeses de Belle Fontaine tinham todos os motivos para desanimar e desesperar. Porém, decidiram lutar. Incorporaram, acredita Saint-Pierre, a luta dos trabalhadores do passado. A região foi palco das primeiras resistências de escravos, fugidos dos latifúndios coloniais, conhecidas como marronages. Hoje, muitos vilarejos da área carregam os nomes dos líderes dessas revoltas, como Dérance e Télange.

Em 1986, os habitantes da região criaram uma organização que coordena as atividades e responsabilidades de todos na comunidade. “Coletivamente, cuidamos da produção, da restauração da estrada, da educação das crianças. Cuidamos, nós mesmos, de nossos problemas”, diz Mauria Béatrice, coordenadora da organização, chamada Federação das Comunidades Camponesas de Belle Fontaine.

Em assembléias semanais discutem as necessidades imediatas dos vilarejos. Acompanham a alimentação das crianças e dos idosos. Dividem a produção. Planejam atividades culturais. “Toda a organização é resultado de algum princípio fundamental, como unidade, coordenação, conhecimento, força e, principalmente, vontade de vencer”, ensina Mauria.

Ocupação da sede

Dominando o topo de uma colina, está a sede da Federação. É uma construção diferente das demais. Tijolos brancos, cimento, janelas. Três andares, com terraço. Dentro, cinco banheiros. “Não a construímos, nós a ocupamos”, relata Saint-Pierre. A casa foi construída no início dos anos 90 por funcionários estadunidenses da USAID, entidade acusada de financiar ditadores haitianos. “Diziam que tinham vindo desenvolver com a gente um projeto para conservação da água. Esperamos até 1998. Como não faziam nada, nós os expulsamos e tomamos a construcão”, conta Mauria.

Além de sede, o espaço serve também de escola. Nas classes, freqüentadas por crianças e adultos, após os cursos de matemática e crioulo, o professor dá uma aula muito especial, sobre as lutas e conquistas dos habitantes da região: “A Esperança de Belle Fontaine”.