Malgrado o otimismo “oficial” da Administração Bush, expresso nos discursos e entrevistas à imprensa nos últimos dias, a verdade é que a gestão da guerra no Iraque vai mal para os americanos. Com sua imensa capacidade técnica, financeira e industrial, imaginaram que a construção de uma caríssima e sofisticada panóplia militar, com um orçamento que sozinho supera a soma dos demais 5 outras grandes potências, fosse suficiente para explorar à fundo a vitória obtida sobre os soviéticos ao fim da Guerra Fria em 1991.

Talvez fosse assim se todos os inimigos possíveis da América fossem estruturas estatais convencionais, particularmente o Estado-Nação, dotados de território, população e infra-estrutura econômica. Contudo, depois do “drama de Mogadiscio” ( o fracasso da expedição americana contra os rebeldes somalis em 1993 ) ficou evidente que os Estados Unidos não possuem meios adequados a um tipo novo de guerra, conduzida fundamentalmente por estruturas de poder não-convencionais, tais como os chamados Estados-Rede, englobando aí as vastas organizações horizontalizadas e “moles” do narcotráfico, do terrorismo internacional, do contrabando/pirataria e do crime organizado.

Evidentemente o terrorismo não é um fato novo na história. Contudo é fundamental buscar uma caracterização histórica para o fenômeno atual do terrorismo, procedendo mediante uma efetiva comparação entre as diversas formas de ação terrorista ao longa da história. Assim, a identificação e caracterização do fenômeno terrorismo implica na percepção de pelo menos “Quatro Vagas” do Terrorismo Internacional, a saber:

  1. Período de 1880-1914: terrorismo de caráter anarquista e/ou libertário e populista ( Norodinics, na Rússia ), com grande incidência na Rússia czarista, Itália, Sérvia, França, Espanha e Portugal. De cunho “pedagógico” procurava através dos exemplos espetaculares – atentados contra chefes de Estado e figuras notórias dos regimes em vigor – “despertar” a opinião pública. Poucas vezes visou alvos coletivos e lugares de freqüência de um público variado, sendo claramente cioso em manter a simpatia da opinião pública.
  2. Período de 1945- 1974: terrorismo de cunho dominantemente anti-colonial, incorporado aos processos de descolonização e no interior das denominadas “guerras de libertação nacional”. Grande incidência na Argélia, Indonésia, Malásia, Vietnã, Palestina (terrorismo judaico anti-britânico) e aparição sob a forma de terrorismo das formas nacionais de resistência do IRA (oriundo dos anos’20) e do ETA (criado em 1959). Após a derrota árabe frente a Israel em 1967, surgem organizações de resistência palestina que passarão rapidamente para a ação terrorista. Armênios e curdos mantém uma ação regular de atentados contra alvos turcos, visando evitar o “esquecimento” dos genocídios praticados durante a Primeira Guerra Mundial.
  3. Período de 1975-1985: grande ação do terrorismo político, de vertente extremista de esquerda e de direita, destacando-se o Baader-Meinhof, na Alemanha Ocidental; as Brigadas Vermelhas, na Itália, os neofascistas também na Itália e na Alemanha; o Exército Vermelho no Japão; Carlos, o Chacal e o Grupo Abu Nidal assumem notoriedade mundial após atentados contra aviões, transatlânticos e embaixadas. Vários Estados participam ativamente da ação terrorista, oferecendo apoio logístico e financeiro, como a Coréia do Norte, Líbia, Yemen, Sudão, Bulgária entre outros. O terrorismo decorrente da ação anti-colonial e nacionalista mantém-se extremamente ativo na Irlanda do Norte (IRA) e na Espanha (ETA), com o surgimento de inúmeras organizações palestinas de resistência à ocupação da Palestina (Al Fatah/Organização Para a Libertação da Palestina, Frente Popular de Libertação da Palestina, etc...). Desde 1979, com a ocupação do Afeganistão pelos soviéticos surge uma ampla rede montada pela CIA, Arábia Saudita, Jordânia e Paquistão de sustentação do terrorismo mujahidin no Afeganistão.
  4. Período a partir de 1993: após uma relativa acalmia no setor do terrorismo internacional – exceto Irlanda do Norte, Espanha e Israel/Palestina, onde em alguns casos dá-se uma acerbamento das ações terroristas, com a introdução do terrorista suicida – surge uma nova categoria de terrorismo, oriundo da reorganização dos diversos movimentos mujjahidin (os chamados “afegãos”), que desmobilizados da luta contra os russos no Afeganistão (1979-1989) voltam-se para os “cruzados, os pecadores e os sionistas” (a saber: americanos, os regimes árabes moderados e o Estado de Israel). O atentado contra o World Trade Center em 1993, organizado por uma rede terrorista terceirizada pela Al Qaeda, marca o início de uma nova etapa, compreendida aqui como uma Guerra Assimétrica contra os Estados Unidos, quiçá todo o Ocidente.

O enfrentamento com estas novas estruturas de poder, atores inesperados no Global Play da Globalização, não pode, simplesmente, ser travado com meios militares clássicos, inclusive com a panóplia altamente tecnificada das forças militares americanas. Este tipo de enfrentamento – uma guerra travada através de meios não-militares – insere-se nas táticas da guerra assimétrica, conforme aparece na obra “Guerra Sem Limites” dos coronéis Qiao Liang e Wang Xiangsui. Publicada em Beijing em 1999, as observações da evolução dos conflitos depois de 1991 (e inclusive algumas práticas já existentes no âmbito da Guerra Fria) ganham uma contextualização ampla, surgindo como um embate planetário pela hegemonia mundial, travado com meios militares (só se necessário e em última possibilidade), com militares não-convencionais e com outros meios (uma larga e nebulosa expressão), não militares, de forma permanente. Assim, no novo século, o cenário mais provável é de uma guerra constante pela hegemonia mundial, travada principalmente através de mecanismos e instrumentos econômicos, cibernéticos e mediáticos, escalando episodicamente para o enfrentamento militar convencional e não-convencional.

Carta Maior