Está acontecendo desde o dia 18 mais uma rodada de negociações sobre o Tratado de Livre Comércio, o TLC andino, na cidade de Lima, Peru. A reunião está em polvorosa devido à crise social e política pela qual passa o Equador.

A confusão é tanta, que por conta das posições do governo Gutierrez, dois negociadores do Equador pediram demissão e se retiraram do encontro. Empresários equatorianos tentam segurar pelo menos o negociador das questões agrícolas, para evitar que a delegação do Equador se desintegre.

Nas ruas do Equador, a população em luta desde a semana passada espera justamente por isso, uma vez que um dos objetivos das gigantescas manifestações contra o governo de Lucio Gutierrez é barrar o TLC. Todos os dias, em várias cidades do Equador, as gentes saem às ruas exigindo mudanças no modelo econômico e o fim da corrupção. A crise chegou ao auge no dia 15 de abril, quando o presidente declarou estado de emergência na cidade de Quito.

Com essa medida a capital foi declarada zona de segurança nacional, a Suprema Corte foi dissolvida, os meios de comunicação foram censurados, proibiu-se o livre trânsito e o exército foi para as ruas. Mas, apesar de toda a dureza do braço da lei, segundo informes da CONAIE e reportagens nos jornais locais, ninguém cumpriu as ordens presidenciais. Nas praças e nas ruas o povo saiu a manifestar-se. Os gritos de "Fora Lucio" se ouvem por todo o distrito em manifestações gigantescas. Rádios rebeldes transmitem informações ao povo, grupos de músicos fazem shows para juntar a gente. As comunidades se organizam em assembléias de bairros.

A desobediência civil foi tão exitosa que no dia 17 de abril o presidente revogou a lei que instalava o estado de emergência. Até a embaixadora estadunidense no Equador, Kristie Kenney, lançou documento pedindo a Lucio que não afetasse as garantias cidadãs do povo. Entidades empresariais decidiram sair do silêncio e chamaram manifestações. Na segunda-feira, dia 18, em Guayaquil, a população foi às ruas apoiar a rebelião em Quito. Só os grandes meios de comunicação seguem silenciando sobre as manifestações que acontecem na capital.

Os jornais noticiam que o presidente Gutierrez está costurando um acordo com o Congresso para reformar a lei da função judicial - estopim de mais essa rebelião já que a Suprema Corte recentemente reformada pelo presidente permitiu o retorno ao país de dois ex-presidentes exilados por corrupção. A suspensão do estado de emergência se deu depois de uma verdadeira batalha campal próximo ao palácio do governo que durou mais de três horas, na madrugada do dia 17.

Na manhã seguinte aconteceu o que os jornais estão chamando de «golpe de estádio». Os torcedores que foram aos estádios de futebol cantaram o hino nacional e também protestaram. Várias são as formas de expressão da população para manifestar seu descontentamento com o governo.

Os jornais do Equador são pródigos em análises da crise. Estudiosos profetizam grande recessão por causa da derrocada da dolarização da economia. Afirmam que o país só se salva se privatizar recursos do excedente petroleiro e do seguro social. Os Estados Unidos pressionam o presidente Lucio Gutierrez para que participe com mais tropas na operação Plano Colômbia, garanta imunidade às tropas estadunidenses no território equatoriano e assine o TLC. Querem um governo dócil, coisa que a população não está aceitando. As lideranças preferem amargar um tempo de recessão mas garantir a autonomia do Equador.

Lucio Gutierrez está entre a cruz e a espada. De um lado, o povo a gritar por mudanças e soberania e, do outro, os EUA na pressão, chegando a enviar para o Equador para uma "oportuna visita" o general Myers, chefe do Comando Conjunto das Forças Armadas Estadunidenses. O jogo é de "cachorro grande". O Equador é um país estratégico nos planos dos EUA de dominar toda a região andina e amazônica. Porta de entrada para o pulmão do mundo, da biodiversidade mais importante do planeta, com os marines instalados na Colômbia e também no Equador, tudo estaria sob controle.

O que os analistas discutem agora é: caindo o presidente, algo muda? Esta é a grande questão. A população equatoriana já foi protagonistas de levantes e derrubadas de presidente mas, na hora H, se rende aos apelos de "garantir a constitucionalidade". Assim, abre mão de continuar com o controle e o poder e cede aos políticos e instituições tradicionais. No legislativo já se configuram discussões e possíveis acordos para reforma a Corte Suprema de Justiça, o que poderia colocar freio aos protestos. Assim, há o claro perigo de que tudo volte à normalidade dentros das chamadas "normas legais".

Mais uma vez a gente do Equador protagoniza uma luta de resistência contra o domínio imperial estadunidense, contra o neoliberalismo, contra a Alca. É um exemplo para a América Latina. Chamados de "foragidos e alucinados" pelo presidente equatoriano, eles podem provar que quando um povo se levanta, muda a lei, muda a ordem, muda o mundo. A América Latina se solidariza e espera a vitória das gentes do Equador. Vencendo lá na ponta andina da América, o país estabelece um polo de resistência importante junto com a Venezuela.

As últimas

Na madrugada desta quarta-feira, depois de um dia inteiro de protestos em todo o país, nos quais a população pede a renúncia imediata do presidente, foi contabilizada a primeira morte durante os conflitos com a polícia. Trata-se do jornalista Júlio Augusto García, de 58 anos, que teve uma parada cardíaca, provavelmente ocasionada pela asfixia provocada pela ação do gás lacrimogênio. Durante toda a terça-feira, mais de 100 mil pessoas marcharam rumo ao centro de Quito em manifestações. As ruas próximas ao palácio estão sendo guardadas pela polícia que reprime com água e gás. O Congresso já pensa em achar uma saída legal para a queda do presidente Gutierrez.