A nova ordem internacional oferece possibilidades que permitam todos os povos se fazerem presentes? A julgar por recentes acordos definidos na OMC, sobre propriedade intelectual e diversidade biológica, a massa de resíduo gerada por essa ordem não é desprezível.

De acordo em acordo, as instituições multilaterais estão redesenhando uma nova ordem internacional. Somente no âmbito da Organização Mundial do Comércio, dois acordos se destacam em relação aos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio e à diversidade biológica quando se trata do novo contorno do mundo.

A respeito disso, aliás, o Fórum Social do Mediterrâneo, que reuniu mais de cinco mil participantes residentes em trinta países durante os quatro dias ensolarados na bela cidade de Barcelona, procurou refletir. Em que medida a nova ordem internacional contempla possibilidades que permitam todos os povos se fazerem presentes?

A resposta disso não é tão simples, porém há algumas pistas que podem ser identificadas à medida que são analisadas as estratégias de inserção na economia global de cada país. A depender dos dois acordos definidos na Organização Mundial do Comércio (propriedade intelectual e de diversidade biológica), a massa de resíduo gerado pela nova ordem não é desprezível.

Inicialmente porque o acordo de propriedade intelectual termina por favorecer as grandes corporações transnacionais e as instituições que realmente investem em inovações. Logo, por serem as principais provedoras das novas tecnologias, as empresas transnacionais possuem a maior parte das novas patentes do mundo.

Como direito de monopólio, as gigantescas corporações com importantes investimentos em ciência e tecnologia passam a ser as detentoras de créditos recebíveis quando o uso de suas patentes. Nesse sentido, o direito de propriedade obstaculiza o avanço do bem estar populacional, que depende do pagamento de crédito ao grupo detentor da patente.

O mesmo procedimento vale também para os fortes grupos econômicos que se concentram no âmbito da biotecnologia, que atualmente assume um interessante conteúdo de inclusão do chamado conhecimento tradicional. Em outras palavras, o conhecimento originário de comunidades locais, agricultores e indígenas que se utiliza de distintos tipos e formas de recursos biológicos, sejam na conservação de alimentos, sejam no tratamento de doenças, entre outras.

A apropriação empresarial desse conhecimento popular permite a constituição de novos saberes a serem envelopados privadamente e disponibilizados somente na forma do comércio lucrativo que gera o direito de propriedade intelectual assegurado pelas patentes. A injustiça no comércio global tem sido cada vez mais crescente, com pouca interferência das agências multilaterais.

Estimativas feitas por parte das Nações Unidas indicam, por exemplo, a existência de 35 mil espécies de plantas com valor medicinal localizadas nos países não desenvolvidos e sem esforço considerável na realização de pesquisas próprias.

Ademais, ao se considerar somente o atual uso de sete mil compostos medicinais difundidos pelo comércio nos países ocidentais chega-se a detectar o faturamento estimado de 32 bilhões de dólares por ano.

Esse conjunto de recursos monetários é gerado pela comercialização monopolizada, protegida pelo direito de propriedade intelectual. Assim, a soma de riqueza termina não sendo apropriada pelos países em que se encontrava localizada originalmente as diversas culturas vegetais, mas, sobretudo, pelas grandes corporações transnacionais responsáveis pela descoberta científica dos seus princípios ativos.

Dentro dessa regra constitutiva da nova ordem internacional, ganha destaque a diplomacia do equilíbrio estático, cuja corporação privada que é muito forte tende a se tornar ainda mais fortalecida. Já o conjunto de países pobres, sem base nos investimentos tecnológicos termina por resultar em massa de resíduo que vai sendo produzido pela nova conformação mundial. Quem será que vai deter isso?

Os fóruns sociais realizados nas mais distintas partes do mundo têm assumido o protagonismo do debate e da denúncia. Falta ainda, contudo, a convergência necessária para empolgar as nações e seus povos em torno da alternativa política e econômica que não apenas desmistifica o mal estar atual, mas conceba o caminho do mundo sem massa de resíduos novos ou velhos.