Desde o acidente cerebral de Jacques Chirac, a França não mais teve uma presidência efectiva. Durante os dois últimos anos do seu mandato, ele deixou os seus ministros Villepin e Sarkozy digladiarem-se entre si. Depois, os Franceses elegeram duas personalidades que que não chegaram a personificar a função presidencial, Nicolas Sarkozy e François Hollande. Então, eles escolheram guindar Emmanuel Macron ao Eliseu, pensando, assim, que impetuoso jovem era capaz de assumir a governança.

Contrariamente às campanhas eleitorais precedentes, a de 2017 não foi alvo de debates de fundo. Quando muito, pudemos constatar que todos os pequenos candidatos (isto é, aqueles que não eram apoiados pelos grandes partidos) contestaram profundamente a União Europeia, que todos os candidatos principais içavam, esses sim, aos píncaros.

O essencial da campanha foi um folhetim quotidiano denunciando a suposta corrupção da classe política em geral, e do candidato favorito, François Fillon, em particular; uma narrativa típica de «revoluções coloridas». Como em todos estes modelos, sem excepção, a opinião pública reage apoiando o «bota-abaixismo» : tudo o que era velho estava corrompido, tudo o que era novo era certo e bom. Ora nenhum dos crimes de que todos falavam foi provado.

Nas revoluções coloridas precedentes, a opinião pública levava de três meses (a Revolução do Cedro, no Líbano) a dois anos (a Revolução das Rosas, na Geórgia) a acordar e a descobrir ter sido manipulada. Ela voltou a virar-se então para o que restava da primeira equipe. A arte dos organizadores das revoluções coloridas consiste, pois, em realizar sem espera as mudanças que os seus comanditários entendem operar nas instituições.

Emmanuel Macron anunciou com antecedência que iria reformar de urgência o Código do Trabalho, utilizando, para isso, o expediente de despachos. Além disso, ele anunciou importantes reformas institucionais: modificação do Conselho Económico e Social, diminuição —«despedimento» deveria dizer-se em termos de gestão empresarial — para metade do número de eleitos a todos os níveis, e elementos de «moralização» da vida política. Todos estes projectos se situam na linha do relatório da Comissão para a libertação do Crescimento francês de 2008, da qual Jacques Attali foi o presidente e Emmanuel Macron o secretário geral-adjunto.

O relatório da Comissão Attali (criada pelo Presidente Sarkozy) começa com estas palavras : «Este não é nem um relatório, nem um estudo, mas antes um tipo de proposta para reformas urgentes e de base. Ele não é partidário, nem bipartidário : ele é apartidário.»

O Código do Trabalho

Em relação ao Código do Trabalho, há efectivamente um amplo consenso para o adaptar às situações económicas contemporâneas. No entanto, tendo em conta os documentos preparatórios disponíveis, o Governo coloca-se fora desse consenso. Ele planeia abandonar o sistema jurídico Latino para adoptar o que está em vigor nos Estados Unidos. Um empregado e o seu patrão poderiam, assim, negociar entre eles um contrato contrário à lei. E, para que não restem dúvidas sobre a amplitude e a importância desta reforma, o sistema de ensino deverá formar crianças bilingues em Francês-Inglês no final da escola primária.

Jamais tal mudança de paradigma foi debatido em França. No máximo, foi evocado aquando dos debates parlamentares sobre a lei El Khomri /Macron de 2016. Alguns observadores tinham salientado que a preeminência das negociações de empresa sobre acordos sectoriais abria a via a uma possível viragem para o Direito norte-americano.

Tal escolha é tanto mais surpreendente quanto embora os Estados Unidos constituam a primeira potência financeira no mundo, eles foram largamente ultrapassados no plano económico por países tão diversos como a China ou a Alemanha. Além disso, se o Reino Unido respeitar o voto dos seus cidadãos, e prosseguir a sua saída da União Europeia, esta não mais será dominada pelo modelo financeiro anglo-saxão, mas antes pelo modelo económico da Alemanha.

As instituições

Em relação à reforma das instituições, é surpreendente constatar que, mesmo que as reformas previstas pelo Presidente Macron se possam mostrar excelentes, nenhuma é aguardada pelos Franceses. Ninguém tinha até agora posto em causa uma plétora de parlamentares ou vereadores. Pelo contrário, inúmeros relatórios denunciaram a acumulação de sucessivo estratos administrativos (municípios, grupos de municípios, departamentos, regiões, Estado) e a proliferação de comités inúteis(«Comités Theodule»).

Na realidade, o Presidente Macron avança mascarado. O seu objectivo a médio prazo, amplamente anunciado desde 2008, é a supressão de comunas e de departamentos. Trata-se de homogeneizar as colectividades locais francesas dentro do modelo já imposto por todo o lado no resto da União Europeia. O Eliseu, rejeitando a experiência histórica dos Franceses, considera que eles podem ser administrados como todos os outros Europeus.

A reforma do Conselho Económico e Social permanece incerta. No máximo sabe-se que se trataria ao mesmo tempo de dissolver os incontáveis «Comités Theodule» e de lhe confiar o diálogo social. O falhanço de Charles de Gaulle sobre este assunto, em 1969, leva a pensar que se esta reforma tivesse sido realizada, não seria para resolver um problema, mas, antes para o enterrar definitivamente. Com efeito, muito embora o diálogo social decorra no presente ao nível de sectores, a reforma do Código do Trabalho irá privar este diálogo de objeto concreto.

Em 1969, o Presidente De Gaulle tinha-se resignado novamente a abandonar o seu velho projecto de «participação», quer dizer de redistribuição do aumento de capital das empresas entre os seus proprietários e os seus empregados. Ele havia, pelo contrário, proposto fazer participar o mundo do Trabalho no processo legislativo. Para o conseguir, imaginara fazer a fusão do Conselho Económico e Social com o Senado, de modo que a Câmara Alta reunisse ao mesmo tempo representantes das Regiões e do mundo do Trabalho. Acima de tudo, ele havia proposto que esta Câmara não pudesse mais redigir as leis, por si própria, mas que emitisse pareceres sobre qualquer texto antes do mesmo ser debatido pela Assembleia Nacional. Tratava-se, portanto, de dar um poder de pronúncia sobre a legislação às Organizações do mundo rural e liberais, aos Sindicatos operários e patronais, às Universidades e Associações de família, sociais e culturais.

As duas prioridades que o Presidente entende aplicar antes que os seus eleitores despertem podem, pois, ser assim resumidas :
 reger o mercado do Trabalho segundo os princípios do Direito norte-americano;
 adaptar as colectividades locais às normas europeias e enquistar as organizações representativas do mundo do Trabalho numa assembleia puramente honorífica.

Além de apagar em exclusivo proveito dos capitalistas qualquer vestígio de vários séculos de lutas sociais, Emmanuel Macron irá, portanto, afastar os eleitos dos seus eleitores e desencorajá-los de se envolverem na coisa pública.

Sobre o mesmo assunto :
 “Da Fundação Saint-Simon a Emmanuel Macron”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 19 de Abril de 2017.
 “Kadima ! Em Marcha !”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 10 de Maio de 2017.
 “Macron/Libia = ‘Rothschild Connection’”, Manlio Dinucci, Tradução Maria Luísa de Vasconcellos, Il Manifesto (Itália), Rede Voltaire, 2 de Agosto de 2017.

Documento Anexo :
 Rapport de la Commission pour la libération de la croissance française, La Documentation française (2008) (Relatório da Comissão para a promoção do crescimento francês, A Documentação Francesa /2008»- ndT)(PDF – 1007.6 ko)

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Light Journalist