A região andina da América Latina continua vivendo um clima de efervescência política. O destino do petróleo e do gás boliviano voltou a ser motivo de intensos protestos de rua, em La Paz. Cerca de 10 mil indígenas, camponeses e sindicalistas saíram às ruas, segunda (16), em protesto contra a Lei de Hidrocarbonetos, aprovada pelo Parlamento.

A lei, que aumentou em 32% a tributação das empresas petrolíferas, é considerada muito tímida pela oposição.
Logo após a aprovação, o presidente Carlos Mesa chegou a dizer que vetaria o projeto, não por concordar com a oposição, mas por achar que ele pode afuguentar investimentos estrangeiros no país. A situação é de indefinição, abrindo espaço para novos protestos e mobilizações.

A oposição está dividida: uma parte quer a nacionalização da indústria petroleira, sem indenização para as atuais empresas transnacionais que operam no país. Essa reivindicação representa uma radicalização da posição anterior, que defendia que 50% dos lucros do setor ficassem em mãos do povo boliviano. Outro setor da oposição defende a anulação dos contratos firmados com empresas estrangeiras, entre elas a brasileira Petrobrás.

No dia 13 de maio, um carro-bomba explodiu próximo à sede da Petrobras, localizada na cidade de Santa Cruz de la Sierra, a 900km de La Paz, sem deixar vítimas. O grupo Frente Patriótica Anticorrupção assumiu a autoria do atentado e alertou que vai promover outros atos ainda mais destrutivos até conseguir “que o petróleo boliviano seja explorado pelo Estado boliviano”.

A Petrobras é uma de 12 companhias petrolíferas estrangeiras na Bolívia que podem ser afetadas pelo aumento de impostos, estabelecido pela nova lei. Além de explorar jazidas de petróleo e gás natural no sudeste do país, a empresa brasileira opera uma rede de postos de gasolina nas principais cidades do país.

Nos protestos de rua de segunda, a polícia e forças militares interviram com jatos de água e bombas de gás lacrimogêneo para dispersas os manifestantes e evitar uma invasão do Congresso. Praticamente todos os estabelecimentos comerciais da capital fecharam suas portas. Os protestos são liderados pela Central Operária Regional e pela Federação de Juntas Vicinais de El Alto, foco dos protestos populares que derrubaram o governo do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, substituído por Carlos Mesa.

Mudou o governo, mas os problemas continuam os mesmos, o que está levando o país à beira de uma insurreição popular. De um lado, os setores políticos ligados às elites bolivianas que sempre governaram o país e que estão associadas às empresas petrolíferas estrangeiras. Do outro, indígenas, camponeses e sindicalistas que querem mudar os rumos do país. Ao fundo, um país onde a maior parte da população, de origem indígena, vive na pobreza, apesar da riqueza gerada pela exploração do gás e do petróleo.

Governo Mesa sob risco

A nova onde de protestos coloca em xeque o futuro político de Mesa, um ex-apresentador de televisão e, mais tarde, empresário do setor de comunicação, que entrou na política pela via do espetáculo. Depois da queda de Lozada, em outubro de 2003, Mesa, assumiu a chefia do país para permanecer na presidência até 2007. Sem tradição partidária, Mesa não se aliou a nenhum partido político, o que acabou enfraquecendo seu governo.

Hoje, pressionado pelos movimentos sociais e pelos partidos, o governo Mesa está imobilizado, já tendo recorrido à renúncia para se manter em pé. Se os movimentos indígenas cumprirem o que anunciaram nos últimos dias, sua sobrevivência política pode estar ameaçada. No parlamento, deputados de vários partidos já defendem a antecipação das eleições marcadas para 2007. Eles temem uma nova explosão social no país, de conseqüências imprevisíveis.

E as mobilizações de rua devem aumentar. No dia 9 de maio, o Movimento ao Socialismo (MAS), principal partido da esquerda boliviana, e um conjunto de organizações sociais assinaram um pacto de união para retomar as mobilizações em defesa da nacionalização dos hidrocarbonetos. O MAS iniciou nesta segunda um protesto em Caracollo e dirige-se também para La Paz, distante 190 km. Outro grupo iniciou uma caminhada em Cochabamba para unir-se aos manifestantes liderados pelo líder cocalero e deputado Evo Morales.

Anulação de contratos

Além da reforma na Lei de Hidrocarbonetos, a oposição também defende a realização de um referendo sobre a autonomia do Departamento de Santa Cruz e a convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Em janeiro deste ano, uma assembléia popular criou um governo local autônomo provisório para a região, maior pólo econômico da Bolívia.

Evo Morales responsabilizou diretamente Carlos Mesa pela “divisão do país”, referindo-se ao referendo de Santa Cruz e à Lei de Hidrocarbonetos. Ao contrário da Central Operária, que defende a nacionalização sem indenização, o MAS quer que os contratos atuais sejam cancelados e que o Estado tenha maior controle sobre a exploração de petróleo e gás, nos novos contratos.

A anulação de contratos petroleiros pelo Tribunal Constitucional do país permitiu ao MAS iniciar um processo de responsabilidade contra os ex-presidentes Jorge Quiroga y Gonzalo Sánchez de Lozada pela execução de 76 contratos inconstitucionais. O argumento do MAS e de organizações indígenas e campesinas afirma que, se os contratos são nulos, as empresas beneficiadas devem ir embora e o Estado deve assumir suas operações.

Diante desse quadro, várias empresas estrangeiras anunciaram que podem interromper seus negócios no país. A tensão e a incerteza dominam o cenário político boliviano. As lideranças das organizações indígenas e camponesas dizem que chegou a hora de as riquezas geradas pelos recursos do país ficarem na mão dos próprios bolivianos. Ume velha história da América Latina que mais uma vez se repete, com um desfecho imprevisível.