As convulsões por que passa a América Latina atualmente são os sintomas de uma luta entre o velho e o novo, entre o que o neoliberalismo produziu no continente, seu esgotamento e as forças que lutam para sua superação. Em pouco tempo - menos de três décadas -, o modelo que pretendia ser solução para a crise latino-americana revelou o fracasso de suas promessas e joga o continente em uma situação limite, similar à que viveu nos anos 1930, em uma crise hegemônica que pede novos rumos e propostas para sua superação positiva.

As falsas promessas de retomada do desenvolvimento empurraram a América Latina à estagnação que a afeta desde 1999, enquanto a desigualdade e a exclusão social se aprofundam, as fragilidades externas aumenta, a renúncia à afirmação das nossas identidades se estende e o continente se vê transformado no mais instável do mundo em termos econômicos e sociais.

Essa instabilidade é produto do esgotamento do velho - as políticas neoliberais - e a força ainda insuficiente do novo - um mundo em que a justiça e a solidariedade tenham preponderância sobre as leis do mercado - para se constituir em alternativa. Essa é a marca do momento atual vivido pelo nosso continente.

O velho insiste em sobreviver por meio de governos que mantêm e reproduzem as desumanas e antidemocráticas políticas de ajuste fiscal, priorizadas em relação às políticas sociais. Isolados em relação às necessidades prementes da massa da população, se apóiam no capital especulativo, nos organismos financeiros internacionais e no monopólio privado da mídia, que os ampara e sustenta.

Procura sobreviver por meio das políticas belicistas de Washington, que militariza os conflitos e se arvoram a resolvê-los pela força. Isolados, os EUA tentam impedir que em 2006 a América Latina conte com uma ampla frente de governos que se opõem a essa política, que pode ir do México ao Uruguai, passando por Brasil, Venezuela, Argentina, Cuba, Bolívia - no único bloco de forças, já hoje existente, que resiste de forma organizada ao governo Bush no mundo. Tentam impedir que o povo mexicano decida livremente o seu destino, buscando fraudulentamente impugnar a candidatura do governados do Distrito Federal, Lopez Obrador, líder nas pesquisas eleitorais há muito tempo.

O novo revela sinais da força já acumulada para construir alternativas ao neoliberalismo e ao belicismo. O novo começou a surgia há muito tempo - desde o grito de Chiapas dos zapatistas, em 1994 -, mas tomou novo impulso quando os camponeses bolivianos impediram a privatização da água e derrubaram o presidente que a promovia, construindo uma força política social alternativa ao governo. Surge quando os movimentos sociais latino-americanos - a começar pelo MST -, lutam pela reforma agrária, contra os transgênicos e pela segurança alimentar.

O novo está presente na vitoriosa reestruturação da dívida externa Argentina, realizada por Nestor Kirchner. O novo se expressa na eleição da Frente Ampla para dirigir o Uruguai, na vitória de Hugo Chavez no referendo venezuelano, na política de integração latino- americana - renovada e fortalecida na reunião de Lula, Kirchner e Hugo Chavez, em Montevidéu, para programar cúpulas dos ministérios sociais, de energia e econômicos dos seus governos e dos que queiram se somar a essas iniciativas.

Também fazer parte do novo as propostas de criação de uma televisão pública dos paises do continente, de integração das empresas petrolíferas da América Latina e do Banco da Semente, para proteger o nosso patrimônio natural. O novo está presente nos acordos estratégicos assinados entre os governos de Brasil, Venezuela, Cuba, Argentina, Uruguai, entre si e com China, Irã, Rússia e Espanha, projetando uma nova inserção internacional do continente.

Mas essa força acumulada pelo novo ainda encontra muitas dificuldades para se firmar, para se constituir em alternativa à crise hegemônica que vive a América Latina. A primeira é a sobrevivência do eixo das políticas neoliberais em governos tão decisivos na região como os do Brasil e da Argentina.

As políticas de ajuste fiscal, de “livre comércio”, de desregulação dos mercados financeiros são parte integrante do velho, do “Consenso de Washington” e se constituem em barreiras para que se possa construir sociedades solidárias e justas. Da mesma forma que as políticas agressivas do governo dos EUA - expressas, entre outras formas, no Plano Colômbia e nos ataques sistemáticos contra Cuba e a Venezuela - representam a expressão da “guerra infinita” de Bush no continente e devem ser isoladas e derrotadas para que a América Latina possa sair da crise atual e tornar-se um continente integrado e soberano.

A solução positiva da crise atual, a vitória do novo sobre o velho depende da esquerda - das forças políticas, dos movimentos sociais e culturais, da imprensa independente, da intelectualidade crítica, da cidadania militante. Depende da formulação de uma plataforma de saída do modelo atual e de criação de um novo padrão de relações sociais, antimercantil, solidário e justo.

Depende da aglutinação das forças sociais, políticas e culturais interessadas na sua realização, da luta ideológica constante contra os valores neoliberais e mercantis e a favor de um mundo fundado na universalização dos direitos e não da mercantilização. Depende da mobilização popular e da capacidade da cidadania da América Latina para derrotar o velho e construir o novo.