Uma misteriosa Frente de Libertação do Cazaquistão anunciou que quer libertar o país da influência russa. Estamos muito longe de manifestações pacíficas contra o aumento de 13% no preço do gás.

A primeira etapa para resolver o problema consistiu em compreender que tipo de forças as autoridades do Cazaquistão tiveram que enfrentar.

Dauren Abaev, Vice-Chefe da Administração presidencial do Cazaquistão, declarou que as manifestações no país haviam começado pacificamente e que subitamente tudo tinha passado para o controle de provocadores. A utilização de comunicações secretas pelos manifestantes foi essencial na coordenação simultânea de acções violentas visando objetivos pré-estabelecidos. Quer dizer, o uso de estações de recepção geridas por servidores de ponta situados no exterior do Cazaquistão. Comunicações que os Serviços Secretos e o Exército nacional não conseguiram interceptar. Um centro de comando único coordenou a preparação e a orientação de toda a acção terrorista. O Presidente cazaque, Kassym Jomart Tokayev, reconheceu-o num discurso à nação em 7 de Janeiro [1]. Ele declarou que « as forças da ordem e do exército não cumpriram as suas missões ». « Ficou claro que nos faltaram Forças Especiais, equipamentos especiais e meios especiais ».

Os militantes contavam nas suas fileiras com especialistas em PsyOps (operações de guerra psicológica), capazes de manipular as atitudes das pessoas. Eles deram prioridade à transmissão em directo de desinformação já preparada em estúdios de televisão. Felizmente para as autoridades, os terroristas que ocuparam o edifício da estação de televisão Mir não conseguiram controlar a torre de televisão Koktobe em Alma Ata (ou Almati- ndT), onde está localizada a antena de transmissão. Em conclusão, a incapacidade de capturar os média (mídia-br) em Alma Ata jogou um papel enorme no fracasso do Golpe de Estado.

A planificação de acções foi típica das operações de comando por um comando único

Um grande grupo (Alpha) composto por vários subgrupos agiu simultaneamente em Alma Ata e em cidades do Sul e do Oeste do Cazaquistão, com o objectivo de aterrorizar a população civil, de a dispersar e de impedir a intervenção das forças da ordem. A missão do grupo Alpha traduziu-se na ocupação e incêndio de edifícios administrativos, na pilhagem de lojas e de bancos, na construção de barricadas em todos os bairros e numa tentativa de ocupação do aeroporto de Alma Ata. Dauren Abaev salientou que entre os terroristas com alto nível de prontidão para o combate, e crueldade brutal, que degolaram membros das forças de segurança, se encontravam atiradores de elite.

O objectivo táctico do grupo Alpha era de facto criar uma diversão sangrenta para cobrir o segundo grupo (Bravo), que executava ataques dirigidos a dezenas de lojas de armas, depósitos de armas, de munições do exército e da polícia, etc.

O antigo conselheiro do Presidente Nazarbayev, Yermukhamet Yertysbayev, estima que os terroristas tinham cúmplices no país. « A traição de um certo número de funcionários e de agentes das forças da ordem impediu que se frustrasse os planos dos terroristas ». Segundo ele, foi dada ordem para retirar o dispositivo de segurança 40 minutos antes do ataque ao aeroporto de Alma Ata. O Sr. Yertysbayev poderá ter razão, tanto mais quando os Serviços de Inteligência do Cazaquistão não descobriram provas dos preparativos clandestinos para ataques terroristas, mesmo quando nada menos do que 20. 000 atacantes especializados actuaram na cidade de Alma Ata.

Consequências

Só após 3-4 dias de caos é que a ordem constitucional foi, numa certa medida, restabelecida em todas as regiões, é que os edifícios administrativos e as infraestruturas estratégicas foram libertados e colocados sob protecção militar. As fronteiras foram fechadas e 70 bloqueios de estradas foram montados no país. Muitos responsáveis de administrações regionais e organismos encarregues de fazer respeitar a lei foram demitidos das suas funções. No entanto, o Presidente cazaque, Kassym Khomart Tokayev, declarou que « os militantes não depuseram as armas e continuam a cometer crimes ou se preparando para isso. É indispensável pôr fim às suas actuações. A operação de combate visando livrar Alma Ata dos terroristas está a ser levada a cabo pelos Serviços Especiais do Cazaquistão ».

O Ministério do Interior do Cazaquistão anunciou que 3. 811 participantes violentos nos motins foram presos, que 26 pessoas que atacaram as forças da ordem com armas de fogo foram mortas e que outras 26 ficaram feridas. A RIA Novosti citou fontes do gabinete do Procurador do Cazaquistão segundo as quais « entre os terroristas detidos no Cazaquistão, há muitos cidadãos estrangeiros, pagos para cometer actos criminosos ».

A pedido do Presidente Kassym Khomart Tokayev, a Rússia enviou 3. 000 soldados para o Cazaquistão, a Bielorrússia 500, o Tajiquistão 200 e a Arménia 70. Mais de 70 aviões Il-76 e 5 An-124 transportaram o contingente russo de manutenção de paz das Forças da OTSC para o Cazaquistão. Trata-se de subunidades da 45ª Brigada, da 98ª Divisão e da 31ª Brigada Especial, todas pertencendo às forças aerotransportadas.

O papel do exército russo

O mandato dado pela Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC) não prevê a participação em operações de combate no Cazaquistão, sendo as tarefas das Forças de Manutenção de paz sobretudo a protecção de instalações vitais. Subunidades da 98ª Divisão Aerotransportada controlam o aeroporto internacional de Nur-Sultan, a sede do Estado-Maior Geral das Forças Armadas e o edifício do centro de televisão Kazmedia.

Uma subunidade independente das Forças de Operações Especiais russas vigia o palácio presidencial de Nur-Sultan, o banco central e o comité de Segurança Nacional do Cazaquistão. Subunidades da 45ª Brigada de missões específicas foram colocadas no Sudeste do Cazaquistão para guardar o Aeroporto Internacional de Alma Ata, o centro operacional de Defesa Aérea conjunto Federação da Rússia-Cazaquistão, em Alma Ata. Outras subunidades da 45ª Brigada foram deslocadas para Shymkent, a terceira maior cidade, com 1,1 milhão de habitantes, onde guardam a 602ª Base Aérea e outros objectivos administrativos da cidade. Sub-unidades da 31ª Brigada Aerotransportada foram colocadas na parte oriental do Cazaquistão, na cidade de Ust-Kamenogorsk, o centro administrativo da Zona da indústria extractiva do Cazaquistão oriental. Outras subunidades da 31ª Brigada garantem a segurança das instalações da Kazatomprom, no Norte do país, a companhia nuclear nacional do Cazaquistão.

Separadamente, em apoio às unidades de antiterrorismo locais, pequenas unidades russas tais como neutralização de PsyOps, operações de guerra psicológica e de reconhecimento podem igualmente estar a operar. Por exemplo, um grupo de reconhecimento aerotransportado russo utiliza o sistema RB-341V Lieer-3. Os drones (aviões e helicópteros de pesquisa sem piloto e silenciosos) capturam e transmitem imagens vídeo 24 horas sobre 24, ou colectam dados numa larga gama de frequências - SIGINT (inteligência de origem electromagnética), e mesmo redes GSM. Quando uma rede suspeita é descoberta, apenas alguns transmissores da rede são empastelados. Isso impede a transmissão de ordens aos terroristas com o aval da cadeia de comando. A zona de empastelamento concentra-se sobre objectivos escolhidos num raio de 6 km. As plataformas aerotransportadas russas servem também de retransmissores rádio para os militares cazaques operando nas zonas urbanas, onde a transmissão é protegida por edifícios. As tropas aerotransportadas russas dispõem igualmente de um outro sistema terrestre em veículo 8 × 8: o RP-377LA Lorandit, que se compõe de poderosas estações de busca de fontes de frequência e estações de interferência selectiva, todas na faixa de 3 MHz. -3 GHz.

Um outro grupo russo é especializado em reconhecimento especial, realizado por pessoal militar altamente qualificado. No nosso caso, o pessoal militar russo é formado em infiltração secreta entre os terroristas a fim de recolher informações HUMINT. Permitir a antecipação de acções futuras, a detecção de redes ou de meios de transmissão de disposições hierárquicas, o seguimento dos chefes terroristas e a colocação de dispositivos de rastreio permanentes.

Tal como o contingente na Síria, o contingente cazaque está integrado nas redes do sistema centralizado MK VTR-016 do Ministério russo da Defesa, que utiliza o sistema Auriga-1.2V. Centenas de mini-estações de vídeo móveis, portáteis, nas zonas de responsabilidade atribuídas aos militares russos no Cazaquistão transmitindo informações secretas em tempo real para Moscovo, através dos satélites de comunicações militares russos. Graças ao servidor da Huawei, o mais potente do mundo, estas transmissões são difíceis de interceptar e de empastelar. O Auriga-1.2V permite a oficiais muito experimentados optimizar ações dos seus subordinados no terreno, a partir da sala de operações do Estado-Maior Aerotransportado russo, na ausência de fatores disruptivos.

Após a ocupação do Iraque, as tropas dos EUA tiveram dificuldade em lidar com os grupos de insurgentes sunitas que raptavam cidadãos ocidentais. Para penetrar nesses grupos, as forças de Operações Especiais dos EUA montaram uma operação dirigida, criando o seu próprio grupo de « sequestradores », no qual os « raptados » eram agentes de Inteligência infiltrados nos média (mídia-br) aliados dos EUA. Vocês talvez se lembrem das jornalistas Marie Jeanne Ion (Prima TV, Roménia) e de Florence Aubenas (Liberation, França). Depois deste grupo ter adquirido uma certa notoriedade ao difundir vídeos, retomados pelos média iraquianos e internacionais, ele atraiu a atenção de grupos insurgentes genuínos que se ofereceram para tomar conta das « pessoas sequestradas ». Desta maneira, os verdadeiros grupos de insurgentes no Iraque foram descobertos e presos.

O Exército russo prova que tirou lições das inovações dos EUA na luta contra os insurgentes no Iraque. Os especialistas russos de Operações Psicológicas chegaram à conclusão de que é mais fácil armadilhar as células terroristas do que as procurar para as neutralizar. Assim, seguindo o modelo norte-americano, puseram em prática uma falsa «Frente de Libertação do Cazaquistão» que transmite vídeos nas redes sociais e incita células terroristas que participaram na revolta juntarem-se a ela.

Tradução
Alva

[1Kassym-Jomart Tokayev speech on terrorist attack”, by Kassym-Jomart Tokayev, Voltaire Network, 7 January 2022.