Totalmente desconhecido do público internacional, ainda apenas há uma semana, o
xeque Moaz al-Khatib foi propulsado a presidente da Coligação nacional síria,
representando a oposição pró-ocidental ao governo de Damasco. Descrito através de
uma intensa campanha de relações públicas como uma alta personalidade moral sem
ligações partidárias ou económicas, ele é na realidade membro dos Irmãos
muçulmanos e quadro da companhia petrolífera Shell.
A decomposição da oposição síria armada reflete os conflitos entre os países que tratam de impor a « mudança de regime » em Damasco.
O componente mais falado é o Conselho Nacional Sírio (CNS), conhecido também como Conselho de Istambul, por ter sido constituído nessa cidade turca. Controlado com mão de ferro pela DGSE [1] e financiado pelo Catar. Os seus membros, a quem se concedeu o direito de residência em França e diversas facilidades, estão debaixo da pressão constante dos serviços secretos, que lhes ditam até as mínimas declarações.
Os Comités Locais de Coordenação (CLC) representam, no terreno, os civis que apoiam a luta armada.
E, finalmente, o Exército Sírio Livre (ESL), controlado principalmente pela Turquia, ao que pertencem a maioria dos combatentes, incluindo as brigadas da al-kaida. Cerca de 80% das suas unidades reconhecem como seu chefe espiritual o xeque takfirista Adnan Al-Arour, que reside na Arábia Saudita.
Tentando de recuperar o controlo e por ordem nesta cacofonia, Washington orientou a Liga Árabe para convocar uma reunião em Doha, torpedeou o CNS e obrigou o maior número possível de grupúsculos a integrar uma estrutura única : a Coligação Nacional de Forças da Oposição e da Revolução.
Nos bastidores, foi o próprio embaixador norte-americano Robert S. Ford que distribuiu os postos e as prebendas. Para terminar, ele impôs como presidente da Coligação uma personalidade que nunca antes havia sido mencionada na imprensa : o xeque Ahmad Moaz Al-Khatib.
Robert S. Ford é considerado como o principal especialista do Médio Oriente no Departamento de Estado. Foi o assistente de John Negroponte, de 2004 a 2006, quando o este mestre-espião norte-americano aplicou no Iraque o método que ele tinha elaborado nas Honduras : o uso intensivo de esquadrões da morte e de Contras. Pouco antes do começo dos incidentes na Síria, o presidente Obama nomeou-o embaixador em Damasco, cargo que assumiu apesar da oposição do Senado norteamericano. Ele aplicou imediatamente o método Negroponte, à Síria com os resultados que se conhecem.
Embora a criação da Coligação Nacional confirme que Washington retoma o controlo da oposição armada, esse acto em si mesmo não resolve o problema da sua representatividade. Vários componentes do E.S.L. rapidamente expressaram o seu desacordo com ela. Sobretudo porque a Coligação exclui das suas fileiras a oposição hostil à luta armada, como a Coordenação Nacional pela Mudança Democrática de Haytham al-Manna.
A escolha do xeque Ahmad Moaz al-Khatib como presidente responde a uma necessidade de aparência : para obter o reconhecimento dos combatentes, o presidente da Coligação tinha que ser um religioso ; mas para ser aceite pelos ocidentais, tinha que parecer um moderado. O mais importante é que, neste período de intensas negociações, era preciso que este presidente tivesse sólidos conhecimentos para discutir o futuro do gás sírio… embora disto não convenha falar-se em público.
Rapidamente, os especialistas americanos de marketing modificaram o look do xeque Ahmad Moaz al-Khatib metendo-o dentro de um traje de fato sem gravata. Vários media transformaram-no já num líder « modelo ». Por exemplo, um grande quotidiano norte-americano apresenta-o como « um produto único da sua cultura, como Aung San Suu Kyi na Birmânia » [2].
Vejamos o retrato que faz deste personagem a Agência France Presse (AFP) :
« Xeque Ahmad Moaz Al-Khatib, o homem do consenso
Nascido em 1960, o xeque Ahmad Moaz al-Khatib é um religioso moderado que foi por um tempo imã da Mesquita dos Omeídas de Damasco e não pertence a nenhum partido político.
Foi essa independência, e a sua proximidade com Riad Seif promotor da iniciativa de uma coligação ampla, que fez dele um candidato de consenso para a direção da oposição.
Surgido do islão sufi, este dignatário religioso, que estudou relações internacionais e diplomacia, não está ligado nem aos Irmãos Muçulmanos nem a nenhuma força de oposição islamista.
Detido em varias ocasiões em 2012 por ter apelado publicamente à queda do regime de Damasco, foi proibido de fazer uso da palavra nas mesquitas por ordem das autoridades e encontrou refúgio no Catar.
Originário de Damasco, desempenhou um papel decisivo na mobilização na periferia da capital, sobretudo em Duma, muito activa desde o começo da mobilização pacífica em março de 2011.
“O xeque al-Khatib é uma figura de consenso que goza de um verdadeiro apoio popular no terreno” sublinha Khaled al-Zeini, membro do Conselho Nacional Sírio (CNS). » [3].
A verdade é muito diferente.
Não existe nenhum indício de que o xeque Ahmad Moaz al- Khatib tenha estudado alguma vez algo parecido a relações internacionais e diplomacia, mas ele tem uma formação de engenheiro em geofísica e trabalhou durante 6 anos para a al- Furat Petroleum Company (de 1985 a 1991). Esta companhia é una joint-venture entre a companhia nacional e várias companhias estrangeiras, entre elas a anglo-holandesa Shell, à que ele se manteve vinculado.
Em 1992 herdou do seu pai, o xeque Mohammed Abu al-Faraj al-Khatib, o prestigioso cargo de pregador na Mesquita dos Omeídas. Foi rápidamente afastado dessas funções e foi proibido de pregar em território sírio. No entanto este episódio não foi em 2012 e nem teve nada que ver com a actual contestação, mas sim há 20 anos, sob governo de Hafez al-Assad. A Síria apoiava então a intervenção internacional para libertar o Kuweit,quer por respeito ao direito internacional como para acabar com o rival iraquiano e aproximar-se do Ocidente. Mas o xeque opôs-se à Tempestade do Deserto por motivos religiosos que eram os mesmos que proclamava… Osama Ben Laden –cujas ideias ele defendia então–, especificamente quanto à recusa da presença ocidental em terras da Arábia, considerada como um sacrilégio. Isto conduziu-o a proferir arengas anti-semitas e anti-ocidentais.
Em seguida, o xeque dedicou-se a uma actividade de ensino religioso, nomeadamente no Instituto Neerlandés de Damasco. Ele empreendeu numerosas viagens ao estrangeiro, principalmente aos Países Baixos, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Finalmente, fixou-se no Catar.
Em 2003-2004, voltou à Síria como lobista do grupo Shell aquando da atribuição das concessões para a prospecção de petróleo e de gás.
Em princípios de 2012, regressou novamente à Síria onde incendiou os protestos no bairro de Duma (nos arrabaldes de Damasco). Preso e posteriormente amnistiado, saiu do país em julho e instalou-se no Cairo.
A sua família é de tradição sufi. No entanto, contrariamente às afirmações da AFP, o xeque é membro da confraria dos Irmãos Muçulmanos, e aliás mostrou-o no final do seu discurso de investidura em Doha. Seguindo a técnica habitual da Irmandade, ele não só adapta a forma mas também o conteúdo dos seus discursos ao auditório que tem pela frente. Por vezes é favorável a uma sociedade multi-religiosa, outras é pela implantação da sharia. Nos seus escritos, qualifica as pessoas de religião judaica como « inimigos de Deus » e aos muçulmanos shiitas como « hereges rejeicionistas », qualificativos que equivalem a uma condenação à morte.
Definitivamente, o embaixador Robert S. Ford fez uma bela jogada. Uma vez mais os Estados Unidos enrolam os seus aliados. Tal como na Líbia, a França assumiu todos os riscos mas, na grande partilha que se anuncia, a Total não obterá nenhuma concessão vantajosa.
[1] A Direcção Geral de Segurança Exterior é o serviço de inteligencia externa da França. NdT
[2] «A model leader for Syria?», editorial do Christian Science Monitor, 14 de novembro de 2012.
[3] «Un religieux, un ex-député et une femme à la tête de l’opposition syrienne», AFP, 12 de
novembro de 2012.
Permaneçam em Contacto
Sigam-nos nas Redes Sociais
Subscribe to weekly newsletter