As primeiras evidências surgiram em 2001, mas até hoje as autoridades dos EUA e as empresas de biotecnologia esforçam-se para escondê-las embaixo do tapete. A última manobra foi tentar desautorizar uma equipe de especialistas da Universidade da Califórnia, Universidade Nacional Autônoma do México e Universidade Estadual de Ohio. Eles foram contratados para investigar e sugerir medidas para conter a contaminação, por transgênicos, das variedades tradicionais de milho mexicano. Mas, como o que dizem incomoda, estão sendo censurados pelos senhores do comércio.

A cargo da produção do estudo esteve o conselho da Comissão para a Cooperação Ambiental (CEC, na sigla em inglês), uma organização que reúne os países-membros do NAFTA, o acordo de livre comércio que envolve firmado por Canadá, Estados Unidos e México. A demanda veio de grupos ambientalistas e comunidades indígenas mexicanas, preocupadas com o impacto causado pela introdução de variedades transgênicas de milho sobre as variedades locais. O México é a principal fonte de biodiversidade de variedades de milho e seu cultivo faz parte da história e da memória cultural dos indígenas. Para a realização do estudo, a CEC contratou uma equipe independente de pesquisadores que submeteram os resultados ao parecer de outros cientistas.

Para o meio ambiente, mais pesquisas

O relatório da CEC é incisivo no quesito meio ambiente. Pede mais investigações sobre os efeitos no sistema rural e na biodiversidade mexicana. “É urgente examinar e avaliar os efeitos diretos e indiretos do cultivo de milho geneticamente modificado na flora e na fauna -muitas muito úteis- que se formam em torno do milho das milpas [sistema de agricultura familiar intensiva do México], de outros sistemas agrícolas mexicanos e na biodiversidade das comunidades naturais vizinhas”, afirmam os pesquisadores no item 5 das recomendações com relação à biodiversidade. O documento contesta, portanto, a idéia de que os testes ambientais já realizados nos EUA são suficientes para justificar a liberação imediata do produto.
O milho no México é muito mais do que uma mera atividade econômica. Além de essenciais para o grande número de famílias que ainda praticam a agricultura de subsistência, seu cultivo e sua variedade são importantes culturalmente para o país.

O que mais incomoda as corporações cadadenses e estadunidenses é a sugestão para que todo o milho vendido ao México seja rotulado. A comercialização de sementes de milho transgênico no país é proibida. Entretanto, não há controle algum sobre os grãos que são exportados como alimento. Boa parte acaba, inadvertidamente, sendo plantada em conjunto com as variedades tradicionais. O relatório aponta que até mesmo os grãos oferecidos pela autarquia mexicana encarregada da distribuição de alimentos à população pobre seria alvo de contaminação. Os pesquisadores contratados pelo CEC pedem que todo o milho não-testado que chegue ao México seja rotulado como geneticamente modificado e moído, o que impediria seu uso como semente.

Dores de cabeça na OMC

Quem revelou as conclusões dos cientistas foi o Geeenpeace. Ao invés de publicar os estudos, autoridades norte-americanas têm procurado ocultá-lo do público. O expediente usado para isso é pedir a “revisão” das conclusões. A adminstradora assistente da Agência de Proteção Ambienta (EPA, em inglês), Judith Ayres, chamou de imprevisível e opaco o processo de produção do estudo. Segundo ela, não teria havido oportunidade para a adequada crítica de outros especialistas e para o envio de informações por parte dos países membros do NAFTA.

O governo canadense também refutou o estudo, por meio de seu equivalente ao Ministério do Meio Ambiente, a Enviroment Canada. As críticas são pontuais e não afetam o cerne do documento. São assinadas por Norine Smith, assessora do ministro. “Em geral, consideramos os achados chave do relatório balanceados e consistentes com o nosso entendimento científico, nosso marco regulatório e de acordo com os padrões internacionais”, afirma. As autoridades canadenses questionam são as recomendações contidas no documento.

O Greenpeace antevê problemas para os EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC). “O reconhecimento de riscos ambientais reais trazidos pelo milho transgênico e a conseqüente recomendação para que todo milho vindo dos EUA seja moído significam um claro dano na posição estadunidense contra a Europa na OMC. Não é nenhuma surpresa a tentativa de evitar a publicação do relatório”, afirma Doreen Stabinsky, do Greenpeace Internacional. Os EUA (junto com o Canadá e a Argentina) questionam, na OMC, o embargo aos produtos trangênicos imposto pelos países europeus. Para os Washington, esse embargo teria razões mercadológicas enquanto os Europeus afirmam não haver evidências de que as variedades transgênicas não afetem o meio ambiente.

O relatório produzido a pedido da CEC está pronto desde 31 de agosto. Pelo seu conteúdo, Canadá e Estados Unidos estariam tentando retardar sua publicação. De acordo com a CEC, ele foi enviado, em uma versão atualizada - ou seja, depois dos comentários do Canadá e dos Estados Unidos - a autoridades do meio ambiente de México, Estados Unidos e Canadá em 13 de setembro. Normalmente, a publicação do documento deve acontecer 60 dias após o envio. Mas as autoridades dos três países podem decidir livremente sobre se e quando o irão publicar.

Publicado em www.planetaportoalegre.com