Governo e oposição já deram início à campanha eleitoral. Os menos de dois meses que separam as forças políticas da Venezuela do referendo revogatório do mandato presidencial será marcado por pressões externas, com um novo formato a ser aplicado pelos Estados Unidos na América Latina: a fraude eleitoral. A avaliação é do historiador venezuelano, Mário Sanoja, para quem a oposição venezuelana "nunca quis o referendo" e terá de organizar uma nova estratégia para angariar os quase quatro milhões de votos necessários para retirar o presidente Hugo Chávez do Palácio Miraflores.

Em entrevista à Alia2, Sanoja diz que a Organização dos Estados Americanos e o Centro Carter serão as armas utilizadas pelos EUA "para propiciar uma nova fraude".

-Como está dividida a sociedade venezuelana que participará de um referendo revogatório em 15 de agosto?

-Os números das assinaturas que a oposição recolheu contra o presidente Hugo Chávez mostra que eles tem 20% da população. Há 80% que está dividido entre os que apóiam Chávez e quem tem se abstido de votar. A chamada oposição vem perdendo seus partidários porque a população tem sofrido com a violência desses grupos. De maneira curiosa a repressão da direita tem sido exercida em cima de sua gente. Esses bairros durante a sabotagem petroleira ficaram sem gasolina. Foram dois meses em um estado de desabastecimento terrível. A guarimba em fevereiro, (protesto que deixou ao menos sete mortos e dezenas de feridos) sequestrou as pessoas das classes média e alta de Caracas quase uma semana. Um fascismo puro e duro.

-Como o sr. avalia este tipo de estratégia para tentar retirar Hugo Chávez da presidência?

-A oposição nada mais é do que os agentes políticos dos Estados Unidos. É preciso entender que a Venezuela não está enfrentando o poder da oposição interna, e sim um poder mundial, inclusive midiático, dos EUA, Europa e América Latina em uma ofensiva que considero mais grave que o bloqueio à Cuba, porque o bloqueio funciona por fora, mas internamente os cubanos têm o controle da situação.

-Quais são os interesses em jogo ?

-Esse é um jogo fundamentalmente de interesse petroleiro. O elemento central é o petróleo. Quando houve a sabotagem petroleira em dezembro de 2002, ela estava conectada à invasão no Iraque. Se supunha que em cinco dias Chávez cairia e estaria garantida a reserva petroleira venezuelana para os EUA. É importante saber que a sabotagem não foi feita da Pdvsa (Petróleos da Venezuela S.A) e sim do hotel Hilton, à partir da empresa Intesa que detinha todos os códigos eletrônicos da petroleira. Com isso fizeram com que a produção de petróleo chegasse a quase 100 mil barris, quando se produzia mais de dois milhões e meio de barris por dia. Os planos eram privatizar a Pdvsa. Todos os seus dirigentes eram agentes dos EUA. O ex-presidente da Pdvsa, Luis Giusti, foi nomeado assessor petroleiro de Bush quando Chávez foi eleito. Estamos brigando é com o clã Bush e não com os agentes da Coordenadora Democrática.

-Qual será a possível estratégia da oposição para conseguir revogar o mandato presidencial?

-A oposição não queria o referendo, nunca quis. Todas as fraudes, a sabotagem ao sistema eleitoral, era para provocar o governo, que poderia não aceitar o resultado do CNE alegando fraude. Na verdade eles nunca quiseram o referendo, eles estavam seguros de que não iam conseguir as assinaturas. E no pior dos casos, Chávez denunciaria as irregularidades e, sob os olhares dos observadores internacionais, seria chamado de tirano.

-E se isso tivesse ocorrido?

-Viria uma ofensiva mundial começando pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e Centro Carter, que já mostraram na Venezuela que atuam como agentes do departamento de Estado dos EUA. Eles se converteram em porta-vozes da oposição ao invés de observadores. O que estava sendo preparado era a aplicação da Carta Democrática Interamericana da OEA, legitimando uma intervenção no Estado venezuelano.

-Esse cenário foi preparado pelo subsecretário de Estado dos
EUA para América Latina, Roger Noriega, na semana que antecedeu os reparos...

-Exatamente. O que estava preparado era isso. Os EUA elaboram uma série de formatos. O formato Chile se aplicou aqui com o golpe de Estado. Depois aplicaram o formato Nicarágua, com o financiamento de paramilitares. Agora este formato é novo, porque é intervenção direta no processo eleitoral via informática, com fraudes.

-Quais são as garantias que o sistema eleitoral não será violado também no referendo?

-Agora serão utilizadas máquinas de votação que imprimem um comprovante de voto que deve ser depositado na urna, então haverá dois controles de votação. Isso dificulta as fraudes. Numa eleição como essa, as possibilidades da oposição ganhar são pequenas. Eles estavam convencidos de que não haveria referendo e que íamos ter uma crise social, uma guerra civil. Agora há referendo, o que vão fazer agora? Vão ter que se enfrentar uma eleição e eles não estavam preparados para isso. Terão de fazer uma fraude de grandes proporções para conseguir quase os quatro milhões de votos, que a oposição não tem.

-Qual o cenário provável para os próximos dois meses que antecedem o referendo?

-A oposição vai querer negociar porque além do referendo presidencial haverá o referendo de nove deputados da oposição que podem ser revogados. Se isso acontecer o governo poderá conquistar ampla maioria na Assembléia Nacional, um cenário quase certo. Se perderem também o referendo presidencial podem partir para a violência, para o terrorismo, como já fizeram antes.

-Quais são as possibilidades de que o presidente siga no comando do país?

-As propabilidades são grandes. Quais serão os argumentos que a oposição vai utilizar para conseguir os votos dos 80% da população que não queriam o referendo? Vão dizer que vão retirar as missões populares? É muito dificil inclusive convencer os chamados ni-ni (que não estão nem de um lado, nem de outro) para que os apóie depois de terem sofrido tanta violência. A oposição representa uma minoria que não é muito compacta e que não tem metas e objetivos claros, exceto "sacar a Chávez", mas esse argumento saiu de moda, não entusiasma. Chávez por sua vez tem conseguido tirar o país da crise provocada em 2002 com as greves e sabotagens. Neste momento a economia venezuelana é a quarta da América Latina, os negócios prosperam e há uma enorme quantidade de dinheiro circulando, produto do aumento da renda petroleira e da arrecadação fiscal, que são aplicados em políticas sociais.

-Em meio a essa ofensiva mundial,os movimentos sociais latinoamericanos têm cada vez mais apoiado o processo político liderado por Hugo Chávez...

-Justamente porque canaliza para todo o continente esse discurso anti-imperialista e de integração da América Latina. A consciência da população vai despertando. Chávez tem mostrado que há uma terceira via, que não é o caminho anterior, que atentava contra a vida das pessoas e tampouco é a via neoliberal, na qual a maioria tem que viver em um estado de pobreza generalizado para beneficiar uma minoria que se apodera das riquezas.

-O que pode impedir que este governo termine seu mandato então?

-A principal ameaça é a intervenção dos EUA, por meio de OEA e Centro Carter, para propiciar uma nova fraude. Se as eleições forem limpas, Chávez ganhará com uma ampla margem de votos. No entanto, Washington poderá utilizar a OEA como instrumento político para fazer uma sabotagem político-econômica, para intervir no país. Não acredito que devam tentar um novo golpe de Estado porque os militares estão com o governo, a estratégia teria de ser outra. Eles já começaram a propagar rumores de uma invasão de marines vinculado ao retiro de tropas dos EUA da Coréia do Sul para estacioná-las no Panamá, ou seja, cercar o Caribe e manter um aviso bélico da presença estadunidense.

Mário Sanoja, 69 anos,
é doutor em antropologia,
membro da Academia Nacional de História,
professor titular da Universidade Central da Venezuela.