Como é possível sequer pensar em democracia no Oriente Médio, mesmo na
acepção
mais fraca e genérica do conceito, quando um de seus principais países, o
Iraque, é ocupado por tropas imperiais anglo-estadunidenses que, nas horas
vagas, gozam com a tortura de prisioneiros e com o assassinato de feridos
indefesos dentro de mesquitas, para não falar no atentado contra a vida de
jornalistas? Ou quando o muro da vergonha de Ariel Sharon petrifica a
paisagem
da Palestina ocupada como uma colagem de bantustões? Ou, ainda, quando a
monarquia medieval saudita faz de seu país uma base do Pentágono?

A menos, é claro, que se considere democrática a farsa eleitoral iraquiana,
que
confirmou no poder Iyad Allawi, um conhecido colaborador da CIA, e
antidemocráticos os heróicos combatentes da resistência, promovendo-se assim
uma total inversão de valores (analogamente, no Afeganistão, "eleições
livres"
consagraram o "aliado" Hamid Karzai, como se fosse possível haver liberdade
sob
ocupação, em um país dilacerado pela guerra civil).
É impressionante, aliás: a mesma mídia que colocou sob suspeita, em agosto
de
2004, o referendo revogatório na Venezuela, convocado por Hugo
Chávez -processo
democrático, limpo e transparente, como até Jimmy Carter foi obrigado a
reconhecer-, não hesitou ao considerar legítimas, ainda que "limitadas", as
grosseiras pantomimas de Bagdá e Cabul.

Isso diz muito sobre a natureza da
informação disseminada pelos maiores meios de comunicação.

Não faltarão as tentativas de descrever como "avanço da democracia" a
retirada
das tropas sírias do Líbano. Pena que ela tenha ocorrido sob tremenda
pressão
da mesma potência que ocupa ilegalmente o Iraque e o Afeganistão e que
sustenta
incondicionalmente a ocupação da Palestina por Israel, condenada pela ONU e
por
todas as instâncias multilaterais de direito internacional desde, pelo
menos,
novembro de 1967.

As pressões sobre a Síria, de resto, seguem tão exatamente o mesmo modelo
praticado pela CIA contra outros tantos regimes "indesejados" que chega a
ser
monótono.

Primeiro, cria-se um fato internacional de grande impacto (no
caso, o
assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri); em seguida,
responsabiliza-se, sem provas ou evidências, o governo indesejado (o sírio);
nos dias seguintes, organizam-se manifestações de rua contra os supostos
assassinos (como as convocadas em Beirute). Quem nunca viu esse filme antes?

Não pode haver democracia em uma região onde, como regra, o terror praticado
pelo Estado alimenta o terror organizado por ONGs como a Al Qaeda de Osama
bin
Laden -criada, aliás, sob os auspícios do democrata Jimmy Carter e
estimulada,
nos anos 80 e 90, pela família Bush. Não pode haver democracia quando civis
inocentes, incluindo crianças, mulheres e idosos, são diariamente vitimados
nas
ruas de Gaza, Ramallah, Bagdá e Tel Aviv, e o medo é a substância da vida
política.

Se definimos democracia como a capacidade assegurada às comunidades de
decidir
soberana e livremente sobre os seus próprios caminhos, então não há como
falar
seriamente na democratização do Oriente Médio enquanto persistir a ocupação
do
Iraque pelo império anglo-estadunidense ou a da Palestina por Israel e,
claro,
a do Líbano pela Síria. É simples assim.

Inversamente: a democratização efetiva do Oriente Médio só pode acontecer
sobre
os escombros da atual ordem geopolítica regional, isto é, mediante a
retirada
das tropas anglo-estadunidenses, a instauração de um Estado palestino
soberano
e economicamente viável (não dividido em bantustões) e o fim das ditaduras e
regimes árabes feudais, a maioria dos quais apoiada pelo império. Nada
poderia
estar mais distante da realidade atual.
No fim das contas, qualquer perspectiva democrática séria no Oriente Médio
esbarra imediatamente nos interesses que o império mantém sobre a região,
notadamente as reservas de petróleo e a sua localização geoestratégica. Tem
sido assim desde 1916, quando Thomas Edward Lawrence arquitetou a vitória
britânica contra o Império Otomano em agonia.
Os povos do Oriente Médio, incluindo o israelense, podem dizer, como o
mexicano -"Tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos"-, que a
geografia é
a sua maldição: o petróleo que estufa de ouro os cofres das "sete irmãs"

(Esso,
Mobil, Chevron, Texaco, Gulf, British Petroleum e Shell), associadas a
ditadores, tiranos e texanos, configura-se como uma cornucópia de tragédias
que
ceifam suas vidas e engolfam os seus destinos.

editora Casa Amarela.