"Empuñé un arma porque busco la palabra justa".
(Francisco Urondo)

A ditadura militar argentina, que completa 30 anos nesta sexta-feira (24), assassinou cerca de 30 mil homens e mulheres. Uma geração inteira. Entre os mortos, sindicalistas, líderes estudantis, representantes de movimentos sociais, intelectuais e artistas. Entre os artistas, poetas. Entre os poetas, Francisco “Paco” Urondo, desaparecido na tarde de 17 de junho de 1976. Ele tinha 46 anos e era uma das principais lideranças políticas dos Montoneros - milícia radical de inspiração peronista com atuação na década de 70.

Urondo, que destacou-se também como romancista e jornalista, morreu em combate, dois meses depois de os militares chegarem ao poder. É um dos mártires desconhecidos da nossa história de lutas - marcada por (muitas) derrotas e (algumas) vitórias. Desconhecido, inclusive em seu próprio país. Mas a história há de lembrá-lo, se não por seu fervor revolucionário, pela grandeza de sua poesia.

"Como Rodolfo Walsh (outro escritor assassinado pela ditadura argentina), como Haroldo Conti, Paco escreveu até o final, em meio a tarefas, urgências e perigos da vida clandestina. Para esses pilares da literatura nacional nunca houve contradições entre a militância por uma pátria justa, livre e soberana, e a condição de escritor", escreve o poeta argentino Juan Gelman, um dos sobreviventes do terror daquele período.

Esse texto está no prefácio da única antologia de poesias de Urondo em catálogo na Argentina (Poemas de Batalla, da Seix Barral, de 1998). Nele, Gelman afirma que o agir político de Urondo era, como queria Che Guevara, um ato de amor e entrega. E sua poesia, um fuzilamento dos valores pré e contra revolucionários. "Ele havia escutado o chamado de Rimbaud - ’Mude a vida!’. Estava convencido de que só de uma vida nova pode nascer a nova poesia".

Nascido na província de Santa Fé, em 10 de janeiro 1930, Urondo escreveu principalmente poemas. O primeiro livro data de 1956 e se chama Historia Antigua. Mas foi em prosa que ele produziu a obra definitiva para quem quer entender a geração que a ditadura militar argentina dizimou. A novela Los Pasos Previos foi publicada em 1974 e é o outro livro dele que pode ser encontrado, com algum esforço, nas livrarias de Buenos Aires. Nenhuma de suas obras foi traduzida para o português.

Para além da literatura, a vida de Urondo é repleta de grandes momentos. Porque ele foi um desses homens para os quais o adjetivo múltiplo não soa estúpido. De suas experiências, duas merecem destaque. Em 1958, foi designado Diretor Geral de Cultura da província de Santa Fé. Segundo seu biógrafo, o jornalista e escritor Pablo Montanaro, autor de Francisco Urondo: La palabra en acción - biografía de un poeta y militante (Homo Sapiens, Rosario, 2003) a gestão, até hoje, é recordada com saudade por quem a vivenciou.

Já nos anos de luta armada, mais exatamente em 1974, fundou, com Walsh, Gelman e Miguel Bonasso, o jornal El Diario Noticias, no qual Urondo foi o secretário de Redação. No auge, Noticias chegou a circular mais de 100 mil exemplares. Era um veículo popular, voltado para a classe trabalhadora, com abordagem jornalística dos fatos, mas conectado com o peronismo radicalizado. Durou pouco mais de um ano e meio. O suficiente para entrar para a história da imprensa e da luta social do país.

Nesse momento em que o tempo leva consigo velhos revolucionários e assiste ao nascimento de novos líderes forjados no avanço da luta social - tempo de efemérides históricas que nos permitem celebrar os valores e princípios dos nossos mortos - é obrigatório recuperar a vida e a obra de Francisco Urondo. Um homem que empunhou uma arma por buscar a palavra justa. Um homem que escreveu e fez de sua vida um poema, como define em La pura Verdad:

"A crueldade não me assusta e sempre vivi deslumbrado
pelo puro álcool, o livro bem escrito, a carne perfeita.

Confio em minha força e em minha saúde
e em meu destino e na boa sorte:

Sei que chegarei a ver a revolução, o salto temido
e acariciado, golpeando a porta de nossa desídia.

Estou seguro de que chegarei a viver no coração de uma palavra;
compartilhar este calor; esta fatalidade que quieta não serve e se corrompe".