A luta pelo reconhecimento da água como direito humano já tem sua caminhada e é defendida, sobretudo, por Ongs, Igrejas, Movimentos Sociais e defensores dos direitos humanos. Sofre resistências dos governos locais, organismos multilaterais e transnacionais da água. Mas no México aconteceu uma novidade. Sob o governo de Evo Morales a Bolívia criou um Ministério das Águas. Esse Ministério é fruto da luta contra a privatização dos serviços de águas bolivianas de Cochabamba e La Paz nos governos anteriores.

O bloco de forças criado em torno da água foi fundamental para levar Evo ao poder. Ele não traiu seu povo. Criou o Ministério das Águas e, de forma coerente, defendeu a inscrição da água como direito humano no documento final do IV Fórum. Fecharam junto com a Bolívia a Venezuela, Cuba e Uruguai. Como o direito humano à água foi derrotado, esses países não assinaram o documento final e elaboraram seu próprio documento. Porém, o avanço da causa é evidente.

No retorno do México encontrei-me com um dirigente da Secretaria Nacional de Recursos Hídricos. A conversa foi sobre a posição brasileira nessa questão. Historicamente o Brasil, desde Kyoto, tem se posicionado contra o reconhecimento da água como direito humano. Na Campanha da Fraternidade o governo brasileiro, sob Lula, reafirmou essa posição. Alega que esse reconhecimento traria implicações sobre a soberania brasileira das nossas águas.

Particularmente, não consigo ver sustentabilidade nesse argumento. O reconhecimento da água como direito humano não abre brechas para perda de nossa soberania. Na verdade, ao se posicionar dessa forma, o governo brasileiro se alinha internacionalmente às transnacionais da água, organismos multilaterais e demais governos que não querem ver seus serviços de águas e suas empresas privadas sujeitos às convenções internacionais de direitos humanos.

As conseqüências são óbvias: desde que ela seja reconhecida como direito humano, os governos terão que providenciar água para sua população, as empresas não poderão cortar água de quem não puder pagar e todos estarão sujeitos ao monitoramento nacional e internacional. O reconhecimento da água como direito humano é um espinho no princípio comercial da água.

Entretanto, o Brasil também dá sinais de avanço nessa questão. Estaria disposto a reconhecer a água de consumo humano (40 ou 50 litros por pessoa/dia) como direito humano, mas não o uso econômico da água. A partir daí defende a cobrança progressiva pelo seu uso.

A questão é considerável, mas tem que ser aprofundada. Reconhecer o consumo humano como direito fundamental ainda não garante a equidade social no uso da água. Se a partir de 40 litros todos terão que pagar, novamente os grandes volumes de água entram no círculo do mercado. Os grandes volumes de água para agricultura, indústria, aqüicultura, serão adquiridos por quem tem dinheiro para comprar essa água, repassando seus custos para seus produtos, enfim, para o consumidor final.

Os pequenos agricultores, pescadores, que precisam muito mais que 40 litros por dia para suas atividades econômicas - além do acesso livre aos corpos d’água - poderão estar impedidos de exercer suas atividades produtivas. Portanto, garantir o básico como direito humano ainda não é resolver o problema. Teremos ainda que aprofundar esse debate e ver novos mecanismos que garantam a equidade social, o equilíbrio ecológico e a água como direito fundamental da pessoa humana.

Essa questão será devidamente tratada em Maio no contexto da ONU. O documento do México, segundo o dirigente brasileiro, não tem poder vinculante. No âmbito da ONU terá. Então - essa foi minha proposta - que o governo brasileiro abrisse um debate nacional sobre essa questão e todas suas implicações. O que não podemos mais, com o governo que ocupa o poder, é sujeitar um direito tão básico às injunções da política e do mercado.