Frei Betto

A idéia da imortalidade pesa-me como fardo ridículo de vaidade póstuma. Que importância têm os aplausos depois que os atores deixam o teatro? A notoriedade não me adula. Mineiro, curto a discrição, poder parar anônimo numa esquina, misturar-me à multidão, entregar-me à leitura na fila sem merecer o olhar invasivo de quem se me avizinha. Bastam-me as letras a me desnudarem frente ao leitor, e a fé de que me aguarda um fim infindo. Quero o colo de Deus. E não mais. Porque o verdadeiro amor sempre é terno.

Sinto-me um grão de areia ao meditar no acúmulo de séculos soterrados pelo passado e a se desdobrarem em futuro, antes que a nossa estrela-mãe queime em brilhos todo o seu combustível, calcinando este planeta pintado de azul e verde. Agora sou um entre mais de 6 bilhões. Como é possível caber tanta pretensão em tão diminuta pequenez? Por que o coração se infla de ambições, a mente transtorna-se retorcida pelo egoísmo, as mãos se apegam ciosas a objetos destituídos de vida? Pra que essa sofreguidão insana, a corrida contra o relógio, a irrefreável gula frente ao mundo circundante?

Desacelero. Fecho os olhos para ver melhor. A meditação afasta-me de mim mesmo, devolve-me àquele Outro que não sou eu e, no entanto, funda a minha verdadeira identidade. Assenta toda a poeira que me asfixia na azáfama cotidiana. Renova o meu oxigênio espiritual. Revolve esse canteiro que trago no mais íntimo de mim, sempre à espera da inefável semente divina.

Em setembro de 2105 terá sido inútil toda a minha pressa. Essa voracidade d’alma será apenas um definitivo silêncio no tempo. Estarei emudecido pela deslembrança. Não colherei as flores da primavera, nem ouvirei o som da flauta que embala minhas manhãs orantes. Transmutado no ciclo implacável da natureza, serei o que já fui: multidão de bactérias, húmus de um caule que brota, alimento de um pássaro.

Tenho 15 bilhões de anos. Sei que, como toda matéria, comungo a perene transubstanciação de todas as coisas criadas. Existo, coexisto e subsisto em Universo, não em pluriverso. Dentro de poucos anos serei tragado pelo ritmo da entropia, e minhas células se condensarão em moléculas integradas no baile alquímico da evolução. De novo, serei um com o todo. O oceano não é mais do que a interação de pingos d’água.

Essa certeza recata-me ansiedades. Volto a mim mesmo, ao recôndito do espírito, atento à delicadeza da vida. Tudo é liturgia, basta ter olhos para crer: o pão sobre a mesa, a água derramada no copo, a janela assediada pelo vento, a roda pétrea do amolador de facas, a vela consumindo-se de luz junto ao sacrário, o cheiro doce de manga, o mistério do momento exato em que o sono me seqüestra, a foto de meu pai na estante de livros, o grito alegre de uma criança que talvez colha em vida setembro de 2105.

O melhor da existência são as contas de seu colar, as diminutas miçangas que formam belos desenhos, os cacos do vitral. A conversa inconsútil com os amigos, a língua perfumada pelo vinho, os salmos de Adélia Prado, a sesta de domingo, a inveja dos velhos jogando dama na praça, o gesto de carinho, o cuidado solidário.

Daqui a cem anos, quando setembro vier, o mundo estará, como sempre, entregue a si mesmo, porém sem o concurso de minhas ambições, pretensões e inquietações.

Meditar no futuro aquieta-me. Impregna-me de um profundo sentimento de desimportânc

Adital