Os caminhos que a luta contra o aquecimento global seguirá nas próximas décadas começam a ser definidos esta semana em Montreal, no Canadá. Sob a sombra do fracasso, o que parece inevitável, do Protocolo de Quioto, começou nesta terça-feira (29) a décima-primeira reunião da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-11), que reúne em solo canadense cerca de dez mil representantes de 189 países até o dia 9 de dezembro.

Todas as principais discussões da conferência estarão voltadas para o único objetivo de traçar as bases de um acordo global que possa ser aplicado satisfatoriamente a partir de 2012, quando acaba o prazo firmado pelos 40 países mais industrializados para reduzir suas emissões de gases provocadores do efeito estufa para níveis 5,2% inferiores aos registrados em 1990.

Na conferência anterior, realizada no ano passado em Buenos Aires, a anunciada adesão da Rússia (segundo maior poluidor do mundo, responsável por 17% das emissões) possibilitou a aguardada entrada em vigor do Protocolo de Quioto e fez com que a COP-10 transcorresse num clima de genuíno otimismo. Nesta COP-11, no entanto, as coisas são bem diferentes. A irredutibilidade dos Estados Unidos (maior poluidor, responsável por 25% das emissões) frente ao Protocolo, aliada à alta ocorrência de fenômenos naturais associados às mudanças climáticas em 2005, provocou uma espécie de ressaca, um clima de “queda na real”. Esse sentimento deve ser traduzido, na opinião da maioria dos governantes, empresários e representantes da sociedade civil presentes a Montreal, num esforço para acertar desde já o que será o “Pós-Quioto”.

O nó górdio da discussão diz respeito ao papel que deverão desempenhar os países mais industrializados e os países em desenvolvimento no futuro acordo. EUA e Austrália (que também jamais aderiu a Quioto) lideram o bloco que defende a necessidade de os países em desenvolvimento “que são líderes regionais” adotarem “ações mais incisivas na luta pela redução das emissões dos gases que causam aquecimento global”. Os países mais visados por esse bloco são Brasil, China e Índia, considerados grandes emissores e beneficiados no atual Protocolo, assim como as outras nações em desenvolvimento, pela prerrogativa de rejeitar as mesmas restrições dos países ricos porque o uso de energia é essencial no combate à pobreza.

Nos casos de China e Índia, a poluição pelo dióxido de carbono emitido pelo crescente setor industrial, pelas inúmeras usinas termoelétricas e pelos automóveis é apontada como a principal responsável pelo aquecimento. No caso do Brasil, as críticas vão para o desenfreado desmatamento das florestas, que aumenta a quantidade de gás carbônico na atmosfera e já coloca o país, segundo estudo divulgado este ano pela ONU, entre os dez maiores emissores globais de gases de efeito estufa.

O jogo será duro e, no que depender do ânimo demonstrado até aqui pelo governo dos EUA, as esperanças depositadas na assinatura de um acordo que efetivamente faça frente ao aquecimento global nos próximos anos é diminuta. Em declarações recentes, o presidente George W. Bush reafirmou que seu país vê no Protocolo de Quioto uma “ameaça ao bom funcionamento da economia industrial mundial” e que sua aplicação significaria uma “sensível redução no nível de emprego dos EUA”.

Situação complexa

Na opinião de Elliot Diringer, que é diretor do Centro Pew para a Alteração do Clima Global, com sede em Washington, a situação “é complexa” e não deve evoluir muito na COP-11: “Qualquer novo acordo tem de ser mais flexível que Quioto, para atrair efetivamente EUA, Austrália e outros. Mas, ao mesmo tempo, tem de apresentar cortes reais nas emissões de gases de efeito estufa, o que não ocorreu até agora. O problema é que o governo Bush é veementemente contra qualquer processo destinado a ampliar Quioto”, disse
Além de forçar a mão para garantir um compromisso maior dos principais países emergentes, o governo dos EUA deverá também apostar no fortalecimento de novos mercados, como a venda de créditos de carbono e a adoção de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), entre outros. Chefe da delegação estadunidense na COP-11, a subsecretária para Assuntos Globais e responsável por questões climáticas do governo Bush, Paula Dobriansky, chegou ao Canadá acompanhada, segundo suas próprias palavras, por “diversos empresários interessados nas tecnologias energéticas de longo prazo” e por “investidores nos mercados de carbono que querem saber o que vai acontecer dentro de sete anos”.

Brasil e desmatamento

A postura do governo do Brasil na COP-11 é aguardada com ansiedade pelas organizações dos movimentos sociais, uma vez que o país andou desafinando nas últimas reuniões internacionais que trataram de assuntos ligados ao meio ambiente. É esperado que a delegação brasileira se esforce em mostrar que as medidas para combater o desmatamento estão começando a surtir efeito. Esse discurso já vem sendo adotado nos últimos dias pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que fala em redução real de 40% no ritmo do desmatamento da Amazônia em 2005.

As organizações da sociedade civil brasileira também marcam presença em Montreal, com destaque para os representantes do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS), Rubens Born e Mark Lutes, que devem exercer pressão sobre a delegação do governo brasileiro e prometem manter contato direto com as ONGs no Brasil. Outra presença aguardada na COP-11 é a do secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança de Clima (FBMC), Luís Pinguelli Rosa (ex-presidente da Eletrobrás).

Em suas exposições, os representantes do FBOMS devem falar da mobilização dos movimentos socais e/ou ambientalistas brasileiros para pressionar o governo a conter o desmatamento e abandonar fontes sujas de energia, como a nuclear ou a termoelétrica, entre outras. Numa reunião de trabalho realizada no começo do mês em Londres, Lutes afirmou que “há um crescente número de vozes no Brasil, incluindo atores da sociedade civil organizada e outros interessados, que pedem a adoção pelo governo brasileiro de metas para a redução do desmatamento, além de que tome a iniciativa de construir uma proposta com metas a serem implementadas após-2012, quando terá início a segunda etapa do Protocolo de Quioto”.

Carta Maior