Em 22 de Setembro de 2023, 16 dias antes do ataque da Resistência palestiniana, Benjamin Netanyahu, exprimiu-se na tribuna das Nações Unidas em Nova Iorque. Aí, ele brandiu um mapa do « Novo Médio-Oriente » no qual Israel absorvera os Territórios palestinianos.

Continuamos a reagir ao ataque contra Israel em 7 de Outubro e ao massacre de civis palestinianos em Gaza em função das informações de que dispomos. Ora, sentimos, de forma clara, que a versão oficial do governo israelita (israelense-br) e do Hamas é falsa.

Há sete questões principais que permanecem sem resposta :

• Como é que o Hamas pode escavar e equipar 500 quilómetros de túneis a 30 metros de profundidade sem despertar atenções ?

 O material de perfuração de túneis tem habitualmente uma dupla utilização, tanto civil como militar. Ele não é fabricado em Gaza e não pode lá entrar entrar em caso algum, salvo com cumplicidade no seio da administração israelita.
 A terra escavada (1 milhão de m3) não foi detectada pela vigilância aérea. Mesmo supondo que foi espalhada por muitos locais diferentes e misturada com a de estaleiros de obras em curso, é impossível que os Serviços de Inteligência israelitas nada tenham detectado durante vinte anos.
 O material de ventilação de túneis não é considerado como sendo de uso militar. É possível fazê-lo entrar em Gaza, mas a quantidade necessária teria que ter chamado a atenção.
 O betão armado necessário para solidificar as paredes não é fabricado em Gaza. Também ele não é considerado como um material militar, mas a quantidade necessária teria que ter chamado a atenção.

• Como é que o Hamas pode armazenar um tal arsenal ?

O Hamas, ramo palestiniano da Confraria dos Irmãos Muçulmanos, dispõe de uma grande quantidade de roquetes e de armas ligeiras. Claro, conseguiu fabricar ele próprio certas partes dos foguetes, mas, acima de tudo, conseguiu importar, principalmente da Ucrânia, e fazer entrar milhares de armas ligeiras em Gaza, apesar dos scanners israelitas muito eficientes. Isso parece impossível sem cumplicidades no seio da administração israelita.

• Porque é que Benjamin Netanyahu ignorou todos os que o avisaram ?

 O Ministro egípcio da Inteligência, Kamel Abbas, telefonou-lhe pessoalmente para o avisar contra um grande ataque do Hamas.
 O seu amigo, o Coronel Yigal Carmon, director do Memri, alertou-o pessoalmente contra um grande ataque do Hamas.
 A CIA enviou a Israel dois relatórios de inteligência avisando contra um grande ataque do Hamas. - O Ministro da Defesa, Yoav Galland, foi demitido em Julho porque tinha advertido o governo para a « tempestade perfeita » preparada pelo Hamas.

• Porque é que Benjamin Netanyahu desmobilizou as forças de segurança ao início da noite de 6 de Outubro ?

 O Primeiro-Ministro autorizou as Forças de Segurança a abrandar a vigilância por ocasião das festas do Sim’hat Torah e da Chemini Atseret. Assim, não havia no momento do ataque o pessoal necessário para vigiar a barreira de segurança à volta de Gaza.

• Porque é que os responsáveis da Segurança ficaram fechados na sede do Shin Bet na manhã de 7 de Outubro ?

 O Director da contra-espionagem (Shin Bet), Ronen Bar, convocara uma reunião dos responsáveis de todos os Serviços de Segurança para 7 de Outubro, às 8h da manhã, para examinar o segundo relatório da CIA que alertava para uma grande operação do Hamas em preparação.
Ora, o ataque começou no mesmo dia às 6h 30. Os responsáveis de segurança só reagiram às 11h. Que fizeram pois estes responsáveis durante esta interminável reunião ?

• Quem lançou a « directiva Hannibal » desta maneira e porquê ?

 Quando as Forças de Segurança começaram a reagir, as FDI receberam a ordem de aplicar a «Directiva Hanníbal». Esta estipula não deixar os inimigos tomar soldados israelitas como reféns, mesmo que signifique matá-los. Uma investigação da polícia israelita atesta que a aviação israelita bombardeou a multidão que fugia da Rave Party Supernova. Uma parte importante dos mortos de 7 de Outubro não são, portanto, vítimas do Hamas, mas da estratégia israelita.
 Ora, a «Directiva Hannibal» aplica-se só teoricamente aos soldados. Quem decidiu bombardear uma multidão de civis israelitas e porquê? Não é possível hoje determinar com certeza que Israelitas foram mortos pelos assaltantes e quais foram mortos pelo seu próprio Exército.

• Porque é que as forças ocidentais ameaçam Israel ?

 O Pentágono deslocou dois grupos navais, em torno do USS Gerald Ford e do USS Eisenhower, e um submarino de mísseis de cruzeiro, o USS Florida. O Haaretz até mencionou um terceiro porta-aviões. Os aliados dos EUA (Arábia Saudita, Canadá, Espanha, França, Itália) instalaram caças-bombardeiros na região.
 Estas forças não foram deslocadas para ameaçar a Turquia, o Catar ou o Irão, que a imprensa ocidental acusa de estarem implicadas no ataque do Hamas, mas ao largo da costa de Israel, em Beirute e em Hamat. É a Israel que elas envolvem. E apenas a Israel.

Que escondem estes mistérios ?

Claramente a versão defendida tanto pelo Hamas como por Israel é falsa. Temos de considerar outras explicações possíveis a fim de não sermos manipulados, nem por uns, nem por outros.

Formulemos uma hipótese. Nada nos permite dizer se é a melhor, mas ela é compatível com os elementos factuais, o que não é o caso da versão hoje em dia partilhada por todos. Portanto, ela é melhor que essa. É evidentemente extremamente chocante, mas apenas aqueles que são capazes de responder às 7 perguntas precedentes a poderão descartar.

Esta interpretação assenta numa análise da complexa estrutura do Hamas, cujos combatentes de base ignoram o que tramam os seus dirigentes. Ei-la :

Toda a operação do Hamas e de Israel é dirigida pelos Norte-Americanos, talvez sob a direcção do straussiano Eliott Abrams [1] e da sua Vandenberg Coalition (Think- Tank que sucedeu ao Project for a New American Century-Projecto para um Novo Século Americano). A Confraria dos Irmãos Muçulmanos e os Sionistas Revisionistas, que aparentemente estão a travar uma guerra cruel, são na realidade cúmplices às custas dos combatentes de base do Hamas, do Povo palestiniano e dos soldados israelitas. Eis o seu plano : o Hamas é apresentado como a única força de Resistência eficaz contra a opressão sofrida pelos Palestinianos, mas ele deixa que Israel liquide a esperança de um Estado palestiniano, enquanto a Confraria dos Irmãos Muçulmanos, aureolada pelo sacrifício dos Palestinianos, toma o Poder no Mundo árabe.

Os Chefes do ramo militar e do ramo político do Hamas estão ambos subordinados ao Guia da Confraria dos Irmãos Muçulmanos em Gaza, Mahmud Al-Zahar, o sucessor do Xeique Ahmed Yassin, do qual ninguém fala. Do seu ponto de vista, a Confraria será a grande vencedora da «Torrente de Al-Aqsa», isto mesmo que Gaza seja arrasada e os Palestinianos expulsos da sua terra.

Mahmud Al-Zahar, Guia do ramo palestiniano dos Irmãos Muçulmanos, quer dizer do Hamas. A sua autoridade é reconhecida em simultâneo pelo ramo político e pelo ramo combatente da organização. Em Dezembro de 2022, ele declarava : « O Estado hebreu é apenas o primeiro objectivo. Dentro em breve o planeta inteiro será colocado sob a nossa lei ».

Lembremos que o Hamas está hoje em dia dividido em duas facções. A primeira, sob a autoridade de Ismaël Haniyeh, permanece na linha da Confraria. Ela não busca nem libertar a Palestina da ocupação israelita, nem fundar um Estado palestiniano, mas consagra-se à edificação de um Califado sobre todos os países do Médio-Oriente. A segunda, sob comando de Khalil Hayya, abandonou a ideologia da Confraria e bate-se para acabar com a opressão do Povo palestiniano pelos Israelitas.

A Confraria dos Irmãos Muçulmanos é uma sociedade política secreta, organizada pelos Serviços de Inteligência britânicos no modelo da Grande Loja Unida da Inglaterra [2]. Ela foi progressivamente recuperada pela CIA, a ponto de ser representada no seio do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Após o colapso dos regimes islamistas da “Primavera Árabe”, a Confraria fracturou-se em duas tendências. A Frente de Londres, à volta do Guia Ibrahim Munir (falecido há um ano), propõe sair da crise deixando o campo político e obtendo assim a libertação dos prisioneiros no Egipto. A Frente de Istambul, dirigida pelo Guia interino Mahmud Hussein, preconiza, pelo contrário, não mudar nada e continuar a luta para instaurar um Califado. Um terceiro grupo tenta fixar uma posição intermediária, avançando com a ideia de abandonar a política, o tempo suficiente para obter a libertação dos presos, a fim de melhor a retomar em seguida.

Reunião no Conselho Nacional de Segurança dos EUA, em 13 de Junho de 2013, na Casa Branca. Reconhece-se Gayle Smith (segundo à direita) e o Irmão Rashad Hussain (quarto à esquerda). O Conselheiro Nacional de Segurança, Tom Donilon, participou igualmente na reunião, mas não figura na foto. Sobretudo, reconhece-se o representante dos Irmãos Muçulmanos e adjunto de Yussef al-Qaradâwî, o xeique Abdallah Bin Bayyah (segundo à esquerda com turbante).
Fonte : Confraria dos Irmãos Muçulmanos

Os Irmãos Muçulmanos combatem para tomar o Poder em todos os Estados árabes, como fizeram no Egipto em 2012-13.

Recordemos que, contrariamente à opinião geral no Ocidente, Mohamed Morsi jamais foi eleito democraticamente presidente do Egipto, foi sim o General Ahmed Chafik. Todavia, tendo a Confraria ameaçado de morte os membros da Comissão Eleitoral e suas famílias, esta, após 13 dias de resistência, declarou Morsi eleito, apesar dos resultados das urnas. Posteriormente, em 2013, cerca de 40 milhões de egípcios desfilaram contra ele, exigindo ao Exército que os libertasse dos Irmãos Muçulmanos. O que o General Abdel Fatah Al-Sissi fez.

Hoje em dia, os Irmãos Muçulmanos apenas controlam a Tripolitânia (Líbia Ocidental), onde foram colocados no Poder pela OTAN. Apenas são bem recebidos no Catar e na Turquia (que não é um Estado árabe). Estão proibidos na maioria dos Estados árabes, nomeadamente na Arábia Saudita (na qual tentaram derrubar o monarca, em 2013), nos Emirados Árabes Unidos (envolvendo a crise entre o Catar e os outros Estados do Golfo) e, sobretudo, na Síria (na qual tentaram derrubar o governo em 1982, e contra a qual travaram guerra, de 2011 a 2016, ao lado da OTAN e de Israel). Também estão a ponto de o ser na Tunísia (que dirigiram durante uma década).

Se o verdadeiro objectivo deste massacre não é o estatuto da Palestina, mas a governança dos Estados árabes, devemos esperar uma onda de mudança de regimes no Médio-Oriente, sempre em proveito da Confraria, em suma, uma espécie de segunda “Primavera Árabe” [3].

Tal como durante a “Primavera Árabe”, os Serviços Britânicos asseguram a comunicação da Confraria. Recorda-se a forma como eles fizeram a promoção do Irmão Abdelhakim Belhaj na Líbia [4] ou os magníficos logotipos que conceberam para a miríade de grupos jiadistas na Síria. Fugas informativas no Foreign Office permitiram confirmar tudo isso. Desta vez, criaram um novo personagem, Abu Obeida, o porta-voz da organização combatente em Gaza. Este homem, até há pouco desconhecido, tornou-se subitamente uma estrela no mundo muçulmano, onde os posters com a sua efígie são disputados. Longamente treinado para falar em público, ele maneja os símbolos com uma facilidade sem precedentes entre os líderes sunitas.

Os governos árabes agem, pois, com prudência apoiando à criação de um Estado palestiniano enquanto em simultâneo se mantêm à distância do Hamas. Enquanto o Hamas está a fazer tudo para tornar impossível a criação de um Estado palestiniano.

Tradução
Alva

[1O Golpe de Estado dos straussianos em Israel”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 7 de Março de 2023.

[2Ler « As  «Primaveras Àrabes», vividas pelos Irmãos Muçulmanos » em Sous nos yeux, (Sob os Nossos Olhos) Thierry Meyssan, Demi-Lune éditions. Esta passagem do livro está disponível no nosso “site” em seis partes.

[3«El proyecto de “primavera árabe” se superpone a ‎la “doctrina Cebrowski”‎», por Thierry Meyssan, Red Voltaire , 27 de diciembre de 2021.

[4Como os homens da Al-Qaida chegaram ao poder na Líbia”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 6 de Setembro de 2011.