Foram dois dias de discussões entre 34 chefes de Estado do continente americano, com exceção de Cuba, excluída do encontro pela Organização dos Estados Americanos (OEA). E todo esforço da diplomacia estadunidense foi em vão: o documento final da Cúpula não estabeleceu nem condições nem prazo definitivo para a retomada das negociações.

As discussões sobre a Alca foram praticamente interrompidas em fevereiro de 2004, frente às divergências entre os países quanto ao acordo. Na 4ª Cúpula, os Estados Unidos - que lançaram a idéia da Alca, em 1994, na 1ª Cúpula, em Miami - tinham como objetivo arrancar dos outros países o compromisso de que as discussões seriam reiniciadas a partir de abril de 2006.

Essa proposta se chocou diretamente com a posição dos países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e da Venezuela. As cinco nações se opuseram à inclusão de qualquer menção que implicasse prazos para negociar a Alca. A posição oficial defendida pelo presidente pro tempore do Mercosul, o uruguaio Tabaré Vázquez, foi a de que não há condições para negociar o acordo, sobretudo porque, no início de dezembro, a Organização Mundial do Comércio (OMC) vai discutir a questão da redução dos subsídios agrícolas concedidos pelos países ricos a seus produtores rurais.

Dissenso

O resultado do embate entre essas duas visões distintas foi uma contraditória Declaração da 4ª Cúpula das Américas. Por sugestão do Panamá - com apoio dos Estados Unidos e promoção do México -, o texto final contém um trecho que registra o compromisso dos países com o sucesso de um acordo da Alca “equilibrado e compreensivo, dirigido à expansão dos fluxos comerciais e, em nível global, um comércio livre de subsídios”.

Já o Uruguai - com apoio do Mercosul e da Venezuela - incluiu na Declaração um comentário dizendo que “outros membros sustentam que ainda não estão dadas as condições” para uma Alca que “leve em consideração as necessidades e sensibilidades de todos os sócios, assim como as diferenças nos níveis de desenvolvimento e tamanho de economias”.

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, interpretou o resultado como um “nocaute fulminante” do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. “Sinto o sabor do mel da vitória”, disse Chávez, já depois de ter regressado de Mar del Plata. Para o presidente venezuelano, a crítica à Alca que consta da Declaração do encontro representa um marco na história da América do Sul.

Terceira via

A disposição de aliados tradicionais dos Estados Unidos, como México, Panamá e Colômbia, no entanto, sinaliza que o projeto de criar uma zona de livre-comércio no continente ainda não foi sepultado. Em meio ao impasse, a Colômbia ventilou uma proposta logo apoiada pelo presidente mexicano, Vicente Fox, de criar a Alca, então, para os 29 países que não se opõem ao acordo - excluindo o Mercosul e a Venezuela. A proposta foi ironizada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que sabe que o Brasil é o principal alvo dos Estados Unidos nas negociações da Alca.

O texto final registra que o governo da Colômbia deverá fazer gestões com os 34 países para saber se há possibilidade de fazer avançar as discussões do tratado de livre-comércio após a reunião da OMC, em setembro. De qualquer forma, a avaliação é de que o projeto de Washington não pôde ser imposto nos termos imaginados por Bush e as distâncias verificadas entre os objetivos do Norte e do Sul deixam claro que , apesar da incondicionalidade do apoio de alguns à Casa Branca, o equilíbrio e a correlação de forças na região mudaram na última década.