A cúpula do G8, grupo dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia, que começa no próximo dia 6 em Gleneagles, cidadezinha escocesa próxima à capital Edimburgo, deve mobilizar milhares de ativistas europeus por três pautas básicas: alívio da dívida externa dos países mais pobres do mundo, principalmente africanos, mais ajuda humanitária para o terceiro mundo e regras mais justas de comércio.

Apesar da pauta da reunião se estender por mais de 100 itens, o governo do primeiro-ministro britânico Tony Blair, anfitrião do evento, vem propagandeando que o foco da cúpula deste ano deve ser a pobreza na África e o aquecimento global, temas que, no entanto, não vêm sendo tratados com entusiasmo por lideranças como George W. Bush, o principal opositor do Protocolo de Quioto sobre mudanças climáticas.

Mais a cara de Bush seriam outros pontos-chave do G8, como cooperação internacional no combate aos crimes de imigração, tráfico internacional de armas de fogo, combate de crimes de alta tecnologia, combate ao terrorismo internacional e cooperação judicial e assistência legal mútua na investigação e julgamento do crime organizado transnacional e do terrorismo.

A força motriz das organizações sociais articuladas no movimento “Make Poverty History” (Faça da pobreza história, que congrega grandes ONGs como Oxfam, Greenpeace, Water Aid, Cristian Aid, Action Aid, Campanha Jubileu e outras 200 entidades), no entanto, foi a recente reunião de ministros da Fazenda do G8 no último dia 11 de junho, em Londres, quando foi anunciado o cancelamento da dívida de 18 países (14 africanos e 4 latino-americanos) com o Banco Mundial, o FMI e o Banco Africano de Desenvolvimento, e a afirmação do ministro inglês, Gordon Brown, de que outros países poderiam ser incluídos na lista.

“Estamos de certa forma otimistas com o debate da dívida. Também em relação à ajuda humanitária. Ano passado, por exemplo, a Inglaterra destinou 0,36% de seu PIB para ajuda ao terceiro mundo. Agora, Blair prometeu aumentar essa quota para 0,47% (segundo a ONU, a ajuda deve ser de 0,7%). Já em relação às regras de comércio, não esperamos muita coisa. É a parte mais difícil de se mudar”, explica o coordenador de campanhas da Oxfam, Richard English.

Protestos festivos

Coberto de barro dos pés à cabeça, English e a reportagem da Carta Maior se encontraram no último final de semana no maior festival de música e artes performáticas da Europa, o Glastonbury Festival, que adotou a campanha “Make Poverty History” como principal bandeira desta edição.

Ocupando mais de cinco alqueires de uma fazenda de gado, o Glasto Fest (que completou 35 anos em 2005 e que, nos últimos anos, reforçou seu caráter de evento politizado), acabou submergindo em um mar de barro logo no primeiro dia, quando uma forte chuva levou a pique milhares de barracas (único alojamento do festival).

Mas o lamaçal não esfriou o ânimo dos mais de 150 mil participantes, grande alvo do Make Poverty History, que instou a multidão a se juntar aos protestos contra a pobreza mundial no próximo dia 2 de julho, quando espera reunir mais de 200 mil pessoas em um grande ato em Edimburgo.

Para reforçar este chamado, os organizadores do evento pararam o festival por um minuto no dia 25, em homenagem “às milhares de crianças que morrem de fome diariamente”, e aproveitaram para convidar a multidão a participar de uma série de shows em Londres, Paris, Berlim, Roma e Filadélfia, organizados pelo roqueiro Bob Geldof. O Live 8, como está sendo chamado (uma referência ao Live Aid, também organizado por Geldof em 1985 contra a fome na Etiópia) desta vez quer que a opinião pública pressione o G8 a combater a pobreza na África. Grupos e estrelas como Pink Floyd (reagrupado especialmente para a ocasião), U2, Elton John, Mariah Carey, Sting, Coldplay, Madonna, Paul McCartney, REM, Scissor Sisters, Robbie Williams, Paul McCartney, Bon Jovi, Maroon 5, P. Diddy e Stevie Wonder, entre outros, já prometeram participar.

"Quero que vocês pensem que podem mudar as condições da população mais castigada deste planeta", disse Geldof depois do minuto de silêncio em Glastonbury. Já para English, o envolvimento de grandes astros da música acaba envolvendo também os fãs. “Queremos fazer pressão sobre os governos do Norte e ajudar os do Sul nas negociações sobre comércio, dívida e ajuda humanitária. Nós não somos contra o G8, somos a favor de mudanças em sua linha política. Se os recursos mundiais forem divididos de forma igualitária, chegamos onde queremos chegar”, diz o coordenador da Oxfam.

De espanador na mão e lenço na cabeça, a coordenadora da Campanha contra a Dívida da Campanha Jubileu, Caroline Pearce, que, com outros ativistas, percorreu o festival com balde e pano de chão para “tirar a dívida (externa) do caminho”, também defende que os países pobres tenham mais autonomia em relação às políticas internas de desenvolvimento, e acredita que isto só ocorra se os governos dos países ricos forem pressionados por dentro.

Raiz do problema

Dentre os 10 grandes palcos de Glastonbury, onde tocaram simultaneamente bandas como White Stripe, Coldplay, New Order, Echo and the Bunnymen, Van Morrison e milhares de outras mais ou menos conhecidas, o ponto de encontro dos politizados foi o Left Field, onde se concentraram os estandes de várias ONGs e onde ocorreram debates políticos sobre globalização, imigração e pobreza.

Uma das personalidades mais esperadas e que lotou a grande tenda do Left Field no dia 26 foi o ex-deputado e ministro do partido trabalhista Tony Benn, de 70 anos, uma das mais conhecidas vozes de oposição à esquerda ao atual governo. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Benn, grande apoiador das mobilizações do Make Poverty History, reconheceu que, apesar do marketing positivo, a campanha não mexe com as raízes do problema da pobreza no terceiro mundo.

“A questão não é só sermos gentil com os pobres, com mais ajuda humanitária e alívio das dívidas externas. O problema é que os oito líderes do G8 não vão mexer nas questões políticas que produzem a pobreza. Não é como se em não aceitando o livre mercado aqui na Europa não estaríamos aceitando-o nos países pobres. É justamente o inverso. E nisso não vão mexer, nem com a maior pressão. Mas, nessa altura do campeonato, alívio das dívidas ainda é melhor do que nada”, avalia Benn, para quem o fundamental também é a “distribuição dos recursos para que não se aprofunde a divisão entre ricos e pobres”.

No entanto, o discurso das “melhorias pontuais” ou da “caridade”, como alguns movimentos taxaram a campanha Make Poverty History, e uma relação bastante cordial com o governo britânico (que tirou dos protestos contra o G8 toda e qualquer menção à guerra do Iraque, por exemplo), têm estimulado críticas em vários setores.

“O cerne da questão é que as grandes ONG não estão pressionando seriamente os governos do G8”, escreveram os ativistas Denis Brutus, da Campanha Jubileu Sul, Patrick Bond, professor da Universidade KwalaZulu, de Durban, e Virginia Setshedi, do Instituto pela Liberdade de Expressão de Soweto, África do Sul.

Segundo eles, há uma certa incoerência na construção de um movimento de cima para baixo, que, em nenhum momento, levou em conta as lutas dos movimentos sociais de base dos países em desenvolvimento, como a Via Campesina (pela agricultura), a plataforma Global de luta pela Água, a Campanha Jubileu Sul contra a dívida, e o movimento Nosso Mundo não está à venda, contra o livre comércio, entre muitos outros.

As críticas também foram ácidas por parte da jornalista Naomi Klein. “Um milhão de pessoas estão indo para Edimburgo usando as fitinhas brancas [da campanha Make Poverty History, com cujas vendas a Oxfam já arrecadou mais de 3,5 milhões de libras] para se dar as mãos formando um grande bracelete em torno da cidade. Todos usarão um bracelete e serão um bracelete.

Estão excitados com isso? Sempre tive preocupações que essas grandes ONGs estão menos interessadas em contestar o poder do que atuar como acessórios dele. Mas ser um bracelete do G8 leva isso um pouco longe demais”, declarou Klein durante uma conferência em Durban. Segundo ela, o momento seria não de adornar o G8, mas “apertá-lo, pressioná-lo, juntar-se aos movimentos de base do terceiro mundo e suas lutas cotidianas contra as políticas neoliberais que matam milhões por dia, como forma de prestar uma solidariedade concreta e perene”.

Um pouco na mesma direção, outras ONGs, como a War on Want, estão organizando uma cúpula paralela ao G8 no dia 3 de julho em Gleneagles, “explicitamente desafiando a ordem mundial representada pelo G8 e discutindo alternativas genuinamente democráticas para um futuro melhor. Desta vez, eles [líderes do G8] podem corre, mas não podem se esconder”, diz um comunicado da entidade.

Carta Maior