Em dezembro de 2005 os meios de comunicação revelaram que a NSA, uma agência (estadunidense) cuja missão oficial é espiar fora dos Estados Unidos, havia submetido a cidadãos estadunidenses a escutas eletrônicas. Um ano mais tarde revelaram que a mesma NSA tinha fichado milhões de comunicações e que a CIA vigiava todas as transações financeiras internacionais. Na Europa diferentes parlamentos nacionais já tinham estabelecido e legitimado, em meio à indiferença geral, uma legislação que impõe a retenção dos dados pessoais. Enquanto que nos Estados Unidos os meios de comunicação se fizeram eco deste assunto e as organizações de defesa das liberdades individuais fizeram campanha contra estas disposições sem provocar, porém, uma mobilização popular, na França e na Alemanha praticamente não suscitaram reações uns projetos de lei que permitem à policia espionar à distância o computador daquelas pessoas que considera suspeitas de terrorismo. Na entrevista concedida a Sílvia Cattori o sociólogo belga Jean-Claude Paye demonstra como as leis “antiterroristas” esvaziam de sua substância todas as proteções legais nacionais e européias, e esclarece o alcance de umas disposições que legalizam a introdução de programas informáticos espiões nos computadores privados.
Silvia Cattori : Já está sendo aplicada a legislação da União Européia sobre a vigilância dos cidadãos?
Jean-Claude Paye [1]: A maioria dos Estados membros da União Européia dispõem já de legislações que impõem às companhias telefônicas e aos subministradores de acesso à internet para que conservem os dados de conexão de seus clientes durante um tempo mais ou menos cumprido, ou indefinidamente, como na Bélgica. Em várias ocasiões a própria União Européia elaborou projetos falidos de decisão marco no mesmo sentido e cujo objetivo era impor um período mínimo de dois anos de retenção dos dados.
Esta violação da proteção dos dados pessoais vai acompanhada de projetos como a violação do conteúdo de um computador, com o desconhecimento do seu usuário. Na França o projeto de lei de orientação e de programação para a segurança interior (LOPSI, suas siglas em francês), apresentado ao conselho de ministros em janeiro de 2008, vai autorizar a espionagem eletrônica durante uma investigação policial.
Trata-se de permitir à polícia introduzir-se secretamente nos computadores de quem são suspeitos de terrorismo ou de pertencer ao crime organizado. Alemanha está preparando um projeto de lei análogo. As forças da ordem poderiam estar autorizadas a espionar a superfície e o conteúdo dos discos duros de qualquer suspeito. Tratar-se-ia de um “Cavalo de Tróia” (sistema informático espião) com um registrador de teclado (keylogger) adjunto de forma secreta a um correio eletrônico procedente de uma agência oficial.
Em concreto, isto significa que os serviços da polícia podem utilizar um programa informático espião para ler tudo o que está dentro de um computador privado, sem que o saiba a pessoa concernida.
Nos Estados Unidos a policia tem desde 2001 esta possibilidade de introduzir-se secretamente num computador. Este procedimento, chamado “lanterna mágica” é um dos dispositivos liberticidas introduzidos pela famosa USA Patriot Act [2]. Estas medidas, que num princípio se votaram para ter uma vigência de quatro anos, converteram-se em permanentes [3].
Silvia Cattori : Antes não era possível submeter à escuta e vigiar os correios eletrônicos?
Jean-Claude Paye : Os serviços de inteligência sempre puderam seguir o rasto da gente e entrar num computador quando queria. Mas, esta espionagem é ilegal. O que é uma novidade é que tudo quanto se recolhe agora pode servir para iniciar um procedimento legal.
Silvia Cattori : Poderia uma pessoa que expressa nos seus correios eletrônicos sua simpatia por um grupo inscrito nas listas “terroristas” ser perseguida de colusão com o terrorismo?
Jean-Claude Paye : Sim, porque se produziu uma evolução das leis antiterroristas. Manifestar simpatia por grupos catalogados como “terroristas” é já ma infração. Na Grã Bretanha, por exemplo, “Hamas ou Hizbolá são movimentos legítimos de resistência”, poderia construir um delito de apoio indireto no marco da lei inglesa Terrorist Bill of 2006. Na Grã Bretanha é aonde as leis antiterroristas são mais abertamente liberticidas. Em 2006 a Grã Bretanha introduziu os delitos de “enaltecimento” e de “apoio indireto” ao terrorismo [4].
Estas incriminações não perseguem os fatos, senão as palavras de resistência ao poder ou, simplesmente, o ato de revelar uns fatos que contradizem a política do governo. Por exemplo, acossou-se a uns militantes pela incitação indireta ao terrorismo pelo fato de haver enunciado publicamente os nomes dos soldados ingleses mortos no Iraque. O poder considera que a pessoa que enuncia estes fatos dá publicidade a uns atos catalogados de terroristas (as ações da resistência) e que esta publicidade cria assim um “clima favorável” ao terrorismo.
Ações ou palavras de apoio à resistência palestina também poderiam servir de base a estas investigações. Tampouco é necessário que se trate de conflitos contemporâneos: poderiam se reter palavras ou escritos que enaltecem atentados do passado se uma pessoa que comete um ato, como pôr uma bomba no metrô, declara ter sido incitada a cometê-lo pelas palavras ou escritos incriminados. Existe um efeito retroativo e não está objetivamente limitado no tempo [5].
Em outros países nos que, como na Bélgica, não existe o delito de apoio indireto ao terrorismo se tenta introduzir estas noções através da jurisprudência [6].
Por tanto, não é inútil observar o que ocorre na Inglaterra. É o país mais avançado no desmantelamento do Estado de direito. É de se esperar que o que se estabeleceu neste país se imponha cedo ou tarde ao resto do continente.
Também nos aguarda a legislação inglesa que criminaliza o ato de aportar um simples apoio verbal ou escrito a uma parte implicada em um conflito internacional em oposição à política exterior do governo britânico e o ato de relatar uns fatos que estão em contradição com a política governamental.
Na Bélgica e em outros países europeus fracassaram pelo momento na tentativa de criminalizar as pessoas através da jurisprudência [7]. A evolução da situação dependerá da capacidade de reação dos cidadãos europeus com relação aos projetos governamentais.
É neste marco, o da possibilidade cada vez maior de criminalizar não só os atos, senão também toda palavra escrita incômoda para a política do governo a propósito de um conflito violento em qualquer lugar do mundo, onde convém considerar todas as perspectivas de perseguição policial que oferece a espionagem legal dos cidadãos por parte da polícia.
Estes procedimentos permitirão utilizar num momento dado o que se recolheu como elemento de prova no marco do que se define como apoio indireto ou enaltecimento de atos e de organizações “terroristas”.
Há que situar, neste marco, o procedimento de captura do conteúdo dos computadores por meio de sistemas informáticos espias, que na Europa se chamam “Cavalo de Tróia” e nos Estados Unidos, “Lanterna mágica”.
Silvia Cattori : Qual é a diferença entre o projeto de decisão-marco da União Européia, antes mencionado, e as leis adotadas, por exemplo, em dezembro de 2001 na República Federal Alemã e na Itália, e que obrigam aos bancos, escritórios de correio, operadores de telecomunicações e companhias aéreas a proporcionar os dados pessoais dos seus clientes? Vão se tornar caducas as leis dos países membros?
Jean-Claude Paye : Estas leis se seguem aplicando. A futura decisão-marco da União Européia concernente à retenção dos dados pessoais não aporta nada de novo em relação àquilo que já existe na maioria dos Estados membros. Trata-se unicamente de forçar aos últimos recalcitrantes e, sobretudo, de impor um prazo mínimo de conservação dos dados.
Numa palavra, trata-se, mais do que nada, de uma ação de racionalização e de unificação dos procedimentos em nível do conjunto da União Européia.
O controle das comunicações eletrônicas não é mais do que um dos elementos do controle global instaurado desde 2001.
Silvia Cattori : O senhor está pensando no controle das transações financeiras internacionais e dos passageiros das companhias aéreas?
Jean-Claude Paye : Sim, fundamentalmente. Não se trata só de uma peça do sistema de espionagem dos cidadãos estabelecido depois de 11 de setembro, mas, também antes desta data no que concerne ao programa de escutas da NSA. De fato, no fim de 2005 a imprensa estadunidense revelou que este sistema se tinha estabelecido pelo menos sete meses antes de 11 de setembro.
Em primeiro lugar há que lembrar que a USA Patriot Act outorga ao poder executivo dos Estados Unidos a possibilidade de controlar o conjunto dos bancos e sociedades financeiras estrangeiras que tenha filiais no país. Os artigos 313 e 319 (b) desta lei obrigam a estas instituições financeiras a responder positivamente num prazo de 120 horas às petições de uma agência federal não só sobre as contas inscritas na sua agência situada em território estadunidense, senão também sobre os movimentos entre a conta estadunidense que é o seu objetivo e outras contas do banco situadas no estrangeiro e, desse modo, sobre estas próprias contas. Para conservar o direito a ter agências no território estadunidense ou a ter relações comerciais com sociedades financeiras estadunidenses, estes bancos têm que estar certificados pelo Departamento do Tesouro (estadunidense), quer dizer, obter a Patriot Act Certification. Para isso devem cumprir certas condições, como a identificação precisa dos seus clientes e da procedência dos fundos da globalização financeira a USA Patriot Act outorga ao poder executivo estadunidense a possibilidade de vigiar e de investigar os movimentos bancários se uma parte destes, embora seja residual, passa pelos EUA.
Esta transferência de dados tem lugar fora do marco legal de trocas de informações financeiras entre governos e de costas às pessoas concernidas e das autoridades de proteção da vida privada, nacionais e européias. Como é no caso Swift (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), trata-se de um sistema de relações indiretas entre umas empresas privadas estrangeiras e sua tutela estadunidense. Assim, a lei estadunidense, neste caso a USA Patriot Act, tem um caráter diretamente imperial. Por meio da decisão destas empresas de submeter-se a ela se aplica diretamente ao estrangeiro e, por conseguinte, no território europeu.
Depois, em junho de 2006, o New York Times revelou que uma sociedade baseada na Bélgica, Swift, transmitia secretamente o conjunto dos dados das transações financeiras internacionais aos serviços de alfândegas estadunidenses e isso no marco do programa de espionagem da CIA [8].
Swift, uma sociedade estadunidense de direito belga, gesta os intercâmbios internacionais de umas 8 mil instituições financeiras em 208 países. Assegura a transferência de dados relativos aos pagamentos ou aos títulos, incluídas as transações internacionais em divisas. Neste caso a transferência de dados pessoais é generalizada e já não é estreitamente seletiva, como no estabelecimento das disposições financeiras da USA Patriot Act das que acabamos de falar. Além do que esta transferência é mais ampla já que se refere às transações que nem sequer tocam território estadunidense.
Desde 2002 a sociedade Swift tinha informado às suas autoridades financeiras de tutela belgas e européias, o que significa que as autoridades européias e os dirigentes dos bancos centrais estavam por dentro desta espionagem, mas, que consideraram que se fazia no marco da luta antiterrorista e que elas não tinham que prevenir aos seus governos. Estes bancos centrais são considerados como órgãos, dirigidos por Washington, da luta antiterrorista.
Portanto, não só a sociedade Swift estava na mais completa ilegalidade, como também os bancos centrais europeus.
Nunca se acusou à sociedade Swift nem nunca foi objeto de admoestação alguma por parte dos governos e dos bancos centrais respectivos [9].
Silvia Cattori : Podia esta sociedade opor-se às ordens dos Estados Unidos já que estas podiam permitir a detenção de terroristas?
Jean-Claude Paye : Era difícil que a sociedade Swift pudesse escapar às demandas dos Estados Unidos já que seu segundo servidor estava em território estadunidense.
Era difícil que Swift se negasse, mas, tinha a possibilidade de não transferir seus dados ao território dos Estados Unidos e de poder escapar assim aos requerimentos da administração estadunidense. Portanto, pode se lhe reprovar a transferência de dados pessoais ao território estadunidense. Para transferir uns dados pessoais desde um país da União Européia até outro que não tem um nível de proteção adequado havia que obter autorizações, respeitar as regras de proteção de dados. A sociedade Swift não respeitou estas regras. A transferência destes dados às autoridades dos Estados Unidos era ilegal.
Praticamente não temos nenhuma prova de que tenha havido detenções no marco da espionagem das transferências financeiras. Sabe-se que não se necessita dinheiro demais para preparar atentados. O controle financeiro global não serve para nada.
Silvia Cattori : Resulta chocante o silêncio dos bancos centrais e das autoridades belgas com relação a este assunto. Sancionou-se posteriormente os culpados?
Jean-Claude Paye : As autoridades européias tinham que proibir à sociedade Swift, com base em território europeu, esta transferência [de dados] aos Estados Unidos. Não havia nenhuma razão técnica que lhes obrigasse a transferir, de maneira completamente ilegal, esses dados aos Estados Unidos. Nunca se condenou a ninguém.
Silvia Cattori : Pediu-se que parasse esta transferência?
Jean-Claude Paye : Isto nunca se considerou. Nenhum governo ordenou nunca à sociedade Swift que detivesse a transmissão desses dados aos Estados Unidos. Permitiu-se à sociedade Swift seguir transmitindo os dados à CIA, incluso depois de que o escândalo fosse revelado à opinião pública.
A União Européia estabeleceu depois as modalidades para “legalizar” estas transferências ilegais até os Estados Unidos. Em junho de 2007 assinou-se um acordo entre os Estados Unidos e a União Européia.
Silvia Cattori : No caso dos Estados Unidos, por acaso não se trata de uma espionagem financeira encoberta sob a luta antiterrorista? O comportamento da União Européia neste assunto não sugere que isto lhe convém a todos?
Jean-Claude Paye : Estas transferências de dados permitem aos Estados Unidos beneficiar-se de uma distorção das regras do mercado já que as autoridades administrativas e as empresas multinacionais, que estão estreitamente vinculadas com os poderes executivos dos Estados Unidos têm a possibilidade de ter acesso ao organograma permanente do conjunto das transações financeiras internacionais. O acesso à rede Swift completa o que já permite o sistema de espionagem Echelon [10].
Silvia Cattori : Não se trata, por tanto, de medidas para levar a cabo “a guerra contra o terror”, como afirma Bush, porém, de outra coisa.
Jean-Claude Paye : O objetivo principal dos Estados Unidos é pôr à União Européia numa situação de dependência e obrigar aos seus Estados membros a somar-se a todas suas exigências, sobretudo se estas violam as leis européias. Assim é como se expressa a primacia dos Estados sobre as leis européias e como, a partir desta primacia, opera-se uma transformação do nosso direito.
Esta primacia do direito dos Estados Unidos sobre o direito europeu verifica-se também nas medidas de controle dos passageiros das companhias aéreas. Desde que, em 2033, a administração Bush obteve o acesso aos terminais das sociedades instaladas em território europeu, os Estados Unidos estão de pose de um conjunto de informações sobre qualquer pessoa que embarque num avião: nome e sobrenomes, religião, hábitos alimentares, número de cartão de crédito, itinerário, etc. Por exemplo, as pessoas que indicam que não consomem carne de porco são susceptíveis de serem consideradas suspeitas de “terrorismo” e de ser submetidas à vigilância por parte dos Estados Unidos.
A transmissão destas informações contradiz completamente as legislações européias de proteção de dados pessoais. Cria-se então uma situação de fato, na qual os Estados Unidos impõem aos países europeus a transferência imediata dos dados dos viajantes. Isto leva mais tarde à União Européia a assinar um conjunto de acordos para legalizar uma situação que violava sua legislação.
O procedimento da carta de compromisso unilateral por parte dos Estados Unidos, que foi utilizado tanto no “acordo” sobre os passageiros das companhias aéreas como no dos dados financeiros, marca a emergência de uma novidade no jurídico: os países europeus já não discutem como potência estatal! Os Estados Unidos são quem outorga o nega determinados direitos aos cidadãos europeus.
Silvia Cattori : Reconsideraram mais tarde a sua decisão aqueles Estados membros que assinaram acordos contra natura com os Estados Unidos?
Jean-Claude Paye : No que concerne ao controle dos passageiros das companhias aéreas, a Comissão da União Européia já fez menção em várias ocasiões de um projeto análogo. A maioria dos dirigentes da União Européia têm, no fundamental, uma postura análogo à dos Estados Unidos. Com relação ao controle dos passageiros das companhias aéreas afirmavam: “É absolutamente necessário responder afirmativamente às demandas dos Estados Unidos que exigem às companhias aéreas instaladas em território europeu que transmitam as informações sobre seus clientes; se não o fizerem, os aviões europeus não poderão aterrissar nos Estados Unidos”. Como se a União Européia não pudesse tomar medidas coercitivas análogas e proibir aos aviões estadunidenses aterrissar em território europeu!
Os dirigentes que têm pressa por liquidar as liberdades individuais utilizam as exigências estadunidenses para fazer o mesmo em nível da Europa. Isto lhes permite debilitar àqueles que querem salvaguardar as liberdades.
Silvia Cattori : Reagirão os cargos eleitos quando se derem conta de que tudo isso leva a uma sociedade totalitária?
Jean-Claude Paye : Estas medidas não foram discutidas. Nunca se discutiram em nível europeu os acordos sobre os passageiros das companhias aéreas nos acordos sobre as transações financeiras ou os acordos de extradição assinados com os Estados Unidos. Não houve debate algum nem na imprensa nem nos parlamentos nacionais.
Quando o Parlamento Europeu ocupou-se destas questões foi para criticar os projetos dos acordos. Suas competências neste nível se limitam em emitir opiniões consultivas não vinculantes.
Se se quer compreender qual tipo de relações de subordinação mantém a União Européia com os Estados Unidos, onde há que ver as coisas é no nível dos acordos de cooperação policial e judiciária, no nível da evolução do direito penal.
Encontramo-nos numa situação na que a Constituição não regula absolutamente nada. Violam-se sistematicamente todos os princípios constitucionais dos países europeus. Todas as leis aprovadas desde faz uma dezena de anos são contrárias ao espírito das Constituições nacionais.
Os partidos da esquerda e o movimento alternativo têm centrado todas suas forças em torno ao debate sobre o projeto de Constituição Européia, que é um elemento que tem relativamente pouca importância em relação aos temas dos que acabamos de falar.
A partir de agora, o que regula as relações entre os Estados e as relações entre um Estado e seus cidadãos é essencialmente o direito penal. Este substitui ao direito internacional e adquire agora uma dimensão constituinte no lugar da própria Constituição.
Silvia Cattori : Então, não o conhecemos tudo?
Jean-Claude Paye : Com certeza que não, não o sabemos tudo. Porém, alguns fatos começam a sair à luz. Graças às revelações da imprensa estadunidense no final de 2005 agora sabemos que o programa ilegal da NSA sobre a espionagem das comunicações eletrônicas e telefônicas estava já em funcionamento sete anos antes de 11 de setembro de 2001.
Isto demonstra que o sistema de espionagem ao que os Estados Unidos submetem aos seus próprios cidadãos não é uma medida cujo objetivo é lutar contra o terrorismo, porém, lutar contra as próprias populações. E que as medidas que limitam as liberdades não são conseqüência dos atentados de 11 de setembro, senão que formam parte de um sistema que já se havia estabelecido antes dos atentados. Simplesmente, acelerou-se este sistema repressivo e se legitimaram as medidas tomadas anteriormente.
Silvia Cattori : Por tanto, estes ataques contra as liberdades que acaba de descrever o senhor (espionagem da opinião, espionagem financeira, controle dos passageiros das companhias aéreas), só seria parte emergente de uma nova ordem que se está estabelecendo?
Jean-Claude Paye : Sim, com certeza. A melhor prova é o acordo de extradição assinado em 2003 entre a União Européia e os Estados Unidos. De fato se trataria de discussões secretas que estiveram se levando ao cabo de muitos anos. Agora bem, se temos podido entrever uma pequena parte destes acordos é porque este texto tinha que ser ratificado pelo Congresso dos Estados Unidos, do contrário, não teríamos sabido nada porque pela parte européia não era necessário ratifica-lo já que os funcionários permanentes do COROPER [11] têm plenos poderes, não estão controlados por nenhuma instância européia ou nacional.
Desde então não temos a menor idéia do que acontece; porém, sabemos que continuam em secreto umas “negociações” e que os Estados Unidos formularam novas exigências. Portanto, só temos visto emergir uma parte muito pequena da ponta deste iceberg que constitui o conjunto de discussões e acordos.
Silvia Cattori : Já não se livra ninguém de ser fichado?
Jean-Claude Paye : Neste marco de vigilância todos nossos dados pessoais já não nos pertencem, pertencem às autoridades administrativas e às empresas privadas. Põem-se automaticamente à disposição dos Estados. É o fim do hábeas corpus, do direito da pessoa a dispor de se própria e é também o fim da propriedade da gente sobre si mesma. A vida privada já não existe.
Versão em português: Raul Fitipaldi de América Latina Palavra Viva.
http://www.alquimidia.org/desacato/index.php?mod=pagina&id=1273
[1] Jean-Claude Paye, sociólogo, é o autor de La Fin de l’État de droit, La Dispute, Paris 2004, e de Global War on Liberty, Telos Press, Nova Iorque 2007. (A tradução do primeiro ao espanhol será publicada pela editora Hiru nas próximas semanas, n. da t.)
[2] USA Patriot é acrônimo de Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism, literalmente, “lei sobre a unificação e necessárias para interceptar e obstaculizar o terrorismo”. Mais do que de uma lei trata-se de um volumoso código antiterrorista cuja redação empreendeu em secreto durante pelo menos dois anos antes de11 de setembro a Federalist Society, sob a direção do professor John Yoo. A USA Patriot Act foi adotada pelo Congresso de Estados Unidos sem ser debatida sob a comoção de 11 de setembro. Outorga plenos poderes à polícia do Estado, ao FBI, aos serviços de imigração em matéria de detenção, de interrogatórios, de tortura e de detenção ilimitada em secreto e sem a decisão de um tribunal de cidadãos que não sejam originários dos Estados Unidos sobre a base de simples presunções. Também autoriza a vigilância das conversas telefônicas e dos correios eletrônicos, os registros domiciliários tanto durante o dia como na noite em ausência da pessoa concernida e sem ordem judicial.
[3] «A Permanent State of Emergency», Jean-Claude Paye, Monthly Review, novembro de 2006.
[4] «Préoccupation sécuritaire», Jean-Claude Paye, La Libre Belgique, 27 junho de 2007.
[5] «Beyond intention», Jean-Claude Paye, Le Monde diplomatique, English edition, novembro de 2006.
[6] «Un procès qui engage nos libertés», Lieven De Cauter, Jean-Marie Dermagne e Bernard Francq, La Libre Belgique, 16 de novembro de 2007.
[7] «DHKP-C: Bahar Kimyongur acquitté à Anvers», Marc Metdepenningen, Le Soir, 7 fevereiro de 2008.
[8] «La CIA a contrôlé les transactions financières du monde entier via la société SWIFT», Grégoire Seither, Réseau Voltaire, 26 junho de 2006.
[9] «SWIFT: le Trésor états-unien au-dessus des lois européennes», Réseau Voltaire, 29 setembro de 2006.
[10] Échelon é um sistema de espionagem eletrôncia comum aos Estados Unidos e Reino Unido que existe desde 1947. A esses países se uniram Canadá, Australia y Nueva Zelanda. As estações destes países formam uma só rede integrada. Vejase Ducan Campbell, Surveillance électronique planétaire, Éditions Allia, París, 2OO1. Este livro retoma o informe que o autor preparou para o Parlamento Européu.
[11] COREPER é o Comitê de Representantes Permanentes da União Européia (n. da t.)
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