O assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes, em Londres, chamou a atenção do mundo para um problema que vem crescendo na Europa. Em nome da luta contra o terrorismo, governos vêm autorizando que suas forças de segurança adotem práticas inspiradas no princípio da guerra preventiva.

Entre elas, a de atirar para matar. Impulsionada pela administração Bush, essa “filosofia” vem ganhando adeptos também entre os países europeus. O medo do terrorismo está provocando uma erosão de direitos democráticos na Europa, alerta a deputada Mônica Frassoni, da bancada dos Verdes no Parlamento Europeu.

Em entrevista à Carta Maior, concedida por correio eletrônico, Frassoni diz que a morte de Jean Charles não foi nem um acidente nem um erro, mas sim o resultado da aplicação das novas técnicas policiais autorizadas pelo governo inglês. Ela também alerta para o crescimento da discriminação racial contra imigrantes, denunciando o desrespeito a princípios da Convenção Européia de Direitos do Homem.

Para ela, a transformação das democracias ocidentais em estados policiais seria o melhor presente que os terroristas poderiam receber. Mas Frassoni acredita que os países da União Européia estão melhor equipados, jurídica e politicamente, para resistir ao discurso da guerra preventiva. “A Europa não autoriza a pena de morte e foi a principal promotora da criação do Tribunal Penal Internacional”, lembra.

Aos 42 anos, Frassoni é deputada no Parlamento Europeu desde 1999. Ela diz que os Verdes estão na linha de frente da luta em defesa das liberdades fundamentais e dos direitos humanos na Europa. Uma luta que, em função dos recentes atentados em Madri e em Londres, adquiriu uma nova dimensão.

O medo de novos ataques faz com que parte da população simpatize com a idéia de restringir direitos em nome de uma suposta maior segurança. O risco maior deste cenário, adverte, é acabar restringindo os próprios princípios que fundamentam a idéia de democracia. E esse seria justamente um dos objetivos dos grupos terroristas. A julgar pelos últimos acontecimentos, estamos assistindo apenas aos primeiros capítulos dessa batalha.

- Qual sua avaliação sobre o comportamento da polícia londrina e das autoridades inglesas no caso do assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes?

- Eu experimento um sentimento de pavor quanto às circunstâncias nas quais um inocente foi morto pela polícia britânica. Não se trata de um acidente nem de um erro. Jean Charles Menezes foi vítima das novas técnicas policiais recentemente autorizadas no quadro da luta contra o terrorismo. Daqui em diante, a polícia está autorizada a atirar na cabeça para matar, ao invés de impedir que alguém cause dano. Contrariamente ao que afirma a polícia, parece que ele não estava fugindo. Mais ainda, estava dominado no momento em que foi abatido. O pedido da família pela demissão de Jan Blair, chefe da Scotland Yard, me parece a menor das questões, mas o principal interessado não o escuta com os mesmos ouvidos. Estamos longe da época onde a polícia britânica servia de exemplo de probidade em um país muito ligado ao princípio do hábeas corpus.

- A política antiterrorismo na Inglaterra e na Europa em geral está incentivando o preconceito contra imigrantes árabes, africanos, asiáticos e latino-americanos?
- Infelizmente, é preciso constatar que é muito mais provável que alguém seja controlado pela polícia se essa pessoa não tem a fisionomia típica do branco ocidental. Precisamos lutar fortemente contra essa forma de racismo institucionalizado, através de programas de formação destinados às forças de segurança. O princípio contra a discriminação racial, inscrito na legislação européia, freqüentemente ainda carece de aplicação concreta.

- O que a sociedade e os partidos políticos podem fazer para evitar que essa luta se torne uma uma guerra contra cidadãos inocentes, praticada pela própria polícia?

- Os Verdes defendem que a luta contra o terrorismo seja conduzida no estrito respeito às regras do estado de direito e das liberdades fundamentais. Todo questionamento da validade destes princípios seria uma vitória dos próprios terroristas. Ora, nós assistimos hoje no mundo, na Europa e, particularmente, na Grã-Bretanha, a uma erosão destes direitos: suspensão, pela Grã-Bretanha de certos artigos da Convenção Européia dos Direitos do Homem, impossibilidade de dar um caráter juridicamente obrigatório à Carta Européia dos Direitos Fundamentais, autorização de práticas policiais duvidosas até aqui proibidas (delito de associação, de instigação), erosão do direito à vida privada, especialmente através da retenção de informações relativas às telecomunicações...O combate pelo pleno respeito desses princípios democráticos deve ser conduzido nas instituições e na sociedade civil.

- Na sua opinião, os países europeus também correm o risco de se tornar estados policiais, a exemplo do que vem ocorrendo nos EUA?

- Há uma erosão de direitos democráticos na Europa. Nós denunciamos essa situação e estamos fazendo tudo o que é possível para impedi-la. É uma situação inquietante. Parece-me, contudo, que a União Européia e seus estados membros estão, tanto no plano jurídico quanto no da consciência política, melhor armados do que os Estados Unidos: a noção de guerra preventiva, sob o pretexto da luta contra o terrorismo, é impensável na Europa.
A mesma constatação pode ser feita sobre prisões como Guantánamo. A Europa não autoriza a pena de morte e foi a principal promotora da criação do Tribunal Penal Internacional. Na vida cotidiana, os recursos jurídicos contra as decisões da Justiça que violaram a Convenção Européia dos Direitos do Homem, oferecem uma barragem bastante eficaz contra o questionamento de sua validade.

- Que políticas os verdes europeus vêm defendendo para enfrentar esse problema?
- Os verdes europeus são a força política mais avançada hoje no combate pelo respeito e pela promoção dos direitos do homem, pelo respeito das liberdades fundamentais e pela proteção da vida privada. Nós não economizamos esforços para lutar contra as discriminações e o racismo e em defesa da integração dos cidadãos de origem estrangeira na Europa. Defender e promover esses princípios democráticos nos parece a defesa mais eficaz contra o ambiente que alimenta o terrorismo. Inversamente, transformar nossas democracias em Estados policiais seria o maior presente que poderíamos oferecer aos terroristas.

Carta Maior