A humildade é uma virtude incontestável, que anda meio esquecida, mas se faz sempre mais necessária. O cristianismo fez dela uma das mais importantes virtudes, condição mesma para viver sua proposta. Pois para reconhecer a majestade e a infinitude de Deus e reconhecer-se criatura finita, pobre e limitada, é preciso ser humilde, ou seja, ter noção exata da própria envergadura e dos próprios condicionamentos.

Apesar do Cristianismo raramente ter sido considerado uma religião humilde, quase sempre associado à arrogância religiosa e ao triunfalismo, e com uma confiança absoluta na verdade superior de seus próprios ensinamentos, a virtude da humildade desempenhou papel central na tradição cristã desde suas origens. Santo Antão a ela se refere como "a primeira de todas as virtudes" e, para Santo Agostinho, consiste na "soma total do remédio que nos cura".

Dentro da tradição monástica do Ocidente, o caminho de subida para Deus foi desenvolvido em termos de doze degraus de humildade. E sua importância é tema central na reflexão e nos escritos da maioria dos místicos cristãos, desde Gregório, o Grande até o anônimo autor inglês da "Nuvem do não saber" do século XIV; passando pela grande mística carmelita Teresa de Ávila e por João da Cruz até os diálogos espirituais entre Francisco de Sales e Joana de Chantal.

Mesmo em tempos em que a importância da humildade possa ter parecido ser virtualmente eclipsada pelo triunfalismo e o poder eclesiástico, continuou a encontrar seu lugar central e inequívoco na obra de grandes teólogos como Tomás de Aquino e fundadores e espirituais do porte de Inácio de Loyola, que propõe em seus Exercícios Espirituais levar o retirante ao terceiro grau de humildade, desejando antes a pobreza e a loucura por Cristo do que o prestígio que o mundo dá.

E embora a noção de humildade tenha sido olhada como profundamente oposta à ênfase moderna na autonomia humana e na excelência individual, ainda figura com proeminência nos escritos de autores espirituais mais contemporâneos como Simone Weil, Emmanuel Mounier e Jean-Louis Chrétien. Este último chega a afirmar: "É bonito que a mais profunda das virtudes tenha uma reputação tão negativa".

Realmente, o que vem a humildade, com seu conteúdo de verdade e modéstia, de simplicidade e verdade, fazer num mundo que canoniza o poder, que vive de aparências, supervaloriza o ter em detrimento do ser e constrói a cada minuto ídolos e fetiches que o possam guindar sempre mais alto nas escalas social e profissional, à frente, nunca atrás, ainda que seja usando os outros para conseguir seu intento?

Uma pessoa humilde é malvista em nossa sociedade. Dela diz-se que não tem ambição nem garra, é fraca de personalidade, que não sabe se impor. Mais: é tida como boba, idiota, que não sabe aproveitar as oportunidades e chances que a vida lhe dá e se deixa ultrapassar pelos outros. Não se apega às conquistas conseguidas, não se agarra ao prestígio e ao poder dela emanados, mas deles se afasta, deixando o caminho livre para os adversários e concorrentes.

Essa reflexão nos vem após ouvir a palavra "humildade" pronunciada pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Após as pesadas acusações que lhe foram feitas, José Dirceu retira-se, dizendo fazê-lo de cabeça erguida. Declara que vai reassumir seu mandato de deputado, voltar humildemente à militância dentro do PT, a fim de ajudar seu partido neste momento de profunda crise.

Não se entra aqui no mérito da culpa ou inocência do ex-ministro. Só o tempo, supondo-se que a verdade será apurada e perseguida com toda transparência, poderá dizer se a "cabeça erguida" por ele declarada uma e outra vez é real. Ou se, mais uma vez, o país se horrorizará ao ver seu sentimento nacional dilapidado pela corrupção, a falta de escrúpulos e a sede desmedida de poder.

A história julgará José Dirceu. Pois a humildade da qual ele declarava estar imbuído anda de mãos dadas com a verdade. E não parece ser muito comum nos homens públicos. O tempo fará com que a verdade se transparente dos malcheirosos escombros das denúncias e CPIs. Enquanto aguardamos, temos que reconhecer que a saída do chefe da Casa Civil foi pelo menos oportuna. E digna. Tomara que as declarações de seu discurso se comprovem no decorrer do processo da CPI.

Adital