Os presidentes de nações da América do Sul se reuniram nesta sexta-feira (30) para dar "carne e osso" ao processo de integração da Comunidade Sul-Americana das Nações. O objetivo final é a criação de uma área de livre-comércio regional, cujo prazo para entrada em vigor ainda é uma incógnita. "O que estamos fazendo é dar carne e osso ao conceito de integração", disse o presidente peruano, Alejandro Toledo, ao abrir a 1ª Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-americana de Nações, lançada em um encontro realizada no Peru, em dezembro de 2004.

Toledo entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Secretaria Pro Tempore da Comunidade, que reúne os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), os da Comunidade Andina (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela), além de Chile, Guiana e Suriname.

O presidente peruano disse que os presidentes aprovaram a Declaração de Brasília, que fixa vários pontos centrais de trabalho para a "institucionalidade básica" da Comunidade. Diálogo político, integração física, meio-ambiente, integração energética, mecanismos de financiamento de desenvolvimento, telecomunicações, interconectividade aérea e medidas para incentivar a coesão, inclusão e justiça social em cada país da região com os eixos centrais da declaração citada.

Lula disse que "há versões que advertem sobre a multiplicação de processos de integração na região, mas não queremos dobrar esforços em estruturas institucionais: queremos agregar valor a um projeto de integração". Para este fim, um dos temas analisados na cúpula foi a criação da zona de livre-comércio regional, aprofundando os blocos de integração já existentes, como o Mercosul e a Comunidade Andina das Nações.

A este respeito, os chanceleres descartaram na sua reunião prévia, de quinta-feira (29), a proposta anterior do Chile que fixava como data limite 2010 para a entrada em vigor desta zona, optando pela fórmula "em breve". Entre as novas propostas analisadas, está a do presidente chileno, Ricardo Lagos, que sugeriu incluir o tema nuclear em todas as iniciativas de integração energética.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, criticou a globalização neoliberal e qualificou-a de "uma armadilha". Chávez também criticou a decisão da Justiça dos Estados Unidos de negar a extradição do anticastrista Luis Posada Carriles, solicitado pelos tribunais da Venezuela. Carriles participou de um atentado aéreo no país. Para Chávez, Posada Carriles "é o Bin Laden da América Latina".

No dia anterior à cúpula, Brasil e Venezuela assinaram uma série de acordos de cooperação entre as empresas petroleiras Petrobrás e PDVSA, para a criação de uma refinaria em Pernambuco. Em outros encontros, os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, firmaram uma carta de intenção para a cooperação também na área energética, enquanto os mandatários de Chile e Bolívia se reuniram nesta sexta pela manhã com este mesmo objetivo.

Lagos e seu colega Eduardo Rodríguez anunciaram que assinarão um protocolo de intenções para o aprofundamento do acordo comercial entre ambos os países, que prevê taxa zero para as exportações bolivianas ao Chile.
A primeira cúpula presidencial da Comunidade contou com a presença de sete dos doze mandatários, já que os presidentes de Colômbia, Guiana, Suriname e Uruguai não participaram, enquanto que o argentino Néstor Kirchner abandonou a reunião pouco antes de sua abertura.

O jornal Clarín, de Buenos Aires, escreveu que a partida de Kirchner "não parece casualidade", já que seu rival na luta política argentina é o ex-presidente justicialista (peronista) Eduardo Duhalde, presidente da Comissão Permanente de Representantes do Mercosul", também envolvido na cúpula. O mesmo jornal relatou que a breve viagem de Kirchner ao Brasil tinha como "objetivo principal" a reunião "com seu colega venezuelano Hugo Chávez, para a assinatura de um acordo energético".

Hugo Chávez

O presidente venezuelano disse em discurso quinta-feira que Brasil e Venezuela estão adotando ações concretas para se integrarem. A declaração foi feita durante a assinatura do acordo entre a Petrobras e a PDVSA para a construção de uma refinaria em Pernambuco. A refinaria, com participação de 50% de cada empresa, terá capacidade para processar 200 mil barris de petróleo pesado por dia, metade da Petrobras e metade da PDVSA. O projeto, em fase de identificação de oportunidades, prevê investimentos de US$ 2,5 bilhões.

Com um esquema de refino orientado para maximizar a produção de óleo diesel e gás liquefeito de petróleo, a nova refinaria terá como objetivo principal atender ao crescimento da demanda de derivados do Nordeste, que hoje é deficitário em combustíveis. A possível localização da refinaria foi ampla e detalhadamente estudada em cinco estados do Nordeste.

Durante a construção e montagem, a estimativa é de geração de 230 mil empregos ao longo dos quatro anos (diretos, indiretos e por efeito renda, segundo governo brasileiro). A previsão de arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais é de US$ 970 milhões com entrada em operação do empreendimento.

"Esses acordos assinados hoje, do meu ponto de vista, contribuem para a criação de novos modelos e para ir debilitando os mecanismos de exploração dos povos sul-americanos. É necessário difundir o alcance desses acordos que nós estamos firmando", disse Chávez.

Brasil e Venezuela também firmaram acordo para a formação de uma empresa de exploração de campos de hidrocarbonetos naquele país e para a exploração conjunta do Campo Carabobo, localizado também naquele país. De acordo com Hugo Chávez, a vontade da Venezuela de compartilhar seu potencial enérgico com a América Latina estaria amedrontando os países desenvolvidos: "Nós queremos compartilhar esse petróleo, em primeiro lugar, com os povos mais necessitados da Terra, começando com o povo da América do Sul e com os povos do Caribe. O gigante está desesperado por causa da crise energética que o mundo está prestes a enfrentar e que deixa os grandes países desesperados. O primeiro deles é os Estados Unidos".

O presidente venezuelano citou o escritor cubano José Martí ao fazer uma crítica aos países contrários à integração sul-americana: "É tempo de nos colocarmos juntos e firmes como as arvores, para agüentarmos juntos o gigante das sete léguas, que pisa, domina e explora. Soprem os ventos internos aqui ou lá; ou as tormentas. Que soprem, pois a cada dia estaremos mais juntos como as arvores, dando vida nova à América do Sul". Também citou o brasileiro Celso Furtado e as lições do ex-ministro do Planejamento sobre as raízes do subdesenvolvimento.

Chávez lembrou que a Venezuela foi, por mais de 100 anos, "colônia petroleira norte-americana". Isto, segundo ele, explicaria o temor dos Estados Unidos em relação aos acordos entre Brasil e Venezuela. "Isso é contrário ao neoliberalismo. Não convém às grandes transnacionais, que contribuíram para a montagem de mecanismos de dependência e da exploração dos nossos recursos, em beneficio dos países mais ricos da Terra e para prejuízo dos nossos povos; e que levaram nossos recursos", afirmou.

Hugo Chávez criticou ainda a falta de cobertura dada pelas grandes empresas de comunicação às alternativas propostas pelos países em desenvolvimento. "A maioria dos meios de comunicação está nas mãos das elites, que exploram e exploraram nosso povo durante muito tempo, e que se voltam contra governos que propõem mecanismos alternativos de transformação social e de desenvolvimento verdadeiro – não difundem muito êxitos como esses, deixam-nos à margem", disse.