Carlos Westendorp y Cabeza

O objetivo da política norte-americana para a Venezuela, compartilhado
pela Espanha, é o de "lulalizar Chávez" (o presidente venezuelano Hugo
Chávez).

A cândida confissão é de Carlos Westendorp, um dos diplomatas mais
experimentados da Espanha e que ocupa posto que lhe permite, em tese, fazer
tal afirmação (embaixador em Washington). Foi publicada ontem em
reportagem de José Manuel Calvo, correspondente do "El País" em Washington,
na ampla cobertura que os meios espanhóis dedicaram à cúpula entre
Chávez, Luiz Inácio Lula da Silva, José Luís Rodríguez Zapatero e Álvaro
Uribe.

Westendorp não elaborou a respeito do significado de "lulalizar", mas
não é difícil decifrá-lo: tratar-se-ia de conduzir Chávez às políticas
internas ortodoxas, como as de Lula no Brasil, e a uma política externa
mais comportada ou no mínimo a uma retórica menos incendiária, também
como Lula.

É bom lembrar que o presidente brasileiro dizia, até meados de 2002,
quando se elegeu, que a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) era a
"anexação" do Brasil pelos EUA, retórica que Chávez não abandonou. Ao
contrário: ele lançou solitariamente, exceto pelo apoio de Cuba, que não
faz parte das negociações da Alca, o projeto da Alba, em que o "c" de
Comércio na Alca dá lugar ao "b" de Boliviariana na Alba.
É pura retórica porque não há a mais remota chance de os demais países
sul-americanos aderirem à hipotética Alba. Mas é uma retórica incômoda
para os EUA.

Uma cúpula anterior, realizada em dezembro em Cusco (Peru), entre
presidentes sul-americanos, pode servir de exemplo claro do que seria
"lulalizar" Chávez.

Chávez chegou à cidade cobrando "uma integração sul-americana feita
pelos povos, e não pelos interesses econômicos".
Lula, no discurso para os
presidentes, criticou a "ansiedade" de Chávez por resultados nas
cúpulas.

Ao sair, Chávez deu o troco: "Ansiosos estão os que ainda não comeram
nada hoje, ansiosos estão os desempregados. Eu talvez seja apenas quem
lhes dê voz".

Não que Lula não pretenda, também, ser a voz dos que têm fome. Mas a
diferença de tom é visível. O brasileiro é "bem comportado" enquanto o
venezuelano segue como "revolucionário".

A própria reunião de anteontem serve de exemplo do que pode significar
"lulalizar": o presidente brasileiro defendeu seu colega venezuelano do
que chamou de "difamações" e "insinuações". É óbvio que todas as
"difamações" ou "insinuações" contra Chávez têm partido de Washington, que já
assumiu publicamente que está elaborando planos de "contenção" do
venezuelano.
Mas, ao contrário de Chávez, Lula nunca dá nome aos responsáveis pelas
acusações. Uma coisa é dizer, como Lula, que "tem muita gente falando
mal de nós pelo mundo". Outra é fazer como Chávez e acusar diretamente
os EUA de ter planos para assassiná-lo.

O porta-voz do Departamento de Estado americano Adam Ereli se recusou a
comentar o discurso de Lula. Sobre as declarações na entrevista
coletiva, Ereli afirmou que as desconhecia, mas que o Brasil e os EUA têm
"aspirações comuns" para a América Latina.

Há, no entanto, um ponto em que o próprio Lula precisa ser
"lulalizado": a ênfase no processo de integração sul-americana. Nesse capítulo, o
brasileiro e o venezuelano coincidem integralmente.
Ambos estão dispostos a usar recursos para fazer avançar projetos de
integração física e de infra-estrutura regional. O objetivo do governo
Lula é o de unir a América do Sul pelo menos (e, se possível, a América
Latina) como forma de acumular forças para negociar melhor com os países
ricos.

Washington, ao contrário, tenta atrair cada país da América Latina para
acordos bilaterais ou plurilaterais, com o que isola o Brasil.

É nesse campo, principalmente, que os dois países podem ver afetadas
relações que o assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia,
considera excelentes, talvez porque, na área econômico-financeira, Lula foi
completamente "lulalizado".

FOLHA DE SAO PAULO