Dois novos estudos, publicados no início de 2005, alertam para agravamento do efeito estufa. Cientistas ingleses e norte-americanos advertem que problema está chegando a um ponto crítico de não-retorno e que apenas o Protocolo de Quioto será insuficiente para reverter quadro atual.
Os crescentes desequilíbrios climáticos registrados em várias partes do mundo estão fazendo crescer a percepção de que há algo acontecendo no planeta, para além de uma eventual irregularidade de fenômenos naturais. Essa percepção cresce também no Brasil, onde regiões que até bem pouco tempo não sofriam grandes prejuízos com instabilidades climáticas deparam-se hoje com uma nova realidade. É o caso exemplar do Sul do país, em especial os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, que enfrentam uma seca de proporções inéditas. Duas pesquisas divulgadas no início deste ano fornecem dados concretos para transformar essa percepção em uma hipótese que deve ser levada a sério pela população e pelas autoridades.
A temperatura média do planeta vem crescendo com uma regularidade preocupante, podendo já ter atingido o que os cientistas chamam de ponto de não-retorno, ou seja, um quadro onde não é possível reverter a tendência de alta.
O Instituto Goddard para Estudos Espaciais, ligado à Nasa, divulgou semanas atrás uma pesquisa apontando um crescimento da temperatura média do planeta nos último anos, segundo informe da Agência Fapesp. Os resultados da pesquisa, realizada pelos cientistas Makiko Sato e James Hansen, mostram que 2004 foi o quarto ano mais quente em mais de um século, registrando uma temperatura média 0,48 graus Celsius acima da medida verificada entre 1951 e 1980. Além disso, as quatro maiores médias desde o final do século 19 ocorreram em anos recentes. O ano mais quente foi 1998, seguido por 2002, 2003 e 2004. Os pesquisadores analisaram temperaturas médias, obtidas diária e anualmente em vários pontos do planeta, em terra e na superfície dos oceanos. Eles concluíram que o aumento da poluição provocada pelo homem e alguns fenômenos naturais contribuíram para o crescimento médio da temperatura terrestre nos últimos anos.
Entre os fenômenos naturais, eles destacaram erupções vulcânicas ocorridas em 1963, 1982 e 1991, e o El Niño, que, ao aquecer correntes no Oceano Pacífico, provocou uma série de desequilíbrios climáticos. No entanto, diz a pesquisa, o principal problema está mesmo na poluição industrial que vem causando um progressivo aumento de gases na atmosfera e agravando o efeito estufa. Os cientistas da Nasa projetaram que 2005 deve ser um ano ainda mais quente do que 2004, podendo superar também as temperaturas verificadas em 1998, que estiveram entre as mais altas do século passado. Em um comunicado divulgado pela Nasa, James Hansen, especialista em climatologia, disse que a pesquisa constatou uma forte tendência de aquecimento nos últimos 30 anos, uma tendência alimentada principalmente pelo aumento de gases poluidores na atmosfera. As regiões onde ocorreram maiores aumentos de temperatura foram o Alasca, o Mar Cáspio e a Antártida.
Ponto de não-retorno
As conclusões da Nasa reforçam a tendência de uma outra pesquisa, divulgada no início do ano pelo jornal londrino Independent, dando conta de que o aquecimento do planeta é pior do que se pensava inicialmente e prevendo períodos de seca e de escassez de água. Segundo essa pesquisa, o ponto de não-retorno para a situação do aquecimento global poderá ser atingido antes do período de dez anos, previsto pelos cientistas até então. Em um relatório intitulado “Enfrentar o desafio do clima”, cientistas ingleses e norte-americanos apresentaram um modelo feito em computador, responsabilizando a poluição industrial pelo agravamento do efeito estufa. O cientista David Stainforth, da Universidade de Oxford, diretor da investigação, mostrou-se preocupado com os números que levantou. Segundo ele, um aumento de 1 grau na temperatura terá sérias conseqüências para o planeta, como a elevação do nível do mar e o surgimento de novas doenças.
As elevações mínimas de temperatura estão relacionadas com a idéia de ponto de não-retorno na tendência de aquecimento. Considerando a época da Revolução Industrial na Inglaterra, por volta de 1750, os cientistas fixaram o ponto de não-retorno (uma tendência irreversível de aquecimento global) nos 0,2 graus centígrados acima da temperatura média na época. O problema é que, desde o século 18, a temperatura média já subiu 0,8 graus no planeta. Ou seja, já teríamos ultrapassado este ponto crítico e, conseqüentemente, a possibilidade de reverter a tendência de alta.
Por essa razão, os cientistas que participaram do estudo divulgado pelo Independent acreditam que as tentativas de controlar o aquecimento global através do Tratado de Quioto serão insuficientes para reverter a situação atual. Quanto mais pela recusa dos Estados Unidos, principal poluidor do planeta, em estabelecer limites na emissão de gases por parte de suas indústrias.
Alertas repetidos e desprezados
Os dois estudos divulgados no início de 2005 reafirmam o que já vem sendo dito há anos por cientistas de diversos países. Um dos mais contundentes foi publicado em 2001 por um grupo de cerca de 700 cientistas apoiados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Esse grupo, intitulado “Intergovernmental Panel on Climate Change” (IPCC), elaborou um estudo chamado “Mudança climática 2001: impactos, adaptação e vulnerabilidade”, alertando para o que classificou como “efeitos devastadores” das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global. O trabalho listou alguns destes efeitos: ilhas tropicais e estações de esqui nos Alpes desaparecerão, inundações e falta de água aumentarão, a produtividade agrícola cairá, ondas de calor serão sentidas em várias partes do planeta, secas atingirão regiões de temperatura moderada, afetando o curso dos rios e a qualidade da água.
O tom quase apocalíptico do relatório não teve muito efeito sobre a definição de políticas preventivas para reverter a tendência de aquecimento. Alguns anos se passaram e hoje, em 2005, essas previsões começam a se transformar em realidade. A seca que afeta o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, regiões de clima temperado, está dizimando lavouras, afetando a produtividade agrícola e a permanência de agricultores no campo. Além disso, afeta o abastecimento e a qualidade da água nas cidades. O estudo de 2001 previa que os países em desenvolvimento seriam as principais vítimas deste fenômeno. “A maioria das regiões tropicais e subtropicais registrarão uma redução geral de rendimento de suas colheitas e, para certos cultivos esta queda acontecerá, inclusive, com uma alta mínima da temperatura”, afirmou o relatório na época. Palavras que, com o passar dos anos, vão se transformando em manchetes diárias na mídia.
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