A direita afirma que, diante da corrupção, direita e esquerda desapareceriam. A polarização seria entre honestos e corruptos. A luta da esquerda contra a corrupção, ao contrário, não abole direita e esquerda. Quem reduz a luta política à luta contra a corrupção é de direita. Ou a esquerda se livra desse tipo de prática ou contribui à alienação do povo.

A direita se deleita em afirmar que, como o PT está envolvido em corrupção, tudo é possível, nada é melhor, tudo é igual. Podem perpetuar suas práticas, porque estariam na natureza da política.

Mas principalmente se deleita em afirmar que, diante do supremo crime da corrupção, direita e esquerda desapareceriam. A polarização seria entre honestos e corruptos. Bastaria eliminar os corruptos - ou aqueles pegos em flagrante -, fazer reforma política, tomar algumas medidas contra nomeações dos governos e pronto. O saneamento permitiria que tudo seguisse como antes: os ricos cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais abandonados, os poderosos cada vez com mais poder, os humilhados e ofendidos,sem esperança que não a religião. “A vida para os fortes/ para os fracos a morte: e é bom que seja assim” - como diz o personagem de Brecht.

Collor roubava porque era cleptomaníaco, porque os filhos das oligarquias nordestinas criados em Brasília não respeitam os bens alheios. PC Farias fazia o trabalho sujo, porque sempre foi um mafioso. Já a privataria do governo FHC - a maior roubalheira da história brasileira - foi feita toda dentro da lei - para isso se comprou sistematicamente a maioria do Congresso, tudo dentro da lei, contando com a mídia, porque era por uma “boa causa”: a privatização. Parodiando o secretário de Estado dos Estados Unidos: “são corruptos, mas são nossos corruptos”. Afinal, o governo Bush definiu, com Posada Carriles, que há “bons e maus terroristas”, os “nossos e os deles”.

A direita tenta despolitizar a política, tratando a corrupção como uma tentação da natureza humana. O máximo que se poderia fazer seria limitar os riscos, com leis, polícia, controle da imprensa (o terceiro poder que, como diria o Stanislaw, passou rapidamente para segundo). É o que prega o liberalismo, assim como as teorias foucaultianas, para as quais em toda relação humana há poder, dominação, corrupção de caráter.

Para a esquerda, a corrupção significa um crime muito mais grave. Significa apropriação privada de bens públicos. Significa privatização do Estado, desvio de impostos arrecadados da massa da população para mãos privadas. Significa desideologizar a política, estabelecendo-se acordos em base a vantagens materiais. Significa sobretudo desviar recursos que deveriam ser canalizados para afirmar direitos do conjunto da população para vantagens pessoais.
É, portanto, para a esquerda, muito mais do que simplesmente um crime pessoal.

É um crime político. E quando é praticado pela esquerda, se torna ainda mais indesculpável, porque a iguala à direita, porque favorece a desqualificação da esquerda, porque desvia as atenções dos maiores problemas do país para um problema de corrupção. E porque se trata de políticos identificados com a esquerda apropriando-se de recursos públicos para objetivos privados.

Um objetivo central da esquerda é a recuperação da política como atividade emancipatória, de construção da polis, da res publica, da esfera pública, dos bens comuns. O socialismo pode ser definido como a socialização dos bens materiais e espirituais, como a reconstrução da sociedade centrada na esfera pública.

Essa luta inclui o resgate da militância política, da militância revolucionária, dessa atividade dedicada e desinteressada, de luta pelos ideais da humanidade, dos trabalhadores, da construção de uma sociedade sem classes e sem Estado, sem exploração, nem discriminação, nem opressão, nem alienação. Da militância como atividade ética, não remunerada, de entrega aos valores de luta pela emancipação de todos, pelos interesses dos mais pobres, dos mais humildes, dos humilhados e ofendidos.

Do resgate da política e da militância como algo totalmente oposto a essa mercantilização da política, das campanhas eleitorais, dos partidos, da mídia. A luta contra a corrupção é também a luta contra a corrupção dos valores da esquerda, rebaixados a um realismo tão rasteiro que já não têm mais nada de esquerda, de luta pela emancipação. Ao contrário, reproduzem e multiplicam a alienação, a opressão, a exploração.

A luta da esquerda contra a corrupção não abole a direita e a esquerda. Ao contrário, recoloca a luta entre direita e esquerda em outro patamar. Quem quer abolir direita e esquerda é de direita. Quem reduz a luta política à luta contra a corrupção é de direita. E quem reproduz a corrupção e a privatização da política não é de esquerda: é de direita.

Ou a esquerda se livra desse tipo de prática e desse tipo de gente ou contribui à alienação do povo e acaba por atentar contra os ideais de emancipação - os que deram origem à esquerda e justificam sua existência, assim como os da militância e da prática política revolucionária.