Quanto mais passa o tempo, mais fica claro que não foram duas guerras mundiais, mas a mesma guerra, em dois tempos, com um intervalo de duas décadas. Os dois blocos de força são quase iguais, o clima de guerra praticamente nunca desapareceu da Europa no chamado período de “entre guerras”.

Porém, o que mais une as duas guerras - 1914-18 e 1939-45 - é o seu caráter. Lênin havia feito a previsão que mais claramente se confirmou sobre a primeira metade do século XX. Ele afirmou, em seu O imperialismo, etapa superior do capitalismo, que, ao completar a divisão do mundo entre as grandes potenciais imperialistas, a dinâmica expansiva do capitalismo teria que levá-las a crescer tomando territórios das outras. Não deu outra coisa: toda a primeira metade do século XX foi ocupada por guerras interimperialistas, entre dois blocos de potências que disputavam a redivisão do mundo, especialmente o mundo colonial.

Não foram as contingências do assassinato na Sérvia nem a megalomania de Hitler o que explica a deflagração da guerra em 1914 e sua retomada em 1939. A decadência do colonialismo britânico havia detonado um processo de luta pela nova hegemonia mundial, em que a Alemanha e os EUA disputavam a herança. Depois de ter afirmado seu isolacionismo em relação ao conflito europeu, ao se dar conta de que a vitória alemã praticamente resolveria a questão da nova hegemonia contra os EUA, o governo estadunidense desatou uma feroz campanha para mobilizar a opinião pública interna afim de levar o país à guerra.

Assim, combinado com a revolução soviética, 1917 marca uma inflexão importante no jogo da disputa hegemônica, com a saída da Rússia e a entrada dos EUA - as duas potências que lutariam posteriormente entre si pela hegemonia no pós-guerra.

A derrota alemã resolveu imediatamente a disputa, mas a crise de 1929, com seus efeitos devastadores sobre as economias dos EUA e da Inglaterra, somada à capacidade do nazismo de reconstruir a economia alemã, baseada na convocação nacionalista e à economia de guerra, preparou as condições do novo enfrentamento. O que terminou decidindo a segunda etapa da mesma grande guerra foi a participação soviética no bloco anti-nazista.

A resistência soviética à ofensiva alemã em Stalingrado foi o episódio determinante na derrota nazista, permitindo o avanço das tropas russas na direção de Berlim. Embora os estadunidenses só soubessem disso depois do fim da URSS, 23 milhões de soviéticos morreram na resistência à ofensiva nazista e foram as tropas do Exército Vermelho que chegaram primeiro à capital alemã, destruindo a espinha dorsal do nazismo.

Não foi assim o desembarque na Normandia, ao contrário do que as versões ocidentais costumam dizer, que resolveu a guerra, mas a resistência de Stalingrado e a ofensiva soviética sobre Berlim.

Abria-se assim o novo quadro mundial, com a conferência de Yalta. Mas o EUA já tinha se ocupado de passar um recado a seu novo adversário - a URSS -, ao promover a brutalidade dos bombardeios de Hiroshima, para avisar que já dispunha de armas atômicas. Fechava-se a guerra de 1914-45 e iniciava-se a “guerra fria”.

Agência Carta Maior