Antes mesmo de começar a sexta edição do Fórum Social Mundial (FSM) deste ano, que, pela primeira vez, se dividiu em três etapas ou capítulos – Bamako, no Mali, Caracas, na Venezuela, e Karachi, no Paquistão, ainda por vir entre 24 e 29 de março -, o recorrente debate sobre o papel do FSM e seu futuro foi reavivado por vários posicionamentos e iniciativas de atores históricos e proeminentes do movimento altermundiasta (a serem analisados mais minuciosamente em breve).

No cerne das preocupações, o desafio seria, na elaboração do jornalista e co-mentor do processo FSM Ignacio Ramonet: limitando-se a debates sem uma tradução para um calendário de ações políticas, o FSM correria o risco de se despolitizar, folclorizar e se transformar em uma mera feira internacional da sociedade civil? Um debate de “bom governo” nos moldes do Fórum Mundial Econômico de Davos, impulsionado por melhores intenções?

Este debate, que esquentou as turbinas do FSM 2006 principalmente entre os setores mais ligados à organização orgânica do Fórum e a intelectualidade que vem colaborando com a sua construção desde seu nascimento, porém, parece ter passado ao largo, de certa forma, das preocupações dos movimentos sociais. Renovando e aprofundando sua articulações regionais, mundiais, setoriais e ideológicas, revigoraram em Caracas agendas políticas já consolidadas e apresentaram novas, segundo as demandas reais dos atores reais das lutas cotidianas, sistematizadas e compartilhadas na já tradicional Assembléia dos Movimentos Sociais, que fechou a programação de atividades do Fórum na manhã deste domingo (29).

A Assembléia, que reuniu movimentos indígenas, camponeses, estudantis, ambientalistas, de mulheres, de diversidade sexual, de moradia, de saúde, de comunicação, de luta contra o livre comércio e sua instituições financeiras internacionais, contra a guerra, contra as bases militares dos EUA, contra a ocupação da Palestina e do Iraque e contra a presença de tropas estrangeiras no Haiti, entre outros, resumiu, por assim dizer, o que foi a essência de Fórum de Caracas em sua avaliação das etapas cumpridas, na conceituação política dos desafios globais e na formulação das agendas setoriais compartilhadas.

Precioso para a compreensão do próprio movimento altermundista, o balanço da expressividade dos movimentos sociais no contexto global apresentou alguns logros importantes, principalmente frente ao cenário pouco animador da permanência ou do aprofundamento das desigualdades sociais, da militarização, do avanço do projeto imperialista norte-americano e da redobrada agressividade dos promotores da agenda neoliberal no mundo.

A primeira e mais importante avaliação é que as crescentes mobilizações sociais geraram uma crise de legitimidade do modelo neoliberal e do empenho imperialista americano. A segunda constatação é que houve uma expansão da abrangência destas mobilizações, que tiveram, direta ou indiretamente, um papel fundamental na ascensão de forças progressistas na América Latina.

Como a Assembléia fez questão de frisar, “durante os últimos anos assistimos a uma explosão das mobilizações contra o livre comércio, a militarização, os processos de privatização (...), mobilizações que, em alguns países, se traduziram na ascenso ao governo de alternativas políticas gestadas no calor das lutas populares”. Neste sentido, o maior exemplo seria a eleição de Evo Morales na Bolívia, a vitória de um líder indígena originário das lutas camponesas e sindicais que cresceu nas principais campanhas populares dos últimos anos.

A declaração final da Assembléia que, além de pontuar o posicionamento político dos movimentos sociais, também apresenta a agenda de lutas globais para 2006, confirma algumas tendências apontadas como emblemáticas desta edição do FSM. Confirma a luta antiimperialista como linha condutora ou embasamento político das ações, e marca posição sobre a relação movimentos/governos progressistas, uma das temáticas mais abordadas em Caracas. Segundo o documento, perante estes governos, “[nós], os movimentos sociais, devemos manter nossa autonomia política e programática, impulsionar a mobilização social para avançar na implementação dos nossos objetivos e pressionar contra qualquer adaptação destes governos ao modelo neoliberal”.

Agendão

Um dos principais indícios da evolução dos debates globais dos movimentos sociais no decorrer do último ano é talvez a inclusão na grande agenda de lutas e mobilizações de alguns novos temas, principalmente em decorrência das campanhas contra a agenda de liberalização de mercados debatida no âmbito das negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). À já consolidada campanha “agricultura fora da OMC”, liderada pela Via Campesina, se agregaram este ano as campanhas água, recursos energéticos e saúde fora da OMC.

Esta última, ligada ao recém formado Fórum Mundial da Saúde, propõe colocar o tema no centro do próximo FSM, que acontece em janeiro do ano que vem em Nairobi, na Nigéria. O alvo da campanha, que pretende organizar ja este ano na Colômbia um encontro internacional entre 3 e 7 de abril, serão as políticas de saúde na África e as práticas de exploração das endemias que atingem a população do continente pela indústria farmacêutica, com a realização de um Tribunal Internacional dos Povos pelo Direito á Saúde.

Outra iniciativa agregada ao embrião da luta pela emancipação da Guiana Francesa, há três anos bandeira do Fórum Social Panamazônico, é a Campanha pela autodeterminação das últimas colônias no continente americano, tema polêmico uma vez que a manutenção das colônias é defendida pela maior parte dos participantes franceses do FSM, em nome de um pretenso colonialismo social.

Por fim, o movimento anti-guerra, nascido no primeiro Fórum Social Europeu em 2003 e que levou milhões às ruas no dia 15 de março daquele ano, na maior manifestação global da história contra a invasão americana do Iraque, quer repetir o feito este ano.

“Cada vez mais a ocupação do Iraque está se revelando um desastre para a administração Bush, à medida que ela se mostra incapaz de controlar a resistência no país. Hoje, mais do que antes da invasão, a população dos EUA e da Inglaterra está se posicionando contra a ocupação, em uma crescente crise para Blair e Bush. Por isso temos que aproveitar esse momento e fazer uma demonstração global massiva contra a guerra no dia 18 de março. A derrota de Bush nessa área seria terrível para os planos imperialista dos EUA, e se tiverem que se retirar derrotados do Iraque dificilmente teriam condições de invadir outros países como o Irã, a Síria ou a própria Venezuela”, explica Chri Neham, líder da coalizão anti-gerra da Inglaterra

Fonte
Carta Maior (Brasil)
Agência de notícias