Tabaré Vázquez termina seu primeiro mês de governo com um balanço positivo. Para os que se apressam a diagnosticar que a história se repete, monotonamente, feita de “promessas e traições”, o governo da Frente Ampla é mais um desafio do que uma confirmação dos maus presságios.
Tabaré Vázquez termina seu primeiro mês de governo com um balanço positivo.
Para os que se apressam a diagnosticar que a história se repete, monotonamente, feita de “promessas e traições”, o governo da Frente Ampla é mais um desafio do que uma confirmação dos maus presságios.
É certo que a responsabilidade da política econômica recaiu nas mãos de um economista moderado, que já havia manifestado sua oposição a muitas posições não apenas da Frente Ampla, mas da própria cidadania uruguaia - como os vetos à privatização, expressos em plebiscitos mais de uma vez pelo povo desse país. Porém, a equipe econômica inclui vários economistas que defendem as posições majoritárias na Frente Ampla.
Além disso, há uma outra diferença: quando fazia seu Congresso para definir o programa de governo, em dezembro de 2003, Nestor Kirchner apresentava sua proposta de reestruturação da dívida Argentina. No momento da posse de Tabaré Vázquez, Kirchner pôde exibir os resultados positivos de sua iniciativa. Se Danilo Astori, o ministro da fazenda do governo uruguaio, era chamado de “Palocci uruguaio”, sua própria presença secundária revelava que o ministério tem várias estrelas e não apenas um ou dois ministros de primeiro nível e o resto apenas como coadjuvantes.
Importante a presença da força majoritária dentro da Frente Ampla, o Movimento Participativo Popular (MPP), continuidade política dos Tupamaros - como disse a presidente da Câmara de Deputados, Nora Castro, que não aceita que sejam chamados de “ex-tupamaros”. Seu dirigente mais carismático, histórico quadro da resistência armada, que esteve entre os presos reféns da ditadura militar, José Mujica, ocupa a importante pasta da Agricultura, responsável pela reforma agrária - tema essencial pelo peso que a produção no campo tem para o Uruguai. Para demonstrar sua disposição de contrariar interesses dos poderosos para atender a reivindicações populares, Mujica dispôs uma diminuição do preço da carne, dadas as altas margens de lucros dos produtores.
Ao terminar o primeiro mês do novo governo, o ministro da Justiça deu várias entrevistas, sobretudo porque um dos temas privilegiados pela direita é o da segurança pública. Para combater a superpopulação carcerária, José Diaz determinou a libertação de todos os detidos que já tenham cumprido parte substancial da sua pena. Assumiu a necessidade de mudar o caráter social das políticas de segurança pública. De suas declarações vale a pena destacar alguns parágrafos, da entrevista publicada no semanário Brecha, com o título de primeira página: “De esquerda e sem complexos”: “Eu falava justamente que este novo governo expressava, do ponto de vista social, interesses distintos dos governos anteriores, que eram a expressão política das classes dominantes. Desse ponto de vista nós somos a expressão política das classes excluídas, postergadas, dos trabalhadores, e assim pensamos as coisas dessa perspectiva. Assim como os governos anteriores pensavam na perspectiva das classes dominantes, dos empresários e outros setores afins, nós temos a perspectiva dos pobres, dos trabalhadores, dos oprimidos.”
“As classes dominantes sempre - de alguma maneira é esse o direito penal - penalizam, castigam a pobreza, castigam duramente os delitos que cometem os pobres. É excepcional que haja integrantes das classes dominantes no sistema carcerário. Nós vamos colocar o acento no delito organizado, no delito mafioso, que é em geral o delito do colarinho branco, de gente de muitos recursos que opera na sociedade e causa muito mais danos à economia e à sociedade que o delito comum. O clã dos Peiranos (os maiores banqueiros uruguaios, presos, aos quais o novo governo tirou os privilégios que gozavam no cárcere), por duas vezes na história, saqueou o país e o deixou ao borde da crise econômica, bancária e política. Acabamos de deter um grande operador da droga, um homem imensamente rico através do delito organizado e mafioso. Não é casual que nos primeiros vinte dias de gestão do governo se tenham feito as maiores intervenções dos últimos tempos no nosso país. E seguirá sendo assim, porque a Secretaria Antidrogas já recebeu meu total apoio, inclusive antes de assumir, e vai ter tudo o que precise do nosso Ministério.”
Conforme suas declarações na posse, Tabaré Vázquez decretou que se façam escavações nos quartéis, para verificar a denúncia de que muitos dos mortos desaparecidos foram enterrados ali. Várias medidas de combate à corrupção estão sendo postas em prática e o governo assumiu o compromisso de que o plano social emergencial terá um caráter transitório, na direção de políticas mais sistemáticas e permanentes.
O novo governo enfrenta grandes dificuldades, a ponto de o mais importante analista de esquerda do Uruguai - ele mesmo um grande dirigente desse setor -, Hugo Cores, na sua coluna às segundas-feiras no jornal La República, chamar a atenção não apenas para a necessidade de um plano social de emergência - como o que o governo adotou -, mas de um plano de emergência para todo o país, tal a herança pesada que recebeu.
Cores chama a atenção para o maior problema que terão que enfrentar: o da mobilização popular. Quando a direita, cujos interesses começam a ser afetados seriamente, começar a reorganizar suas forças e a retomar a iniciativa, o destino do governo da Frente Ampla dependerá do apoio popular para seguir em frente na sua política de resgate do país.
As eleições municipais do próximo mês se fazem ainda no clima de vitória da Frente Ampla e devem não apenas eleger para o quarto mandato um prefeito de esquerda para Montevidéu como ampliar seu triunfo para novas cidades do interior do país. O contexto regional também favorece o novo governo, que terá que aproveitar este primeiro ano, de lua-de-mel, para quebrar resistências básicas da direita, que havia governado o Uruguai ao longo de toda sua história, até a vitória da Frente Ampla.
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