Num Fórum Social Mundial em que o combate ao imperialismo deve ser uma das tônicas principais, militantes norte-americanas roubaram a cena para dizer que dentro dos Estados Unidos também há uma rede de resistência disposta a lutar contra o governo do presidente George W. Bush. O recado foi passado durante a cerimônia pública de abertura do Fórum em Caracas, cidade que neste ano é uma das três sedes a receber o maior encontro de movimentos sociais do mundo.

Medea Benjamin, integrante da organização Mulheres Dizem Não à Guerra, anunciou que no dia 8 de março serão organizados atos em vários países em frente às embaixadas dos EUA pedindo o fim da guerra no Iraque. “É democrático invadir um país por causa de petróleo? Estamos aqui para aprender o que é a democracia, de como tratar o mundo com solidariedade e amor e não com o poder econômico”, disse .

Outra presença marcante foi a da também norte-americana Cindy Sheenan, mãe de um soldado morto no Iraque e que ajudou a impulsionar o movimento antiguerra nos EUA. “Invadir um país e matar pessoas inocentes por petróleo definitivamente não é uma causa nobre”, afirmou em referência à pergunta feita por ela ao presidente George W. Bush sobre qual seria a causa nobre da invasão do Iraque.

Para a também estadunidense Cheri Honkala, coordenadora da Campanha pelos Direitos Humanos Econômicos de Pessoas Pobres, o Fórum será um importante espaço para impulsionar a luta antiguerra e antiimperialista dentro do país. “O pesadelo norte americano está vindo à tona. Com vocês do nosso lado vamos lutar contra o império de dentro de suas entranhas”, afirmou ela para o público que ocupava o Passeo los Próceres, espaço público que homenageia heróis da história venezuelana.

Entre os especialistas em Fórum Social Mundial que estão aqui em Caracas, uma reflexão recorrente é desvendar qual a linha central de cada nova edição. Se o Fórum de 2001, por exemplo, marcou o início de uma fase de resistência ao neoliberalismo e o de 2003 a mundialização da luta contra a guerra, o encontro de 2006 dá um passo além ao focar-se no imperialismo. Nesse caso, a atual conjuntura de ascensão de governos de esquerda na América Latina é o principal combustível.

“Nossa expectativa em relação ao fórum é que a gente possa avançar no debate sobre as alternativas no sentido de construção concreta de propostas, porque nossa avaliação é que a América Latina está vivendo uma situação conjuntural com grandes possibilidades como a gente não via há 30, 40 anos atrás”, comenta Nalu Farias, da Marcha Mundial de Mulheres, lembrando a recente posse de Evo Morales na Bolívia. Para ela, a crise de legitimidade do neoliberalismo que se instalou nos últimos anos muito em parte pela ação dos movimentos sociais “nos permite agora ter sonhos no sentido de avançar na luta pelas alternativas a este modelo”.

Na avaliação o sociólogo brasileiro radicado na França Michael Lowy, o caso da Bolívia ajudará a suscitar no Fórum o debate sobre o socialismo no novo século. Na visão dele, essa questão dividirá as atenções com a discussão sobre o “capitalismo”, na medida em que cada vez mais “as pessoas estão se dando conta de que não dá pra enfrentar os problemas atuais sem discutir o capitalismo”. O sociólogo afirma que há experiência políticas interessantes em diversas partes do mundo, mas que a América Latina destaca-se “porque aqui há a esquerda mais radical e de pulso forte e a esquerda que faz média com o neoliberalismo”.

É esperar para ver. Os debates no Fórum Social Mundial em Caracas começam nesta quinta e estão divididos em seis eixos temáticos: (1) Comunicação, culturas e educação: dinâmicas alternativas e democratizadoras (2) Diversidades, identidades e cosmovisões em movimento (3) Estratégias imperiais e resistência dos povos (4) Poder, políticas e lutas pela emancipação social (5) Recursos e direitos para a vida: alternativas ao modelo civilizatório depredador (6) Trabalho, exploração e reprodução da vida. Já estão inscritas para o encontro 2200 organizações de 80 países e o número de participantes pode chegar a 100 mil.

Nas ruas

Como ocorre desde o FSM de 2001, realizado em Porto Alegre, o capítulo venezuelano do sexto Fórum Social Mundial foi aberto com uma marcha pelas ruas de Caracas. A caminhada começou por volta das quatro da tarde, quando finalmente parou a chuva que caiu durante quase todo o dia sobre a cidade. Partiu da Praça das Três Gracias, localizada ao lado da Universidade Central da Venezuela, e seguiu até o Passeo los Próceres.

Entre bandeiras da Venezuela, Cuba e tantos outros países da América Latina, o movimento pela libertação da Palestina marcou presença. O francês Christian Chantegrel, de 46 anos, era um desses militantes. Com uma bandeira nas mãos, afirmou que a Palestina pode ser um grande laboratório de resistência para os povos por ser o símbolo de várias lutas. “Ali há a luta contra o apartheid, o racismo, o poder militar, o poder financeiro e o imperialismo. É um povo que há 60 anos luta com pedras contra as armas do Estado de Israel, que tem apoio dos EUA”, afirmou.

Um membro da Juventude Cubana, integrante da numerosa delegação de seu país presente no Fórum, também escolheu os EUA e o imperialismo como alvos. “O embargo contra Cuba é um genocídio porque está destinado a fazer nosso povo desaparecer por fome e enfermidades”, atacou. Entre manifestações feministas, de crítica dos colombianos ao presidente Álvaro Uribe e em prol da diversidade sexual, sobressaíram na marcha os grupos ligados aos projetos sociais do governo Chávez, como as missões para a promoção de educação e saúde.

William Rivas, 38 anos, está no segundo semestre do curso de Ciências Jurídicas. Teve acesso ao curso na paróquia de Caricuao, na região metropolitana de Caracas, por conta das missões educativas do governo central. Ele obterá um diploma certificado pela Universidade Bolivariana na Venezuela. “Estamos fazendo a revolução, mas ela está ameaçada pelo governo dos Estados Unidos, que cobiça nosso petróleo e outras riquezas minerais”, afirmou.

Para Rivas, o Fórum servirá para mostrar ao mundo o que se passa na Venezuela. E a caminhada desta terça-feira (24) foi apenas o começo. “A marcha é um momento simbólico do Fórum, em que são mostradas para o mundo as necessidades que nós temos e as bandeiras de luta. Além do mais, é um momento de união de todos”, disse o brasileiro Altacir Bunde, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MAP).

Carta Maior