Radek Sikorski, Ministro polaco dos negócios estrangeiros, com os três líderes da oposição ucraniana, em Kiev.

O Primeiro-Ministro Tusk afirmou, em 20 de fevereiro de 2014, que a Polônia já está a tratar os rebeldes feridos de Kiev e, na verdade, ordenou o Ministro do Exército e do Interior a fornecer hospitais para ajudar ainda mais [1]. O vice-Ministro da Saúde confirmou que Varsóvia está em contato com os rebeldes em Kiev "a fazer planos para trazer ucranianos feridos". Isto significa que a Polônia formalmente ampliou seu alcance secreto e diplomático quase 480 km para o interior da Ucrânia, e que seus serviços de inteligência estão obviamente fazendo mais na Ucrânia do que apenas ’ajudar os feridos’ (terroristas). É ainda mais provável que a influência polonesa esteja sendo mais forte em Lviv e Volyn Oblasts, as regiões que fazem fronteira com a Polônia e, coincidentemente ou não, Lviv já tentou declarar independência. O mesmo pode ser dito da profunda influência turca na Síria, no auge da crise nesse país, e devemos nos lembrar do fato de que a Turquia também ajudou os combatentes feridos naquele país a se recuperar no seu território.

As semelhanças estruturais entre a Polônia e Turquia em relação à Ucrânia e à Síria precisam ser examinadas a fim de mais claramente compreendermos como o modelo de ’Liderar por trás’ foi aplicado para ambos os estudos de caso.

Em primeiro lugar, a estratégia de ’Liderar por Trás’ tem sido definida como a "discreta assistência militar dos E.U. para [outros] soar [soarem] a trombeta". É a nova estratégia de guerra para teatros de batalha onde os EUA, por qualquer motivo, está relutante em envolver-se militarmente diretamente. Baseia-se no uso de aliados regionais / ’líderes’ como servos [proxys] para ampliar os objetivos geoestratégicos e geopolíticos dos E.U. através de medidas assimétricas, enquanto Washington se volta para a Ásia, onde pretende apresentar uma dissuasão convencional para a China. Ambos, Polônia e Turquia são ‘marionetes’ nas mãos dos E.U., escolhidos em suas respectivas áreas contra seus Estados vizinhos alvos (Ucrânia e Síria). Pelo menos, os EUA fornece suporte de inteligência e treinamento das unidades de ’oposição’, enquanto a Polônia e a Turquia se encarregam diretamente da assistência aos membros durante suas inserções nas Nações vitimizadas. No caso da Ucrânia, os EUA utilizaram ONGs [organizações não-governamentais] para se infiltrar no país ao longo de um período de mais de 10 anos, e também alocaram US $5 bilhões para "ajudar a Ucrânia [a desenvolver as instituições democráticas]". A instituição americana Doação Nacional para a Democracia (National Endowment for Democracy) também tem sido crucial em mascatear o ‘Kony 2012 da Ucrânia’ para fazer avançar a sua campanha de operações psicológicas (psy-op) contra Kiev, assim como o ’Danny sírio’ foi a versão implantada contra Damasco.

Mas as semelhanças não param por aí.

Ambas, Polônia e Turquia são Estados de fronteira da OTAN, com a Polônia sendo descrita como "o maior e mais importante Estado fronteiriço da OTAN em termos de poder militar, político e econômico." Estes dois Estados geoestratégicos também têm uma população esmagadora quando comparados com seus vizinhos, bem como complexos de inferioridade nacionais decorrentes de seus legados imperiais perdidos (Comunidade Polaco-Lituana e Império Otomano). Eles compartilham uma fronteira terrestre significativa com os Estados alvejados pela ’transição democrática’, bem como conexões culturais e políticas importantes com aquelas sociedades (como resultado dos legados imperiais acima mencionados) que antecede o desencadear das respectivas crises. Isto dá-lhes benefícios intangíveis significativos sobre o futuro campo de batalha, tanto em atividades de estado, não-estatais e informativas.

A Polônia e a Turquia também hospedam importantes instalações militares americanas. A Turquia abriga a força aérea dos EUA em Incirlik e um radar de defesa antimíssil no leste, enquanto a Polônia fornece os EUA a Base da Força Aérea de Lask e um posto de defesa anti-míssil no nordeste perto de Kaliningrado. No que diz respeito ao desenvolvimento da missão dos insurgentes, os fascistas ucranianos estão a assumir características perturbadoramente semelhantes aos jihadistas na Síria. Em 2011, um atirador aleatório (atribuído aos ’rebeldes’) atacou civis em Damasco, assim como ocorreu em Kiev, até mesmo mirando um repórter do RT [jornal Russia Today]. A pretensão de independência de Lviv pode ser vista como seguindo a declaração de autonomia dos curdos na Síria, pois ambas as áreas se situam na fronteira do estado serviçal [proxy] que está a interferir nos assuntos do seu vizinho. De forma semelhante, ambos os grupos insurgentes assumiram postos de controle de fronteira ligados ao seu estado patrão, e este movimento obviamente aumenta a facilidade com que Ancara e Varsóvia canalizam armas, pessoal e materiais para sua atividade subversiva. Quando as fronteiras não podem ser tomadas pelos rebeldes, eles recorrem ao saqueamento dos arsenais do governo e a roubar armas dos soldados capturados e dos prédios ocupados [2]. Os combatentes sírios têm uma história de tomada de reféns e execuções brutais e os seus camaradas ucranianas têm seguido sua liderança através da captura de mais de 60 policiais em Kiev.

Assim, demonstra-se claramente, através dos exemplos acima mencionados, que as destabilisações da Ucrânia e da Síria são modeladas a partir de uma abordagem padronizada. Os EUA utiliza Estados serviçais [proxy] com legados imperiais feridos para avançar sua estratégia de ’Liderar por Trás’, alvejando áreas geoestratégicas pivotais onde os EUA prefere manter uma negação plausível sobre seu papel e está relutante em se envolver diretamente. Pode-se também discernir uma tendência maior que parece estar a se desenvolver – o uso de movimentos ideológicos macrorregionais extremos para oferecer suporte a uma desestabilização prolongada. No Oriente Médio, o islamismo radical é o método de escolha para aplicação e exportação, enquanto que, na Ucrânia, cada vez mais está parecendo que grupos de extrema-direita (em algumas situações, até mesmo neonazistas) se enquadram no ’papel de Wahhabi’ para a Europa. A Ucrânia possivelmente poderia se tornar um campo de treinamento para outros militantes de extrema-direita européias, ou aqueles atualmente na Ucrânia poderiam ir para ensinar as ’ferramentas de seu comércio’ para o maior licitante em outros Estados europeus. Assim como a Turquia está a apoiar os radicais islâmicos na Síria, através de seu apoio para os tumultuadores lá, pode-se dizer que a Polônia está flertando com nacionalistas de extrema-direita na Ucrânia através de suas demonstrações de apoio à sua oposição violenta e à recente decisão de evacuar e ajudar os rebeldes feridos (sem contar com o nível não declarado de envolvimento secreto já em curso). E, assim como os radicais islâmicos ficaram fora do controle de seus manipuladores e agora ameaçam todo o Médio Oriente, o risco permanece de que os nacionalistas de extrema-direita possam tornar-se incontroláveis na Ucrânia também e venham a pôr em perigo toda a UE. Ao comparar a Polônia à Turquia, e a Ucrânia à Síria, fica demonstrado que a Primavera Árabe chegou à Europa de uma forma diferente daquela que imaginávamos.

Tradução
Marisa Choguill
Fonte
Oriental Review (Rússia)

Nota da Revisão Oriental: três anos de feroz campanha anti-Assad trouxe despesas políticas à Turquia. Agora, o primeiro-ministro turco Recep Erdogan está tentando a equilibrar sua precariamente motivada política em relação à Síria para recuperar o apoio regional e público que nomeadamente deteriorou-se como resultado de sua implicação imprudente na tragédia síria. Sua mais recente visita a Teerã mostra a mudança drástica na retórica turca e nas abordagens sobre o assunto. Desta forma, a Turquia provavelmente aprendeu a amarga lição de jogar os jogos dos estrangeiros em país vizinho. Se a Polônia também será capaz de sobriamente rever seu papel na horrível crise ucraniana é ainda uma questão aberta...

[1Poland on standby to receive Ukraine’s wounded”, por Matthew Day, The Telegraph, 20 fevereiro 2014.