A comparação entre o presidente Lula e o premiê britânico Tony Blair faz sentido, porque ambos se elegeram como forças principais no campo da esquerda dos seus países, mantiveram as políticas econômicas dos seus antecessores - de direita - passaram por um processo de transformação ideológica e deslocaram as forças de direita dos seus países, ao se apropriarem de suas políticas econômicas.

Há muitas diferenças, algumas essenciais, como as políticas externas, radicalmente contraditórias entre si, a de Blair de subserviência aos EUA, a de Lula de construção de espaços de autonomia internacional. A composição ideológica também é diversa, com a presença de nichos de esquerda mais claros no governo Lula do que no de Blair. Mas - apesar de que toda comparação costuma ser considerada odiosa e de fato, se absolutizada, traz mais confusão do que esclarecimento - vale a pena pensar os dois processos, pelo menos no caso da reeleição.

Blair desarmou o Partido Conservador, ao assumir a continuidade e não a ruptura das políticas econômicas de Thatcher, deslocando o Partido Trabalhista para o centro e para a direita do tabuleiro político.

Tomou bandeiras essenciais desse partido, que se haviam constituído em consenso político durante os governos de Margareth Thatcher. Teve a oposição da esquerda do seu partido, mas mesmo aí se considera que o que fez em políticas sociais é melhor - em geral - do que o feito pelos conservadores. A política externa, especialmente depois da invasão do Iraque, passou a ser o alvo principal das críticas a seu governo.

Acabou prevalecendo, pelo menos na esquerda, o “ruim com ele, pior sem ele”, já que uma eventual derrota de Blair colocaria no governo os conservadores, que dariam continuidade às políticas de Thatcher. Blair ganhou, mas ferido, já sem o ímpeto que caracterizou suas duas primeiras vitórias.

Lula promoveu o mesmo deslocamento das forças de oposição, que se sentem roubadas em suas políticas econômicas.
Por isso deslocam as críticas para outro plano - muitos impostos, gastos excessivos do governo - já cunhados publicitariamente pelo pré-candidato Geraldo Alckmin como “custo PT”, fazendo a pirotecnia de tentar fazer passar que as taxas de juros estratosféricas são decorrentes dos gastos governamentais.

Seja pelo apoio que seu nome mantém, seja pela debilidade das candidaturas opositoras, Lula aparece como favorito, como Blair sempre apareceu. Seu ponto - de força para os de cima, de debilidade para os de baixo - é exatamente sua política econômica -, o que tem em comum com a oposição. Lula tem se colocado na defensiva em relação aos ataques opositores de gastos do governo, impostos etc., o que o enfraquece. Mas mantendo a política econômica, tem que se subordinar à sua lógica.

Poderia, se quisesse se autonomizar dela, retomar a iniciativa e dizer que o governo gasta mais, indicando onde está fazendo, se estivesse seguro que os recursos estão efetivamente indo para as políticas sociais. Mas teria grandes dificuldades de revelar que se pagam muitos impostos, porque eles são utilizados para pagar os juros da dívida. Se fizesse isto se comprometeria a baixar os juros internos e a renegociar a dívida, o que não parece disposto a fazer - e a entrevista coletiva reforça essa disposição dele.

Como a esquerda dificilmente poderá ocupar outro espaço significativo, Lula poderá contar, no segundo turno ou até mesmo no primeiro, com o voto útil do “ruim com ele, pior sem ele”, com a consciência que se o governo é derrotado, voltarão os tucanos, FHC, o PFL etc. Será, nesse caso, uma vitória como a de Blair, já sem o pique daquela de 2002, quando se derrotava a FHC. Será uma vitória morna que, como no caso de Blair, prenunciará uma dificuldade enorme de continuidade do PT na presidência depois de Lula.