O Império anglo-saxão está baseado, desde há um século, na propaganda. Ela conseguiu convencer-nos que os Estados Unidos são «o país da liberdade», e que não travam guerras senão para defender os seus ideais. Mas, a crise actual, a propósito da Ucrânia, acaba de mudar as regras do jogo: agora Washington e os seus aliados não são mais os únicos locutores. As suas mentiras são, abertamente, contestadas pelo governo e pelos média de um outro grande Estado, a Rússia. Na época dos satélites, e da Internet, a propaganda anglo-saxónica não funciona mais como antes.
Desde sempre os governantes procuram convencer da justeza dos seus actos, já que as multidões jamais seguem homens que sabem não prestar. O século XX foi cenário de métodos novos de propagação de ideias, que não se incomodavam com a verdade. Os Ocidentais fazem remontar a propaganda moderna ao ministro nazi Joseph Goebbels. É uma maneira de fazer esquecer que a arte de falsificar a percepção das coisas foi desenvolvida, antes disso, pelos Anglo-Saxónicos.
Em 1916, o Reino-Unido criou a Wellington House em Londres, seguida pela Crewe House. Simultaneamente, os Estados Unidos criam o Committee on Public Information (CPI). Considerando que a Primeira Guerra mundial opunha as massas, e não mais os exércitos, estes organismos tentaram intoxicar a sua própria população, tanto quanto as dos seus aliados e as dos seus inimigos.
A propaganda moderna começa com a publicação, em Londres, do relatório Bryce sobre os crimes de guerra alemães, que foi traduzido em trinta línguas. De acordo com este documento o exército alemão tinha violado milhares de mulheres na Bélgica, os exércitos britânicos lutaram, pois, contra a barbárie. Descobriu-se, no final da Primeira Guerra Mundial, que o relatório inteiro era uma aldrabice, feita de falsos testemunhos com a colaboração de jornalistas.
Pelo seu lado, nos Estados Unidos, George Creel inventou um mito, segundo o qual a Guerra mundial era uma cruzada das democracias, para alcançar uma paz que realizasse os direitos da humanidade.
Os historiadores mostraram que a Primeira Guerra Mundial respondeu tanto a causas imediatas como profundas, tendo sido a mais importante delas a competição entre as grandes potências para aumentar os seus impérios coloniais.
Os gabinetes britânicos e americano eram organismos secretos, trabalhando por conta dos seus Estados. Ao contrário da propaganda leninista, que ambicionava «revelar a verdade» às massas ignorantes, os Anglo-Saxónicos procuravam enganá-las para as manipular. E para isto, os organismos estatais anglo-saxónicos tinham que se esconder e assumir falsas identidades.
Após o desaparecimento da União Soviética, os Estados Unidos negligenciaram a propaganda e preferiram as relações públicas. Não se tratava mais de mentir, mas antes de controlar os jornalistas, de forma a que eles não vejam o que não se lhes mostra. Durante a Guerra do Kosovo, a Otan chamou Alastair Campbell, um conselheiro do Primeiro-Ministro britânico, para contar à imprensa uma história edificante por dia. Enquanto os jornalistas a reproduziam, a Aliança podia bombardear «em paz». O conto da carochinha visava mais desviar a atenção do que mentir.
Porém, a história da carocha voltou em força com o 11-de-Setembro: tratava-se de concentrar a atenção do público nos atentados de Nova Iorque e Washington, de forma a que ele não perceba o golpe de Estado militar organizado nesse dia: transferência dos poderes executivos do presidente Bush para uma entidade militar secreta, e colocação em residência vigiada de todos os parlamentares. Esta intoxicação foi, sobretudo, obra de Benjamin Rhodes, actual conselheiro de Barack Obama.
No decurso dos anos seguintes, a Casa Branca instalou um sistema de intoxicação com os seus principais aliados (Reino Unido, Canadá, Austrália e, claro, Israel). Diáriamente estes quatro governos receberam instruções, até mesmo discursos pré- escritos, do Gabinete da média (mídia-Br) global para justificar a guerra no Iraque ou para caluniar o Irão (Irã-Br) [1].
Para difundir rápidamente as suas mentiras, Washington apoiou-se, desde 1989, sobre a CNN. Com o passar do tempo, os Estados Unidos criaram um cartel de canais de informação de satélite (Al-Arabiya, Al-Jazeera, BBC, CNN, França 24, Sky). Em 2011, aquando do bombardeio de Tripoli, a Otan conseguiu, de surpresa, convencer os líbios que tinham perdido a guerra, e que era inútil resistir mais. Mas, em 2012, a Otan falhou ao reproduzir este modelo e tentar convencer os Sírios que o seu governo ia, inevitavelmente, tombar. Esta táctica falhou porque os Sírios tiveram conhecimento da manipulação efectuada, pelas cadeias de televisão internacionais, na Líbia e puderam preparar-se para isso [2]. E, este fracasso marca o fim da hegemonia deste cartel de «informação».
A crise atual entre Washington e Moscovo(Moscou-Br), a propósito da Ucrânia, forçou a administração Obama a rever o seu sistema. Com efeito, de agora em diante Washington não é o único a falar, tem que contradizer o governo e os média russos, acessíveis em todo o mundo via satélites e Internet. O secretário de Estado John Kerry indicou, pois, um novo assistente para a propaganda, na pessoa do antigo redator-chefe da Time Magazine (Revista Time), Richard Stengel [3].
Antes mesmo de prestar juramento, no dia 15 de abril, ele iniciou já as suas funções e, no dia 5 de março, enviou aos principais média atlantistas uma «nota documental», sobre as «10 mentiras» que Vladimir Putin teria enunciado quanto à Ucrânia [4]. Ele repetiu isto novamente, a 13 de abril, com uma segunda nota apresentando «10 outras inverdades» [5].
O que salta à vista ao ler esta prosa é a sua inépcia. Ela visa validar a história oficial de uma revolução em Kiev, e desacreditar o discurso russo sobre a presença de nazis no novo governo. Ora, sabemos hoje que, por meio de revolução, se tratou de um golpe de Estado fomentado pela Otan, e implementado pela Polónia e Israel, misturando receitas de «revoluções coloridas» e de «primaveras árabes» [6]. Os jornalistas que receberam estas Notas e as divulgaram, conheciam, perfeitamente, as gravações das conversas telefónicas da assistente do secretário de Estado Victoria Nuland, sobre o modo como Washington ia mudar o regime em detrimento da União Europeia, e do Ministro Estónio dos Negócios Estrangeiros(Relações Exteriores-Br), Urmas Paets, sobre a verdadeira identidade dos snaipers da praça Maidan. Além disso, eles tomaram conhecimento, ulteriormente, das revelações do semanário polaco (polonês-Br) Nie sobre a formação, dois meses antes do início dos eventos, dos agitadores nazis na Academia da polícia polaca. Quanto a negar a presença de nazis no seio do novo governo ucraniano, é o mesmo que gritar que a noite é feita de luz. Não é necessário ir a Kiev, basta ler os escritos dos actuais ministros, ou escutar as sua declarações para o constatar [7].
No final de contas, se estes argumentos permitem dar a ilusão sobre um consenso dos grandes média atlantistas, eles não têm nenhuma hipótese de convencer os cidadãos curiosos. Pelo contrário, é tão fácil com a Internet descobrir a aldrabice, que este tipo de manipulação só pode estropiar um pouco mais a credibilidade de Washington.
O unanimismo dos média atlantistas no 11-de-Setembro permitiu convencer a opinião pública internacional, mas o trabalho realizado por um grupo numeroso de jornalistas e cidadãos, dos quais eu fui o precursor, mostrou a impossibilidade material da versão oficial. Treze anos depois, centenas de milhões de pessoas deram-se conta destas mentiras. O novo dispositivo de propaganda norte-americano não fará senão crescer, ainda mais, este processo. Definitivamente, todos aqueles que propagam os argumentos da Casa-Branca, nomeadamente os governantes e os média da Otan, destroem eles próprios a sua credibilidade.
Barack Obama e Benjamim Rhodes, John Kerry e Richard Stengel agem, apenas, no curto prazo. A sua propaganda convence as massas apenas algumas semanas, e contribui para as revoltar quando percebem a manipulação. Involuntariamente, eles minam a credibilidade das instituições dos Estados da Otan que as propagam conscientemente. Eles olvidaram que a propaganda do século XX só podia ter êxito porque o mundo estava dividido em blocos, que não comunicavam entre eles, e que o seu princípio monolítico é incompatível com os novos meios de comunicação.
A crise na Ucrânia não está terminada, mas já mudou profundamente o mundo: contradizendo, em público, o presidente dos Estados Unidos, Vladimir Putin cruzou uma barreira que previne agora o triunfo da propaganda americana.
[1] «Un réseau militaire d’intoxication» (Fr-«Uma rede militar de intoxicação»-ndT), Réseau Voltaire, 8 décembre 2003.
[2] “A NATO prepara uma vasta operação de intoxicação”, por Thierry Meyssan, Komsomolskaïa Pravda/Rede Voltaire, 13 de Junho de 2012.
[3] «Redactor-chefe da Time Magazine nomeado chefe da propaganda norte- americana», Rede Voltaire,18 de Abril de 2014.
[4] “Informativo do Departamento de Estado: dez alegações falsas sobre a Ucrânia”, Rede Voltaire, 5 de Março de 2014.
[5] “Informativo do Departamento de Estado sobre alegações falsas sobre a Ucrânia”, Rede Voltaire, 13 de Abril de 2014.
[6] “Ucrânia: a Polónia tinha formado os golpistas com dois meses de antecedência”, por Thierry Meyssan, Traduction Alva, Rede Voltaire, 19 de Abril de 2014.
[7] “Quem são os nazis no governo ucraniano?”, por Thierry Meyssan, Traduction Alva, Rede Voltaire, 5 de Março de 2014.
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