Caligula almoçando com o “Consul” Incitatus. O Império romano afundou-se quando os seus dirigentes deixaram de ser escolhidos pelas suas capacidades.

No decurso dos seis últimos anos, publiquei diversos artigos, muito antes dos grande média (mídia-br), avisando contra a divisão dos cidadãos norte-americanos e a subida da intolerância no seu país. Prognostiquei a inevitabilidade de uma guerra civil e da dissolução do Estado Federal.

Na prática, assistimos à escalada de novas formas de segregação, testemunhamos já uma eleição presidencial opaca, à tomada do Capitólio e a uma revista policial à casa do antigo Presidente do país. Está a democracia dos EUA morta ? Como é que este fenómeno de fundo irá evoluir ?

A democracia dos EUA

Em primeiríssimo lugar, devemos salientar a mudança demográfica e sociológica do país.

O número de pessoas que vivem nos Estados Unidos passou de 252 aquando da dissolução da União Soviética, em 1991, para 331 hoje, ou seja, quase um terço mais; 79 milhões para ser exacto. Ao mesmo tempo, a classe média dos EUA não parou de estiolar. No fim da Segunda Guerra Mundial ela representava 70% dos Norte-Americanos. Embora os critérios estatísticos não sejam consensuais, parece que hoje em dia representa menos de 45%. O número de bilionários multiplicou-se por seis desde 1991, enquanto a riqueza média medida em rendimento liquido cresceu muito pouco.

As instituições dos EUA são baseadas no princípio da Separação de Poderes enunciado por Montesquieu. Trata-se de equilibrar as decisões, distinguindo para tal o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O sistema só funciona se todos no conjunto de decisores partilharem os mesmos interesses. Já não é o caso desde a globalização, quer dizer, desde a deslocalização industrial para a Ásia e o desaparecimento das classes médias que ela provocou.

As condições sociológicas já não permitem pois ao sistema democrático funcionar.

Os Norte-Americanos estão cientes destas alterações uma vez que, desde o movimento Occupy Wall Street em 2011, muitos discursos políticos se interrogam do poder dos 1% mais ricos da sociedade. Quer dizer, da população cujos rendimentos anuais são cinco vezes superiores aos da média.

Um problema fundamental, manifestou-se durante a eleição presidencial de 2020. Hoje em dia, pelo menos um terço dos eleitores acredita que os resultados anunciados não reflectem a vontade popular. Os dois campos não cessam de se insultar, com números em apoio, mas o problema não é a contagem, é a opacidade do escrutínio. Um dos princípios fundamentais das democracias é a transparência das eleições. Ora, estas desde há muito tempo já não são verificadas pelos cidadãos em público, mas sim por funcionários, ou até mesmo por empresas subcontratadas. Desta vez, foi por máquinas e, muitas vezes, por funcionários à porta fechada.

Quanto ao fim da Separação de Poderes, o mais surpreendente terão sido os procedimentos de destituição do Chefe do Executivo pelo Legislativo (“impeachment”- ndT) com base em acusações de traição, hoje todas invalidadas. Mas, como o falhanço desses “impeachments” não resolve o problema sociológico, assistimos agora a uma busca policial à casa do mesmo antigo Presidente e à sua próxima inculpação por traição. Desta vez, o Judiciário abriga-se por trás de uma aberrante interpretação da Lei que o leva a processar a pessoa que tem o Poder de desclassificar o que queria, por se ter esquecido de desclassificar certos papéis pessoais. O carácter aloucado destes casos não escapa aos cidadãos comuns que se desligam das instituições outrora democráticas.

Uma multidão que tinha vindo manifestar-se pacificamente contra os resultados opacos da eleição presidencial, confrontou-se com uma polícia assassina e acabou por tomar de assalto o Capitólio.

O afundamento da democracia dos EUA manifestou-se com a tomada do Capitólio por uma multidão em cólera, em 6 de Janeiro de 2021.
Sabe-se agora que ela não tinha nenhuma intenção de derrubar o Congresso, mas que a polícia, comportando-se como o instrumento repressivo de uma ditadura, não procurou manter a ordem, mas sim em punir os cidadãos que protestavam. Foi só após a polícia ter atirado um manifestante que escalava fachada vários andares abaixo, causando a sua morte, que a multidão exasperada se lançou ao assalto da Assembleia Parlamentar.

Irá prosseguir este fenómeno ?

Não há nenhuma razão para que este fenómeno pare enquanto a actual composição sociológica dos Estados Unidos persistir. Os escândalos de corrupção mostram que, pelo contrário, ela vai se amplificar. Com efeito, já não se trata mais de altos funcionários abusando do seu poder, mas de indivíduos não eleitos, nem sequer nomeados, que se apropriam de um poder mais importante que o de um Senador.

Hunter Biden

Lembremos o escândalo Biden: durante a campanha presidencial de 2020, o New York Post revelava que um computador pertencente a um dos filhos do candidato democrata havia sido apreendido pelo FBI. O tabloide alegava que os arquivos apreendidos provavam, ao mesmo tempo, a vida dissoluta do jovem (o que não era nenhum mistério), como a sua corrupção e a do seu pai.

Imediatamente, uma vasta operação foi lançada para salvar a honra do candidato Joe Biden. Por um lado, o FBI recusou avançar com a peritagem do computador, por outro, personalidades da Comunidade de Serviços Secretos dos EUA espalharam o boato segundo o qual se tratava de uma desinformação russa em favor do candidato Trump [1]. Em última análise, as imputações do Post foram ignoradas pelos média e o candidato Biden foi declarado vencedor.

Dois anos passados, as alegações do Post mostraram-se exactas, novos documentos foram revelados, e o Ministério russo da Defesa russo capturou outros durante a sua operação na Ucrânia. Parece agora que:

 Hunter Biden, que contou ele mesmo o seu período de viciado, continua, na realidade, dependente das drogas. Ele está rodeado por uma camarilha de jovens que partilham a sua adição à cocaína e com os quais organiza belas festas. Sem julgar moralmente essas actividades, toda a gente pode constatar que Hunter Biden não está em estado de dirigir quaisquer empresas.
 No entanto, Hunter Biden fundou ou tomou o controlo de várias empresas importantes (Eudora Global ; Owasco ; Oldaker, Biden and Belair LLP ; Paradigm Global Advisors ; Rosemont Seneca Advisors ; Seneca Global Advisors).
 Enquanto o seu pai era Vice-Presidente e John Kerry era Secretário de Estado, Hunter Biden fundou uma sociedade com o enteado de Kerry, Christopher Heinz. Esta iniciou negócios na Ucrânia, em nome do Departamento da Defesa cujo Secretário era então Ashton Carter. Tratava-se oficialmente de avaliar os restos dos programas biológicos militares soviéticos, ou então tratava-se de prosseguir na Ucrânia as pesquisas ilegais nos EUA, tal como argumentam os Russos.
 Hunter Biden e o seu tio, James Biden, trabalharam com uma companhia petrolífera pública chinesa, a CEFC. Hunter terá assim recebido 3,8 milhões de dólares quando eles não tinham nenhum conhecimento em matéria petrolífera.
 Hunter Biden tornou-se administrador da segunda companhia petrolífera ucraniana, Burisma, muito embora não tivesse qualquer competência para isso. Auferia $ 50 mil dólares por mês.
 Desde há anos, Hunter Biden viaja permanentemente em aviões oficiais, sem relação com o seu estatuto de filho do Presidente que apenas lhe permite acompanhar seu pai no avião deste.
 Em resumo, Hunter Biden dirige ou participa em muitas empresas. Ele representa oficialmente o Departamento de Defesa e oficiosamente pelo menos o seu pai. Ele recebe somas importantes por trabalho que é incapaz de fazer.

Mesmo supondo que o Presidente Biden não esteja implicado nos negócios do seu filho, ele encobre a confusão que este mantêm entre seus negócios pessoais e a carreira política do seu pai. O que lhe permite usufruir dos meios oficiais para as suas escroquerias.

Sob o Império Romano, Calígula havia nomeado o seu cavalo cônsul. Nos Estados Unidos, o Vice-Presidente Biden encobriu as golpadas do seu filho. Hoje em dia, tendo-se tornado Presidente, ele já não goza de todas as faculdades mentais e o seu filho aproveita-se disso para continuar a fazer negócios invocando o seu nome.

Estas imputações não são mais apenas rumores. São factos apurados por relatórios senatoriais.

O enfraquecimento do Estado federal

Noutras regiões do mundo veem o enfraquecimento do Estado federal de forma diferente. Para os Russos, que passaram por várias revoluções e pela dissolução da URSS, os mal-entendidos entre cidadãos conduzirão a uma guerra civil a médio prazo. Esta desembocará numa partição dos Estados Unidos em países independentes, mais ou menos homogéneos etnicamente.

Pelo contrário, para os Chineses, que por várias vezes experimentaram o enfraquecimento da sua monarquia, os Estados Unidos irão perdurar, mas mergulharão numa forma de anarquia. Os Estados Federados conquistarão a sua autonomia e já não obedecerão realmente mais ao Estado Federal.

De qualquer forma, apenas os Ocidentais imaginam que os Estados Unidos ainda são uma democracia e que assim continuarão.


 Donald Trump Jr., o filho do Presidente Donald Trump, aborda a questão das negociatas de Hunter Biden no seu livro «Liberal Privilege : Joe Biden and the Democrats’ Defense of the Indefensible», Gold Standard Publishing (2020).
 A investigação do New York Post deu lugar a um outro livro : «Laptop From Hell : Hunter Biden, Big Tech, and the Dirty Secrets the President Tried to Hide» por Miranda Devine, Post Hill Press (2021).
 Os Senadores republicanos da Comissão da Segurança da Pátria apresentaram dois relatórios : 1- «Hunter Biden, Burisma, and Corruption : The Impact on U.S. Government Policy and Related Concerns». U.S. Senate Committee on Homeland Security and Governmental Affairs 2- «Majority Staff Report Supplemental». Committee on Finance. Committee on Homeland Security and Governmental Affairs. November 18, 2020

Tradução
Alva

[1« Public Statement on the Hunter Biden Emails », Voltaire Network, October 19, 2020.