Londres foi o próximo alvo. Todos sabiam, só se perguntavam quando e exatamente onde... A resposta veio dura e cruel, no coração da antiga capital imperial do mundo, no país onde o G-8 se reunia, na cidade que ainda comemorava, de ressaca, a escolha para ser a sede das Olimpíadas 2012.

Na sua defesa de candidatura Londres aparecia como a cidade de todos os povos, crenças e cores, tolerante, talvez um pouco de mau gosto na sua arquitetura eclética, mas sem sombra de dúvidas muito charmosa.
A proposta do ataque foi clara: relacionava-se diretamente com a reunião do G-8 (não haveria tempo de programar os ataques em função da escolha do Comite Olímpico), advertindo que ninguém está à salvo do longo braço do fundamentalismo islâmico. Enfim, o que querem os terroristas? Quem são eles?

Os terroristas

Para responder a esta questão poderíamos propor uma visão mais histórica do fenômeno, esquematizando um conjunto de características do terrorismo. Nesse sentido, ao longo do século XX, poderíamos falar em quatro grandes vagas terroristas na história:

  1. Período de 1880-1914: terrorismo de caráter anarquista e/ou libertário e populista (Norodinics, na Rússia ), com grande incidência na Rússia czarista, Itália, Sérvia, França, Espanha e Portugal. De cunho “pedagógico” procurava através dos exemplos espetaculares - atentados contra chefes de Estado e figuras notórias dos regimes em vigor - “despertar” a opinião pública. Poucas vezes visou alvos coletivos e lugares de freqüência de um público variado, sendo claramente cioso em manter a simpatia da opinião pública.
  2. Período de 1945- 1974: terrorismo de cunho dominantemente anti-colonial, incorporado aos processos de descolonização e no interior das denominadas “guerras de libertação nacional”. Grande incidência na Argélia, Indonésia, Malásia, Vietnã, Palestina ( terrorismo judaico anti-britânico ) e aparição sob a forma de terrorismo das formas nacionais de resistência do IRA ( oriundo dos anos ’20 ) e do ETA ( criado em 1959 ). Após a derrota árabe frente a Israel em 1967, surgem organizações de resistência palestina que passarão rapidamente para a ação terrorista. Armênios e curdos mantém uma ação regular de atentados contra alvos turcos, visando evitar o “esquecimento” dos genocídios praticados durante a Primeira Guerra Mundial.
  3. Período de 1975-1985: grande ação do terrorismo político, de vertente extremista de esquerda e de direita, destacando-se o Baader-Meinhof, na Alemanha Ocidental; as Brigadas Vermelhas, na Itália, os neofascistas também na Itália e na Alemanha; o Exército Vermelho no Japão; Carlos, o Chacal e o Grupo Abu Nidal assumem notoriedade mundial após atentados contra aviões, transatlânticos e embaixadas. Vários Estados participam ativamente da ação terrorista, oferecendo apoio logístico e financeiro, como a Coréia do Norte, Líbia, Yemen, Sudão, Bulgária entre outros. O terrorismo decorrente da ação anti-colonial e nacionalista mantém-se extremamente ativo na Irlanda do Norte ( IRA ) e na Espanha ( ETA ), com o surgimento de inúmeras organizações palestinas de resistência à ocupação da Palestina ( Al Fatah/Organização Para a Libertação da Palestina, Frente Popular de Libertação da Palestina, etc... ). Desde 1979, com a ocupação do Afeganistão pelos soviéticos surge uma ampla rede montada pela CIA, Arábia Saudita, Jordânia e Paquistão de sustentação do terrorismo mujahidin no Afeganistão.
  4. Período a partir de 1993: após uma relativa calma no setor do terrorismo internacional - exceto Irlanda do Norte, Espanha e Israel/Palestina, onde em alguns casos dá-se uma recrudescimento das ações terroristas, com a introdução do terrorista suicida - surge uma nova categoria de terrorismo, oriundo da reorganização dos diversos movimentos mujjahidin (os chamados “afegãos”) que, desmobilizados da luta contra os russos no Afeganistão (1979-1989), voltam-se para os “cruzados, os pecadores e os sionistas” (a saber: americanos, os regimes árabes moderados e o Estado de Israel). O atentado contra o World Trade Center em 1993, organizado por uma rede terrorista terceirizada pela Al Qaeda, marca o início de uma nova etapa, compreendida aqui como uma Guerra Assimétrica contra os Estados Unidos, quiçá todo o Ocidente.

Alvo: Londres. Por quê?

Quem atacou na última sexta-feira foram os “novos terroristas” , ligados ao islamismo fundamentalista e à sua visão simplista, peremptória e autoritária de mundo. Os atentados traziam a marca clássica do terror islâmico: atentados múltiplos, sucessivos ou concomitantes, de caráter massivo, voltado contra locais, entidades ou meios de transportes coletivos, indiferente ao caráter, natureza, perfil ou nacionalidade das vítimas.

O objetivo é duplo: de um lado, causar o terror, o pânico e a insegurança entre as pessoas. Tratava-se de dizer claramente: Você não está seguro em Londres ou Bagdá!, como antes já afirmara peremptoriamente: Você não está seguro em Nova York, Bali, Madrid ou Faluja! Por outro lado, cabia punir, humilhar e desacreditar o governo britânico, em especial Tony Blair, que ainda na semana anterior - em errático coro com Bush - reafirmara a justeza da guerra no Iraque.

Assim, a Inglaterra - ferida em seu coração civil - deveria ser humilhada, desmoralizada em face aos seus parceiros-convidados do G-8, incapaz de garantir a segurança dos “leais súditos” frente ao terror. De qualquer forma, por algumas longas horas, Bagdá instala-se no coração de Londres. Seu impacto será duradouro, desestruturador e subversivo em face da política e da sociedade britânica.

Ainda em 2004 o cineasta Ken Loach em filme - ainda inédito no Brasil - denominado "Just A Kiss", enfrentava corajosamente a dura divisão existente na sociedade britânica através de um imaginoso romance. As tormentosas relações entre um jovem muçulmano, de origem paquistanesa, e uma jovem cristã rompem - Just with a Kiss! - com as regras, normas e preconceitos que ameaçam dividir a sociedade britânica contemporânea.

É assim que Ken Loach nos aponta, involuntariamente, as demais vítimas dos atentados de Londres: a imensa comunidade estrangeira que vive na Inglaterra. Gente de mais de 100 países, em especial uma forte minoria de paquistaneses, bengalis e indianos (muçulmanos ou não) serão, doravante, olhados com desconfiança, terror e algum ódio. Na última campanha eleitoral - penosamente ganha por Tony Blair, já em 2005 - o Partido Conservador usou a bandeira da anti-imigração, flertando perigosamente com a xenofobia enquanto ferramenta para superar os trabalhistas. Naquele momento o estratagema não funcionou... Depois de 7 de julho, com certeza, a situação de estrangeiros e imigrantes será bem mais dura na Grã-Bretanha.

Assim, outros muçulmanos, homens e mulheres que deixaram sua pátria em busca de um projeto de felicidade, foram duramente feridos pelo terror islâmico.
Humilhando Blair, ferindo o pacifismo!
Lá próximo, na Escócia, reunia-se o poderoso G-8 - o grupo de países mais ricos do mundo e mais alguns emergentes, discutindo, ainda uma vez, os destinos do planeta. Lá mesmo em Londres reuniam-se movimentos e entidades mundiais em contra-debate do G-8: pacifistas, altermundialistas, anti-Bush exigiam fim das guerras, fim do comércio desigual e maior proteção ao meio-ambiente.

Também ali, e ainda em prol dos povos mais pobres, um amplo movimento social e cultural reunia artistas e militantes exigindo o cancelamento da dívida externa dos países pobres, a quebra da patente de remédios e de recursos médicos para o atendimento da Aids e demais doenças endêmicas, em especial na África Negra. Londres era, e ainda é, o centro ativo do movimento altermundista. Com a reunião do G-8, a cidade recebeu ativistas anti-globalização neoliberal, anti-guerra, anti-Bush de todo o mundo, além dos próprios ingleses, que acorreram em grande número para Escócia para protestar contra os novos “senhores do mundo”.

Ocorre que entre turistas, ativistas e militantes Londres recebia uma outra visita: o terror fundamentalista. De certa forma esperados, indesejados e temidos eles chegaram à Londres de metro e ônibus...

Além dos londrinos, dos estrangeiros e dos imigrantes, os militantes pacifistas, anti-globalização e anti-Bush foram as demais vítimas das bombas do terrorismo.Enquanto se organizavam e marchavam - sob uma vigilância policial inédita no país - contra o G-8 e sua política anti-social, tiveram amigos, familiares e conterrâneos expostos à fúria terrorista.

Desta forma, o discurso belicista de Bush/Blair contra o “terror internacional”, os “cavemen” e os “inimigos da liberdade” adquire, aos olhos da opinião pública, sentido. Em lugar de construir uma ampla coalizão anti-guerra, pela paz, as pretensas vítimas do novo-imperialismo anglo-saxão partem para ação violenta e cruel, indistinta, causando vítimas fatais e cicatrizes físicas e psicologicas para toda a vida! De qualquer forma a voz do pacifismo ficou ameaçada. A solidariedade mundial dos não-conformistas, de todos que acreditam que um mundo melhor é possível, foi ferida juntamente com os passageiros do alegre ônibus vermelho de Londres.

A idéia básica que alimenta estrategicamente o terror - os governos ocidentais não podem se sentir seguros em parte alguma do mundo - pode, pelo seu excesso, gerar um resultado contrário ao esperado. No momento em que a opinião pública mundial, incluindo-se aí o público americano, rejeitam a guerra no Iraque e suas pretensas razões, o uso indiscriminado da violência massiva pode reagrupar a opinião pública em torno dos governos Bush/Blair.

A estratégia do terrorismo

A percepção correta da resistência iraquiana de que o centro de gravidade da coalizão em guerra no Iraque reside na opinião pública - e, consequentemente, que sua saturação com a guerra levará à retirada americana - realizar-se-ia através do aumento exponencial da “contagem dos corpos” no Iraque.

Contudo, se essa mesma opinião pública se sentir por demais ameaçada e ultrajada em seus valores, poderá se ver compelida a aceitar o diagnóstico “oficial” sobre a “doença”, “degeneração” e “irracionalidade” do terror. Neste caso, amedrontada e acuada, poderá aceitar que só o uso da força em países distantes acarretará a segurança doméstica. Assim, em lugar de “quebrar” a unidade conservador/nacional/cristã hoje no poder em Washington, o terror poderá fortalecer os argumentos de Bush/Blair e assim justificar a própria guerra.

Fica claro ainda, que a este novo terror internacional de massa, ao contrário de outras formas de terror hoje presentes no cenário mundial (Hizbolah, Hamas, Ansar al-Suna, Ira ou ETA) não interessa negociar, reunir, coligar ou convencer as demais falas da oposição ao atual hegemonismo. Ao contrário, mesmo não havendo “bom” terrorismo (não se pode ter ilusões sobre isso!), o novo terrorismo de massas tranca todas as possibilidades de negociação. Seu objetivo é simplesmente golpear fortemente o “Ocidente”, indiferente se as vítimas serão militares ou civis, partidários ou oponentes de Globalização, amigos ou inimigos de Bush, cristãos ou muçulmanos.

Não há qualquer expectativa em criar um espaço de diálogo ou negociação em busca da paz. Para este novo terror de massas “ocidente” é somente uma zona cinza, decadente e depravada, povoada de milhões de Bush/Blair, espaço aberto para razzias punitivas.

Assim, quem estava no ônibus e no metrô londrinos, além das vítimas imediatas, eram todos que no Ocidente ou no Oriente, ao Norte ou ao Sul, acreditam no diálogo entre os diferentes. Sem dúvida o ataque foi uma derrota para Bush&Blair; mas o preço é cada vez mais elevado.

A Guerra contra o Terrorismo falhou, não mais consegue deter o terror. Trata-se de um conflito envolvendo um universo variado de meios, os mais desiguais possíveis, afigurando-se nitidamente como uma guerra assimétrica ou netwar, que já se desenvolveria como enfrentamento entre os Estados Unidos e o fundamentalismo islâmico desde 1993 e que teve em 11 de setembro de 2001 um dos seus ápices. A diferença é que agora viaja de trem, ônibus ou metrô, em Nova York, Madrid ou Londres.