Em 15 de Maio de 2024, o Primeiro-Ministro eslovaco, Robert Fico, gravemente ferido, é evacuado pelos seus guarda-costas.

Quando a União Europeia se apresta a transformar-se num Estado único, a sua evolução política toma um sentido autoritário.

A eleição dos eurodeputados e do Presidente da Comissão está já assente

A eleição dos eurodeputados promete ser deliberadamente confusa. Ainda não existem partidos políticos à escala europeia, embora já se fale deles há cinquenta anos e os tenham inscrito nos tratados, mas unicamente coligações (coalizões-br) europeias de partidos nacionais, o que não é, de todo, a mesma coisa. Estas coligações apresentam cada uma um Spitzenkandidat, literalmente um « cabeça de lista », que não é candidato ao Parlamento e não figura em nenhuma das suas listas nacionais. Cinco deles debaterão na Eurovisão o seu projecto para presidir a Comissão Europeia. Trata-se de :
• Walter Baier, Esquerda europeia ;
• Sandro Gozi, Renovar a Europa agora ;
• Ursula von der Leyen, Partido Popular europeu ;
• Terry Reintke, Verdes europeus ;
• Nicolas Schmit, Partido Socialista europeu.
O grupo « Identidade e Democracia » não foi convidado para este show. Já que os cinco grupos anteriores têm uma concepção particular de democracia. Eles consideram que “Identidade e Democracia” não joga o mesmo jogo que eles e por isso recusam debater com ele.

Este debate não terá lugar em estúdio, mas sim no hemiciclo do Parlamento ; um cenário imponente. A presidente do Parlamento, Roberta Metsola, aproveitou o facto de os eleitos estarem em campanha eleitoral para ceder esta tela de fundo aos produtores mediáticos, sem prevenir os parlamentares. Muitos teriam uma palavra a dizer sobre isto.

Ele decorrerá em língua inglesa. Esta é outra subtileza da União : cada Estado-Membro tem o direito de solicitar que todos os documentos oficiais sejam traduzidos para uma língua à sua escolha. A União tem, pois, 23 línguas oficiais para 27 Estados Membros, ou seja 552 combinações linguísticas possíveis. Mas nenhum Estado solicitou que o inglês seja uma das línguas da União. Por exemplo, Malta que fez do inglês uma das suas duas línguas oficiais, preferiu que seja o maltês a ser utilizado em Bruxelas. No entanto, o inglês tornou-se, de facto, a 24.ª língua da União e a única comum a todos. Claro, isto não tem evidentemente nenhuma relação com o facto que a UE seja, não um projecto europeu, mas sim um projecto anglo-saxónico.

Além disso, este estranho debate importa pouco, pois todos sabem que o Presidente da Comissão será provavelmente escolhido fora deste círculo : deveria ser o banqueiro Mario Draghi [1]. O que não é impossível uma vez que em 2019, Ursula von der Leyen não participou neste debate e no entanto tornou-se Presidente da Comissão.
Veja-se bem : é certo que Mario Draghi tem 76 anos, mas é o antigo governador do Banco Central Europeu. Nesta função, ele tudo fez para tornar o euro irreversível. E conseguiu, « Whatever it takes » (em inglês no texto), salvá-lo da crise da dívida soberana dos anos 2010. No fim, não resolveu nenhum problema e agravou o abismo que separa as economias dos Estados-Membros. De um ponto de vista dos Estados-Membros, ele é, pois, um incapaz, mas não o é do ponto de vista dos banqueiros de investimento ; uma casta que sempre foi a sua (ele foi o número 2 do Goldman Sachs para a Europa).

A confirmação da investigação belga (Bruxelas), alemã (Mönchengladbach) e europeia por corrupção visando Ursula von der Leyen já não deixa margem para dúvidas [2]. Torna-se urgente para as Instituições livrarem-se dela. Da mesma forma, deputados apanhados com a mão na massa foram discretamente afastados, entre os quais a Vice-presidente Eva Kaili. É preciso dar a impressão que a administração da União é honesta e está ao serviço dos « cidadãos » (sic) ; “impressão”, porque, na realidade, não há nem povo europeu, nem cidadãos, tal como atesta a ausência de partidos europeus.

As escolhas da UE já estão feitas

A União, que é uma estrutura política que vai muito para além do «mercado comum» inicial, deve fazer face a vários desafios externos :
» Assinou vários acordos de livre-comércio com Estados ou Blocos que não respeitam as suas regras internas. O equilíbrio da concorrência, que estava estabelecido através de um complexo sistema de subsídios, já não está garantido, visto que não existe nenhum sistema financeiro comparável à escala global [3] .
» Ao não vincular o acto de comerciar com terceiros ao seu respeito pelas regras internas da União, ela ligou-o ao seu respeito pelos Direitos do Homem. Ora, dois dos seus parceiros comerciais colocam problemas muito graves, sem que a UE tenha reagido.
• Israel não respeita nenhuma das Resoluções das Nações Unidas que lhe dizem respeito, desde há 76 anos. Além disso, acaba de iniciar uma limpeza étnica da Palestina, massacrando cerca de 50. 000 civis e ferindo cerca de outros 100. 000.
• A Ucrânia, cuja Constituição é explicitamente racista, montou dois Golpes de Estado sucessivos (2004 e 2014). Depois elegeu o presidente, mas o mandato deste chega hoje, 21 de Maio de 2024, ao fim. Nenhuma eleição foi convocada e onze partidos políticos da Oposição foram proibidos.

No decurso das últimas semanas, a UE não avançou um jota nos acordos de livre-comércio que assinou, em violação das suas regras internas. Aos seus olhos, basta esperar para que o problema desapareça : dentro de alguns anos, os sectores agrícolas atingidos terão desaparecido.

Pelo contrário, ela anunciou apoiar uma solução para a Palestina, mas, por outro lado, prossegue a sua ajuda ao regime não-democrático de Volodymyr Zelensky.
• Em relação ao primeiro ponto, a UE parece ansiosa por reconhecer a Palestina como membro de pleno direito nas Nações Unidas. Ela precisa que não apoia o plano do enviado especial da ONU, o Conde Folke Bernadotte (assassinado em 1949), antes que se refere ao plano da Comissão Colonial presidida por William Peel : deveria haver dois Estados distintos, mas acima de tudo não um Estado binacional onde os judeus e árabes seriam iguais perante a lei.
• No que diz respeito à Ucrânia, a UE persiste em ignorar os Acordos de Minsk, aprovados pela Resolução 2202 do Conselho de Segurança da ONU, e a responsabilidade de proteger que daí resulta. Além disso, não só não felicita a Rússia por ter posto fim ao massacre dos russófonos do Donbass, mas persiste em acusá-la de ter invadido o seu vizinho.

Em matéria de Defesa e Política Externa, as posições da UE são exactamente as do G7, no qual ela participa. Não há nenhum caso em que ela se diferencie dele, ou até simplesmente em que ela emita uma “nuance”. A UE dota-se, pois, actualmente de uma indústria de fabrico de armas e coordena cada país de modo a abastecer continuamente o governo de Kiev. Até 2022 (operação especial do Exército russo na Ucrânia), a UE não se metia nas questões da Defesa. Com efeito, os Tratados Europeus estipulam que este não é o seu domínio. A Defesa do território da União não depende dos seus Estados-membros, mas sim da OTAN-NATO, quer eles sejam ou não membros dela.

No entanto, de maneira permanente, a Aliança Atlântica definia normas de interoperabilidade entre os seus membros que transmitia à Comissão Europeia, a qual os fazia adoptar pelo Parlamento. Elas eram então transcritas para a legislação nacional por cada um dos 27 Estados-Membros. Essas normas iam desde a composição do chocolate (há uma barra de chocolate na ração dos soldados da Aliança) até à largura dos grandes eixos de circulação (a fim de os poder utilizar com os tanques norte-americanos).

A Comissão não teve dificuldade em abordar as questões de armamento. Ela já o havia feito para os medicamentos durante a epidemia de Covid. Repare-se bem que a generalização destes medicamentos não provou a sua utilidade face à Covid-19. Mas esse não é o problema. Não se tratava de uma epidemia devastadora, mas de um pretexto para um exercício de mobilização no qual cada potência mostrou o que podia obter. Deste ponto de vista, a Comissão provou que podia abordar um tema que não era da sua competência e que ela podia até fechar contratos gigantescos em nome dos seus membros sem lhes revelar o segredo das negociações.

Assim que a UE se tornar um Estado único, a Comissão deverá fazer prova da mesma habilidade e ainda mais, uma vez que a sua acção já não será mais entravada pelos 27 Estados-Membros. Eles terão desaparecido. Após esta fusão, o banqueiro Mario Draghi irá realizar « economias de escala ». Por exemplo : será inútil desperdiçar dinheiro em embaixadas para cada Estado-Membro, uma única rede basta para o Estado-único. Enquanto isso, os privilégios de uns serão postos ao serviço de todos. Por exemplo, o lugar permanente dos Franceses no Conselho de Segurança das Nações Unidas caberá à União. Ou ainda, a Bomba atómica francesa será entregue à Defesa da União. Os Estados neutros, como a Áustria, terão, de qualquer modo, desaparecido.

Aquilo que é verdade em matéria política também o é em matéria económica. Mario Draghi preconiza desde há muito uma reorganização da economia da UE segundo o modelo soviético : a cada região a sua especificidade. Foi, aliás, apostando nesta evolução que a UE concluiu os acordos de livre-comércio a que fiz referência no início deste artigo. Se a criação de gado continuará a ser uma especificidade da Polónia, os Países Baixos já assumiram a dianteira ao lançarem os seus camponeses autoritariamente no desemprego e a França não tardará em consagrar os seus talentos a tarefas diferentes.

A eliminação dos obstáculos

O verdadeiro obstáculo à criação de um Estado-único só pode advir de Estados-Membros que se recusem a desaparecer. Assim, ele reside no Conselho de Chefes de Estado e de Governo.

Dois pontos de vista diametralmente opostos e inconciliáveis se enfrentam. Os dois extremos situam-se na antiga Checoslováquia : a Chéquia é governada há pouco mais de um ano pelo General Petr Pavel, antigo presidente do Comité Militar da OTAN. O seu programa é o do G7 (afirmação de um mundo regido por regras [4] , contenção da Rússia, apoio aos nacionalistas integralistas ucranianos, preparação para o confronto com a China). Pelo contrário, a Eslováquia é governada desde há seis meses por Robert Fico. A aliança em que ele se apoia inclui, é certo, alguns nostálgicos do Padre Jozef Tiso que estabeleceu, sob a protecção dos nazis, um regime nacional-católico durante a Segunda Guerra Mundial. Mas, mais seriamente, baseia-se nos apoiantes da independência face à URSS que não se reconheciam na figura de Václav Havel, o agente da CIA que tomou o Poder por ocasião de uma revolução colorida, a « Revolução de veludo ». Antigo comunista, Robert Fico diferencia a Rússia da URSS. Ele defende um mundo organizado em torno do Direito Internacional (e não das «regras» do G7). Ele apoiou a Resolução 2202 do Conselho de Segurança e, por conseguinte, aprovou a intervenção da Rússia na Ucrânia. Ele é o único dirigente da União a manter esta posição (a Hungria de Viktor Orbán evita abordar este assunto).

Há alguns dias, o problema foi regulado : em 15 de Maio de 2024, um indivíduo desfechou cinco tiros à queima roupa sobre ele. Robert Fico foi imediatamente evacuado (foto). Ele foi já operado duas vezes e a sua vida já não corre perigo. No entanto, o debate que ele animava no seio do Conselho foi interrompido. E, não deverá ser retomado.

A História da UE está já escrita. O que é fantástico neste projecto é que, à medida que ele é concretizado, descobrimos por que é que Bruxelas impôs regras, e factos, que não tinham qualquer sentido quando foram decididas, mas que agora fazem todo sentido.

O grotesco debate dos Spitzenkandidaten, em língua inglesa e num cenário grandioso, mas sem propósitos, terá cumprido o seu papel : distrair as multidões enquanto aqueles que contam decidem o seu futuro na sombra. Os que se opõem ao projecto de Estado-único serão eliminados.
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Tradução
Alva

[1Paris 2024 e Berlim 1936 ao serviço de um impossível sonho imperial”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 2 de Maio de 2024.

[2O escândalo von der Leyen”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 4 de Abril de 2024.

[3A União Europeia contra os agricultores”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 27 de Fevereiro de 2024.

[4Que ordem internacional ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 10 de Novembro de 2023.