É a realidade atual da Igreja Católica, desde que o papa João Paulo II faleceu, no dia 02 de abril, até a eleição de um novo bispo de Roma que os cardeais elegerão no conclave a se iniciar na 2a feira, 18. Muitos órgãos de comunicação, mesmo aqueles considerados leigos e pouco ligados à religião, têm dedicado, neste tempo sem papa, grande espaço para falar de milagres e comover as massas. Mas o que tem sido o papado ao longo da história da Igreja?

Um dos maiores teólogos católicos do século XX, tornado cardeal pelo papa João Paulo II, o dominicano Yves Congar, em sua obra "Dois mil anos de Igreja em questão", afirma que, até pelo menos o ano 160, todas as Igrejas tinham uma coordenação colegiada que se diferenciava de acordo com as culturas.

As primeiras comunidades de homens e mulheres que seguiam Jesus Cristo assumiram o nome de "Igreja" (em grego, assembléia) para ser, de fato, comunidades nas quais todos teriam plena cidadania. Em algumas regiões, as Igrejas eram coordenadas por anciãos (presbíteros), outras por vigilantes (bispos) e outras tinham diáconos e diaconisas. É bom lembrar que o termo Igreja tem este parentesco com as fontes da democracia porque queriam ser mais do que democráticas. Tinham como missão ser sinais do reino de Deus, ou seja, a comunhão plena em que Deus é tudo em todos.

Em um mundo onde o poder constituído está em crise e a sociedade internacional busca novas legitimações para a autoridade, as Igrejas cristãs devem lembrar-se da palavra de Jesus aos apóstolos durante a ceia: "Entre vocês não seja assim". E se constituírem como modelos para um novo mundo possível. De fato, nos primeiros séculos, o cristianismo deu este testemunho de ser comunidades proféticas: exemplo de que é possível viver a fraternidade neste mundo de concorrência e idolatria do poder.

Os primeiros sinais de uma Igreja governada por bispos e papas que absorvem naturalmente a autoridade sagrada dos antigos sacerdotes da religião imperial romana só aparecem no século III, quando as Igrejas assumiram a mesma forma de organização do Império Romano, então, dividido em dioceses, ou seja, regiões administrativas governadas por um vigário do imperador. Principalmente a partir do século IV, a Igreja se amolda às estruturas do Império Romano, crendo que, o poder lhe daria mais liberdade e condições de realizar a sua missão. Com o bispo Damaso, na época de São Jerônimo, começa a aparecer esta idéia de um papa em Roma com certa jurisdição de poder nas outras Igrejas.

Em 1078, Gregório VII libertou a Igreja do domínio dos imperadores, tornando a autoridade do papa maior do que a de todos os reis. Só no século XII, ficou determinado que o papa seria eleito pelos cardeais. Na Idade Média, alguns santos como São Bernardo de Claraval e Santa Catarina de Sena criticaram duramente o papa e a cúria romana. Bernardo escrevia publicamente ao papa Eugênio III: "Lembre-se de que o senhor é sucessor do apóstolo Pedro e não do imperador Constantino". Nunca deixaram por isso de ser aceitos na Igreja. Naquele tempo, não existia ainda a sacralização do poder que vê qualquer crítica, não como colaboração e sim como divisão, falta de amor e desobediência".

Nestes dias, em Roma, bispos de todo o mundo, chamados "cardeais" por serem teoricamente responsáveis de Igrejas e paróquias da cidade de Roma, estão reunidos para analisar os problemas que percebem nas Igrejas e vislumbrar o que Deus quer para o futuro da Igreja Católica. Esperamos que alguns, vindos do mundo dos pobres, recordem que a única forma atual da Igreja ser testemunha do projeto de Deus para o mundo é ela voltar a ser parecida com Jesus em seu amor solidário a toda pessoa que sofre.

Como pedia Dom Hélder Câmara, no Concílio, que se torne uma Igreja cada vez mais servidora de todos, e não só dos católicos, e consagrada à causa da paz, da justiça e do cuidado com a criação. O papa Paulo VI, em sua primeira encíclica (Ecclesiam Suam, 1963), escreveu: "O diálogo é um ato divino e neste sentido, é a primeira missão da Igreja: dialogar e ajudar as pessoas a serem todas pessoas de diálogo".

Há 500 anos, como já reconheceu João Paulo II em seu pedido de perdão, o autoritarismo dos bispos e do papa, além dos interesses do Imperador, contribuíram com a ruptura entre as Igrejas na época de Lutero. Só em 1999, a Federação Luterana e a Igreja Católica assinam um acordo que põe fim a uma divisão secular. Por isso, nestes dias, tem sentido especial recordar a palavra do reformador e profeta Lutero: "A Igreja não é, em si mesma, santa nem pura. Ela é santificada pelo Cristo que de graça escolheu nela viver e ser reconhecido. A Igreja deve ser acreditada como santa; mas não pode ser vista como tal. Se você a julgar pelo que vê, haverá de vê-la como pecadora". Nela, você só vai ver irmãos humanamente frágeis. Um o escandaliza por sua desumanidade; outro, pela personalidade difícil, outro, por uma vida moral descontrolada; outro, por outras quaisquer formas de escândalo... Por isso, você não é convidado a orar: "Vejo que a Igreja é santa", mas sim: "Creio na Igreja, una e santa". A Igreja não possui nenhuma justiça (santidade) de si mesma, mas sua justiça vem do Cristo que é sua Cabeça. Só nesta fé, podemos perceber sua santidade" [1]

Adital

[1MARTINHO LUTERO, Sermão sobre o Salmo 45 (no ano de 1532); in Edição de Weimar, vol. 40/ 2, página 521, linhas 24- 39, citado por JOHANNES BROSSEDER, A que unidade das Igrejas queremos chegar?, in Concilium/ 271 - 1997/3 , p. 161.)