VI FSM Caracas, Venezuela, Foto: Ricardo Infante

Jesus Alberto Suarez del Solar tinha 20 anos, e como muitos outros jovens de Escondido, condado semi-rural da Califórnia, sentia-se limitado e entediado com a vida de “latino”, de minoria, no mais rico estado da União Americana. Ironicamente, em face de outros americanos, Jesus era considerado minoria – como outros quase trinta milhões de mexicanos dos Estados Unidos, exatamente nesta Califórnia, ex-território do México. Jesus queria viajar, conhecer o mundo, soltar amarras e, talvez, ao voltar aos Estados Unidos, utilizar-se das facilidades oferecidas pelo o governo para ir à universidade. Jesus alistou-se na US Navy, tornando-se cabo do 1o. Batalhão Mecanizado de Reconhecimento, lotado em Camp Pendleton, na sua própria Califórnia. Em 27 de março de 2003, Jesus – e outros três companheiros – foram abatidos “por fogo inimigo” no Iraque.

Hoje, aqui em Caracas, num ritual pela memória de seu filho, Don Fernando Suarez nos conta a história de Jesus. Um muchacho, um jovem, como tantos outros, e que como outros 2500, encontrou a morte na guerra de Bush no Iraque. Don Fernando sabe bem que não trará seu filho de volta... Sua voz, embargada, reconhece a fatalidade da perda, sua irreversibilidade. A imensidão do drama pessoal, contudo, se transmuta em ação política, em projetos de futuro e em resposta indignada contra a Administração Bush.

Ao contrário de Cindy Sheehan – que também perdeu seu filho, Casey, na guerra de Bush – Don Fernando não consegue manter uma postura olímpica. A emoção, e a dor, se estampam em seu rosto e escorrem por sua voz, alta e marcada pela emocionalidade latina. Nada mais pode fazer por Jesus, senão honrar sua memória, mas pode fazer por todos os outros jovens, americanos e iraquianos, que diariamente estão sob a ameaça muito real de ter o destino de Jesus. Don Fernando não mede palavras: a guerra no Iraque é criminosa e Bush mentiu descaradamente para justificá-la. Nada pode ser comprovado sobre a existência de armas de destruição maciça e os pretensos laços de Saddan Hussein com o 11/09 não foram jamais evidenciados. Em suma, Bush mentiu criminosamente e deve ser denunciado como o responsável pela perda das vidas, americanas e iraquianas, em curso naquele país.

Don Fernando não quer transformar sua luta em um lamento por Jesus. Pensa no futuro, em projetos futuros. Um deles, o livro “Adicto a la Guerra”, sob linguagem de história de quadrinhos, para ser distribuídos em escolas e “high school”, já foi traduzido para o espanhol, árabe e japonês... A preocupação maior de Don Fernando é a ação de oficiais das forças armadas, escolhidos seletivamente (por seu porte físico e linguagem próxima dos jovens pobres e das minorias ), para “visitar”as escolas americanas em busca de conscritos. Com apoio de diretores e mestres, entram nas salas de aula e narram o clima de camaradagem nos “barracks”, os torneios esportivos, toda a gala dos uniformes e festas, além das possibilidades de conhecer o mundo e viajar para países exóticos (embora cuidem de não pronunciar a palavra “Iraque”).

Ao mesmo tempo, oferecem as facilidade de bolsas de estudo e planos de saúde para o retorno ao país. Uma oferta valorosa, num país em que pobres não freqüentam a universidade e não possuem cobertura médica. Jesus foi um dos estudantes que foi convencido por tal preleção... E é contra tal pregação – enganosa, chantagista e feita num local absolutamente inadequado, as escolas – que Don Fernando dirige sua cólera. Viajando por todo os Estados Unidos, e pela América Latina, dirige uma mensagem muito próxima da filosofia do FSM: um outro mundo é possível. Será possível, insiste Don Fernando, quando as escolas oferecerem livros, em vez de armas, para seus alunos! Este outro mundo deverá ser tolerante e pacífico, respeitar todas as religiões e raças, todas as opções sexuais, políticas e filosóficas.

Esta é a guerra que Jesus legou ao seu pai...

A guerra de Pablo Paredes

Ao lado de Don Fernando está Pablo Paredes, jovem novaiorquino, latino – que se proclama afro-descendente, embora pelos padrões latino-americanos seja branco (?) – filho de portorriqueno com uma equatoriana. Como Jesus, Pablo acreditou que as forças armadas seriam uma saída para o clima de marginalidade e exclusão de Nova York. Engajou-se na US Navy, queria conhecer o Japão e, mais tarde, ir para a universidade. Aos poucos percebeu, porém, o clima de preconceito das forças armadas, como ademais na própria escola americana. A cultura e história da América Latina eram relegadas, em nome de valores exclusivamente americanos. Pablo iniciou sua ação crítica, enfrentando os preconceitos no interior mesmo das forças armadas. Para silenciá-lo começaram as ameaças de ser enviado ao Iraque. Ante a resistência de Pablo, as autoridades militares designaram-no para uma das mais perigosas áreas da resistência iraquiana.

Pablo, coerente e forte, fez o que sabia fazer: resistiu! Foi levado à corte marcial, tornando-se no primeiro objetor de consciência das forças armadas americanas na guerra do Iraque. Cumpriu três meses de trabalhos forçados e mais dois de prisão fechada. A pressão popular nos Estados Unidos e o movimento anti-guerra tornaram seu caso mundialmente conhecido. A figura de Mohamed Ali acompanhava, então, a consciência de Pablo, ciente que as acusações de anti-patriotismo ou de covardia transformavam-se em seu contrário. Aí, em sua resistência, estava a verdadeira coragem de Pablo, sua fortaleza e seu bom combate.

Com Pablo ergueram-se pontes entre o passado e o futuro: a guerra no Vietnã, com seu caráter de apartheid, mandando milhares de negros pobres para a morte enquanto poupava brancos com matrículas nas caras universidades americanas, espelha-se nesta nova guerra, quando latinos pobres substituem a classe média branca americana. Para Pablo as relações entre a Guerra do Vietnã e a Guerra do Iraque são evidentes e centram-se na palavra “imperiaslismo”. Cindy Sheehan, ao lado de Pablo, emenda: “...os Estados Unidos não inventaram o Imperialismo, contudo o aperfeiçoaram!”.

Cindy, Hilary e "Condy": Mulheres americanas

Pelo salão do Caracas Hilton mulheres em rosa – do Pink Code -, com camisetas onde se “Women Say No to War”, organizam a entrevista coletiva de Cindy Shehan. Cindy tornou-se um símbolo mundialmente conhecido da militância anti-guerra quando pediu uma audiência a Bush, que recusou. A partir daí acampou em face do sítio texano do presidente em Crawford, por onde Bush passava todos os dias com os vidros blindados do carro fechados. A partir de então, embora não só por isso, a popularidade de Bush e de sua guerra despencaram. Cyndy, que perdeu Casey no Iraque, ganhou o respeito e o amor de milhões de americanos e de militantes anti-guerra em todo o mundo.

Depois de várias intervenções, perguntei a Cindy se a chegada de Hillary Clinton ou Condoleeza Rice ao poder seria uma saída “feminina”, uma abordagem feminista do poder? Cindy repetiu a pergunto e disse-me: It’s a Question very close to my heart... Sorry, the answer is No. Por quê? E neste momento o distanciamento olímpico da brava americana cede: “...estas chamadas “mulheres”- e Cindy faz, com as mãos, o gesto de aspas! – não possuem espírito materno, não amam seus filhos e os filhos de outras mulheres, não possuem compaixão em seus corações. Para Cindy, Hillary e “Condi”estão no campo do machismo belicista, anti-feminino e anti-compassivo.

Pablo abraça discretamente Don Fernando... exaltado ao falar dos crimes de Bush. Forte, diz em voz compassada que quer ter em Dom Fernando “um pai”. Os olhos do homem mais velho estão marejados... Naquele momento Pablo é o seu filho, o filho possível. Ao seu lado Cindy mostra-se distante, uma sombra passa por seus olhos, sua postura é cívica, política e desprovida de ódio ou de vingança. Contudo, bem no fundo, a fixidez dos músculos faciais recobrem a dor. Onde estava, em que mundo feliz, viajava, Cindy Sheehan...