“Quando o Peru se estrepou?”

A pergunta, de um dos personagens centrais daquele que é, de longe, o melhor de Vargas Llosa – “Conversa na Catedral” – espelha o sentimento geral dos peruanos em relação ao destino do seu país. Desde então, outras tantas vezes a frustração tomou conta deles, inclusive quando o escritor, com um programa neo-liberal ortodoxo foi derrotado por um out-sider, de origem japonesa, Alberto Fujimori, que o derrotou e roubou o seu programa.

O Peru passou por alguns dos piores momentos da sua história, entre a “guerra suja” contra o Sendero Luminoso, o fechamento do Congresso e do Judiciário, a gigantesca máquina de corrupção da máquina montada pelo seu PC Farias – Alejandro Montesinos. Fujimori foi o presidente que correspondeu, no Peru, a Menem na Argentina, a Salinas de Gortari no México, a Carlos Andrés Perez na Venezuela, a Sanches de Losada na Bolívia, a FHC no Brasil. Foram os grandes aplicadores do drástico modelo de ajuste fiscal elaborado pelo FMI e pelo Banco Mundial e que, através do “pensamento único” e do “Consenso de Washington”, foram aplicados indiscriminadamente como as soluções para a crise dos nossos países.

Quando conseguiu se ver livre de Fujimori, o Peru recaiu nas mais de novo out-sider aventurero – Alejandro Toledo -, que renovou o modelo neoliberal, em meio a uma nova onda de corrupção.

É nessas condições que o Peru chega às eleições presidenciais atuais, com três candidatos, em meio a uma lista interminável de pretendentes. A que aparece como a mais integrada às elites tradicionais – as que estreparam o Peru -, é a seguidora dos modelos preconizados por Vargas Llosa, Fujimori e Toledo: Lourdes Flores. Como é de moda no continente, seja para candidatos de centro, seja de direita, busca analogia com Michele Bachelet – a simpática e moderada presidente chilena -, mas seu receituário é escandaradamente liberal. Erigida a queridinha dos grandes empresários – uma espécie de Irene Saez venezuelana, derrotada por Hugo Chavez -, Lourdes foi favorita em grande parte da campanha, mas perdeu força sua candidatura na reta final e agora luta para chegar ao segundo turno.

Alan Garcia foi um jovem e combativo presidente peruano nos anos 80, mas seu governo terminou em desastres, entre corrupção e hiper-inflação, preparando o caminho para os modelos neoliberais que o sucederam. Agora ele volta, mais moderado, à cabeça dos restos do que foi o grande partido popular do Peru, tentando projetar uma imagem de centro-esquerda. Luta por chegar ao segundo turno com Lourdes Flores.

Ollanta Humalla é a grande novidade da eleição peruana. Já se falou tudo sobre ele e o seu oposto. De militar nacionalista a torturador. De novo Hugo Chaves a novo Alejandro Toledo ou Fujimori. O certo é que catalizou o sentimento de rebeldia popular – especialmente das camadas mais pobres da população, da periferia de Lima, mas principalmente do interior e do campo, majoritariamente indígenas – e avança no vácuo aberto pelos triunfos de Hugo Chaves e de Evo Morales. Com um programa nacionalista, desenvolvimentista, de distribuição de renda, assumiu o espaço de luta contra o neoliberalismo, o que lhe permitiu passar a ser o candidato favorito e que assusta o grande empresariado e o governo dos EUA.

Depois da “surpresa” da vitória esmagadora de Evo Morales no primeiro turno, toda cautela é necessária diante das pesquisas, que acentuam o favoritismo de Ollanta para chegar ao segundo turno, mas não confirmar as suspeitas de que ele possa liquidar as eleições neste domingo. Estas suspeitas se fundamentam no mesmo fenômeno boliviano – o voto dos mais pobres que, ou não são ouvidos pelas pesquisas, ou escondem sua opção de voto pelo candidato adversário das elites tradicionais.

Poderá o Peru se desestrepar com as eleições de amanhã ou com um eventual segundo turno? O único que aponta para isso é Ollanta. Garcia já foi presidente e hoje é uma pálida caricatura do que foi. Lourdes Flores é o continuísmo do Peru estrepado. Se os ventos do nacionalismo indigenista chegam ao país de Mariategui, será por uma via inesperada para o grande marxista peruano, mas como a velha toupeira sempre surpreende, pode ser que o Peru seja sua nova e surpreendente aparição.