Aguerra do gás na Bolívia, ocupações de terra no Brasil, marchas indígenas no Equador, panelaços na Argentina. Há pelo menos cinco anos, as imagens das principais manifestações sociais contemporâneas da América Latina estão sendo captadas, com rigor estético e compromisso ético, pelo documentarista Carlos Pronzato. Definindo-se como “argentino-baiano”, o artista, de 45 anos, tem casa em Salvador (BA), mas passa grande parte do tempo percorrendo o continente, filmando as lutas sociais e movimentos de emancipação.

Pronzato nasceu em Buenos Aires e durante a década de 80 percorreu a América Latina, numa viagem que compara àquela contada no filme Diários de Motocicleta. “Fiz o mesmo trajeto de Che Guevara, mas sem motocicleta”, brinca. Em Salvador desde 1989, participou de mais de 80 montagens teatrais, a maioria como diretor. Cursou artes cênicas e direção teatral na Universidade Federal da Bahia (UFBA), até concluir a pós-graduação em Teoria do Teatro. Polivalente, desde 1996 publicou dez livros, os últimos deles Bolívia Poema Rebelde e Poesias contra o Império.

Tango e Ginga

A virada na carreira veio em 2000, quando produzia um documentário sobre os 500 anos. Diante da repressão aos manifestantes em Porto Seguro, decidiu documentar as lutas sociais no continente. “Faço vídeo com pouquíssimo dinheiro, inversamente proporcional à circulação que atingem depois”, diz, referindo-se ao fato de seus trabalhos terem tiragem inicial reduzida, mas serem reproduzidos livremente por sindicatos, escolas e organizações de base.

Pronzato se orgulha de não participar de solicitações de patrocínio por meio das leis de incentivo fiscal nem de grandes instituições ou empresas. Ele transita entre sindicatos, universidades, grupos políticos, jornais e pequenas ONGs, de quem recebe apoio, cessão de materiais, passagens e hospedagem. “É nesse exercício diário, entre os passos de tango e a ginga baiana, que consigo me manter em pé”, fala.

Imagens de luta

A obra de Pronzato é composta de muitas e coloridas lutas. Ele destaca O Panelaço, a rebelião argentina, muito utilizado nas universidades, e Bolívia, a Guerra do Gás, que “além de ter uma transcendência maior no continente, revelam dinâmicas similares de insurgência, em que a singularidade dos indivíduos não se perde na massa. São lutas que não estão atreladas a aparelhagens partidárias e podem levar em frente ações coletivas criativas sem direções aparentes”. Ele ressalta também o documentário A Revolta do Buzu, que foi utilizado durante meses em exibições constantes em Florianópolis, auxiliando na deflagração de um movimento contra o aumento do preço do transporte.

Em maio de 2001, Pronzato fez o documentário Maio Baiano, sobre a repressão a estudantes na Universidade Federal da Bahia. Reconhecido por seu trabalho, foi protegido pelos estudantes de Salvador para poder filmar, em câmera digital 8.7, as manifestações contra o aumento das passagens de ônibus, entre agosto e setembro de 2003.

A edição das imagens foi feita pelo Fórum Gaúcho da Juventude da cidade de Três de Maio (RS), onde ele fez uma palestra sobre “A imagem audiovisual para a transformação da juventude”. O resultado foi o documentário A Revolta do Buzu, de 70 minutos, com tiragem inicial de mais de 200 cópias. Um dos trabalhos mais recentes é A Veracel no Abril Vermelho, sobre a ocupação da Veracel, empresa multinacional de celulose no extremo sul da Bahia, em abril de 2004, por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

“Essa é uma possibilidade real que este tipo de imagem tem, de se transformar numa arma social contra as injustiças. Em geral servem apenas para incentivar os debates, o que já é muito, mas se produzem essa combustão que leva o povo a ver mas claro e se insurgir contra a opressão, aí a finalidade de quem empunha uma câmera com esse espírito sua função está plenamente contemplada”, defende

Brasil de Fato