A maioria da humanidade lamenta, mas acha natural que dois terços dos seres humanos vivam em condições de pobreza estrutural, não tenham uma casa digna para morar e que, no mundo dito "globalizado", emprego seja, cada vez mais, artigo de luxo.

A própria ONU, que publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e se propôs a ser guardiã e defensora destes direitos, convive naturalmente com a pobreza injusta dos povos explorados, as regras iníquas do comércio mundial e uma organização internacional que privilegia sempre os mais fortes.

A Declaração dos Direitos Individuais foi uma conquista fundamental da humanidade. Quase sessenta anos depois, continuamos lutando para que esses direitos entrem na consciência dos povos e de cada membro da humanidade. Em um país como o Brasil, juízes mantêm na prisão uma anciã de 79 anos que foi presa há mais de dez anos, roubando um xampu e agora está morrendo de câncer (Folha de S. Paulo, domingo, 27/11/2005). Todo dia, a sociedade convive naturalmente com notícias de violências policiais e com torturas nas delegacias.

No corpo de leis internacionais, já existem sancionados os direitos específicos de comunidades indígenas, de povos originais, de migrantes e de ciganos. Países como o Brasil, (não os Estados Unidos), assinaram a declaração de direitos das crianças e o Estatuto dos Idosos. Do mesmo modo, temos de defender direitos dos portadores de necessidades especiais, das minorias étnicas e assim por diante... Mesmo se ainda são pouco cumpridos, o simples fato da lei internacional tornar obrigatório o respeito aos direitos fundamentais de qualquer pessoa, pobre ou rica, branca ou negra, torna ilegais todas as ditaduras, revela a iniqüidade de qualquer tipo de tortura e mostra que é impossível uma verdadeira civilização sem respeito às liberdades individuais e à dignidade humana. A consciência desses direitos fundamentais expressa a fé na sacralidade de toda pessoa e da humanidade inteira, representada em cada criança maltratada e pobre injustiçado.

No entanto, a defesa dos direitos civis e políticos se torna superficial e improdutiva sem a garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais, tanto das pessoas individuais, como das comunidades (direitos coletivos). No Brasil, grupos comprometidos com paz e a justiça conseguiram consolidar a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais (Dhesc Brasil), reconhecida pela ONU e que representa importante conquista no plano jurídico e social.

Geralmente, falamos de direitos civis e políticos quando se tratam de questões que o Estado não pode fazer com nenhum/a cidadão/ã. Não pode coibir direitos, como o de expressão, participação em grupos e organizações sociais e o direito de circular livremente no país e no mundo. Conforme a mesma legislação, o Estado não pode prender alguém sem ordem judicial.

Isso faz parte dos direitos civis de qualquer pessoa. Os direitos sociais e econômicos vão além disso. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - Pidesc - olha não apenas o que é proibido, mas ressalta as ações positivas que o Estado deve promover para garantir direitos sociais, como o acesso de todos à educação, a um eficaz atendimento no plano da saúde e à possibilidade de trabalho remunerado. Defende o direito das comunidades ao exercício livre e pleno de sua cultura própria, direito ao tempo de lazer e assim por diante.

Esta dimensão nova dos Direitos Humanos cuida de aperfeiçoar políticas públicas de inclusão social, baseadas no direito que todos têm a uma vida digna e integrada na sociedade. A pobreza é, em si mesmo, conseqüência de uma sociedade que desrespeita, ao menos vários senão todos os preceitos destes Direitos Universais. Esta injustiça estrutural não é inevitável. Basta vontade política dos governos e organismos internacionais para mudarmos a face da terra.

Todos os estudos confirmam: a terceira parte do que o governo norte-americano gastou na invasão do Iraque seria suficiente para acabar com toda a fome da África. A verba que a ONU pediu em julho de 2005 para socorrer as vítimas do vírus HIV e impedir a morte de milhões de pessoas não chega a um décimo do que se gasta no lançamento de um veículo espacial no Cabo Canaveral.

Pouco adianta repetir isso se não se encontram meios para mudar essa realidade. O mundo inteiro, mesmo os ditadores mais sanguinários, dizem defender os direitos humanos. O importante é estabelecer métodos e etapas no caminho de sua realização. Hoje, todo mundo que atua nesta área sabe que Direitos Humanos não existem como definidos e prontos. São elementos de conquista gradual e permanente das sociedades e das pessoas.

O ser humano pertence ao universo como elemento intrínseco e parte consciente da natureza. Por isso, os Direitos Humanos não podem existir desligados dos direitos da Terra, da Água, do Ar e de todos os seres vivos. No ano 2000, em Paris, a UNESCO publicou a Carta da Terra, redigida a partir de contribuições de mais de cem mil pessoas de 46 países.

De forma similar à Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, a Carta da Terra pode ser utilizada como um código universal de conduta para guiar os povos e as nações na direção de um futuro sustentável. Este documento sintetiza bem a razão de toda a defesa dos direitos humanos e da natureza ao concluir dizendo: "Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, por um compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, pela rápida luta pela justiça, pela paz e pela alegre celebração da vida".

Adital